Singular – Elevação da SELIC expõe as sobras
Quando jovem tinha o hábito de ler e reler o interessantíssimo livro de 1939 O Homem que Calculava, do brasileiro Malba Tahan, onde narrava as aventuras e proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir. Hoje na 75ª edição. Um romance que apresenta alguns problemas matemáticos e quebra-cabeças dentro da paisagem do mundo islâmico medieval, mas precisamente em Bagdá do século XIII. Lembro da intrigante história da Aventura dos 35 camelos, na qual Beremiz consegue resolver o caso, que conforme a vontade do pai os 35 camelos deveriam ser divididos entre três irmãos respeitando que, o mais velho deveria receber a metade, o do meio um terço e o mais novo ficaria com um nono. Com astúcia e sem barreiras mentais uma solução criativa fora implementada. Após esta lúdica introdução podemos avançar sobre o intrigante tema que deveria estar causando desconforto a nossos líderes, em especial aonde já se remunera o Capital Social em algum percentual da Selic, ou há elevada captação em Depósito a Prazo.
30% de elevação de custo: tínhamos uma Selic média de 8,3% em 2013, e tendemos fechar 2014 com 10,7%. Aparentemente são apenas dois pontos percentuais, mas de fato são expressivos 30% de crescimento. Mantendo a mesma remuneração do Capital Social do ano passado frente à Selic, em 2014 a Singular irá desembolsara 30% a mais do que em 2013, algo que inclusive se aplica para o custo de captação do Depósito a Prazo. Ou seja, as Sobras a serem apresentadas aos sócios no início de 2015 receberão uma enorme redução, algo dificilmente previsto. 30% de elevação do custo da matéria prima são expressivos, e sua permanência pode minar nosso negócio.
Impactos diretos pelos juros ao Capital: este maior dispêndio para honrar a manutenção da remuneração do capital social nos mesmos padrões de 2013, reduzirá as Sobras como ganho efetivo comercial. Isto é verdade, mesmo que corriqueiramente vejamos erroneamente estas despesas com juros ao capital serem rotuladas de Sobras. Sim, pois é um custo usual tal qual como a remuneração do depósito a prazo e este valor já foi pago, logo não pode ser levado a AGO.
Assim, com reduzidas mas verdadeiras Sobras, teremos menor valor aportado em Reserva, Fates e eventuais fundos de contingência, e é claro um menor valor a distribuir aos sócios. O que vale a dizer que os ganhos racionais a serem divulgados pela Singular serão menores, minando este que é o nosso maior diferencial competitivo. É importante relembrar que o Capital Social de qualquer sócio em nada baliza seus ganhos nas Sobras, e que qualquer referência nesta linha é infundada, como tratado em nosso recente artigo: Capital Social – Sua não correlação com as Sobras.
O custo na captação: há anos oriento meus clientes que o segredo de nosso varejo está na compra do dinheiro, pois a sua venda o mercado rege através de sua agressividade. O que vale dizer que o Capital Social da Singular é uma ótima maneira de comprar recursos para emprestar, e se não formos efetivos na precificação desta compra, minaremos um grande pilar da Singular. Minaremos também a leitura de ganhos líquidos com juros e riscos de nossos créditos. Apesar de ter passado despercebido por muito de nós, fomos bonificados em 2013 pela redução da Selic, permitindo menor custo e maiores Sobras. Já em 2014, pela evolução em 30% da Selic, teremos um custo muito maior para remunerar o Capital Social e os Depósitos a Prazo, e assim elevando em muito a composição do seu funding (dinheiro para emprestar).
Importante: seu Depósito a Prazo custará este ano 30% a mais que em 2013 e é equivocado afirmar que não procede esta elevação de custo por ter mantido em 2014 o mesmo percentual do CDI pago nas captações. São métricas distintas.
Ganhos: fica claro que esta majoração de 30% é um custo inesperado no Depósito a Prazo e na remuneração do Capital nos patamares do ano passado. Lembrando ainda que em 2014 o saldo em Capital Social naturalmente evolui pelas sobras distribuídas e pelos seus aportes “espontâneos”. Mas também é lógico que estes valores “inflados” vão integralizar diretamente o Capital Social de cada um dos nossos sócios, culminando em uma evolução deste montante no Capital Social da Singular, potencializando a alavancagem da carteira creditícia. Só não nos esqueçamos que é um equívoco comercial o não pagamento ou o não dispêndio de esforços para em breve remunerar em 100% da Selic o Capital Social. Nestes casos de não remuneração do Capital, a variação de 30% só afetará os custos do Depósito a Prazo.
Outros impactos/benefícios:
- Singulares com excesso de liquidez: Dependendo da origem e do custo médio da compra deste excedente de recursos, pode ser questionável considerar estes “ganhos” com estas aplicações financeiras como eficácia comercial. É prudente uma análise desta receita para que não infle e desvirtue a verdadeira análise comercial da Singular.
- Não pagamento de 100% de Juros ao Capital: Pela não aplicação total (ou parcial) da despesa em 2014 oriunda da elevação da Selic, as Singulares deixam de espelhar na AGO a sua fragilidade mercadológica quanto a compra de sua matéria prima, e diretamente definham o poder de compra do patrimônio de seus sócios. Neste contexto de pouca ou nenhuma despesa na compra de uma boa parte de seu dinheiro para emprestar, levam nas AGOs valores de Sobras inflados, alegando serem estes resultados dos seus esforços comerciais. Assim sendo, retiram ganhos de patrimônio de seus sócios e os dão aos usuários de suas soluções.
- Crédito com parte dos encargos em DI: As Singulares com linhas que adotam taxas de juros composta por uma parte fixa e outra atrelada à variação do DI devem analisar os benefícios e os pontos de atenção oriundos de uma Selic mais alta. Assim, evita-se analisar esta variação como totalmente líquida e comercial, e torna-se mais prudente ao atentar para o maior valor das parcelas futuras frente ao endividamento original do devedor, além da natural perda de competitividade destas linhas em época de instáveis indexadores flutuantes e das ofertas dos concorrentes com taxas fixas, mesmo que aparentemente maiores quando da liberação.
Reflexão Final: Bagdá do século XIII foi o cenário do livro O Homem que Calculava, de 1939. Sua Singular está no Brasil de 2014 e será impactada em no mínimo 30% de várias formas quanto à elevação da Selic. Portanto cabe CALCULAR o impacto em nossa estratégia da intrigante elevação da Selic frente as: Sobras; Capital Social; Depósito a Prazo; Planejamento; Metas; Reservas, Fates e com destaque, analisar o impacto sobre a precificação e atratividade da totalidade de sua carteira creditícia.
Concordar é secundário. Refletir é urgente.
Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 14/09/2014