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O Caminho Selic no Cooperativismo de Crédito

Sem métricas e padrões não podemos avaliar se algo está correto ou se desenvolve a contento. E, para tanto, inventamos medições para quase tudo que nos cerca como: distância, pesos, glóbulos brancos, índice de desenvolvimento humano (IDH) e assim por diante.

Entre todas estas métricas, a que atualmente mais me fascina é a que determina a distância, peso e tempo, pois no final de abril, acompanhado da esposa e de uma mochila de 10 kg, faremos a caminhada de 30 dias pelos 800 km do Caminho de Santiago de Compostela, cruzando a Espanha. Investimos horas na avaliação e harmonização de temas coadjuvantes que poderiam minar ou favorecer nosso projeto, mesmo que fossem aparentemente insignificantes como a escolha da marca e formato do “band-aid” que levamos. Estávamos fisicamente e mentalmente preparados para o início do “Caminho”, tendo muita afinidade com os novos parceiros: mochila, botas, bolhas, colchonetes, trajes, alimentação, chuva, frio, piso… . Será um bom “Caminho”.

Mas o que este projeto particular tem a ver com a gestão do Cooperativismo de Crédito? Ocorre que vemos muitas Singulares levando em suas mochilas de gestão, pesadas e desconhecidas pedras de gelo, sem saber qual a sua real utilidade e desatentas ao seu descongelar em grandes pingos por um deserto inóspito. Uma destas grandes pedras de gelo é a Selic. Vamos a ela.

Selic. A grande e pesada pedra de gelo em nossa mochila de gestão

Muitas Singulares carregam esta grande pedra de gelo sem analisar detalhadamente os benefícios e malefícios em sua instituição. E para agravar, tendem a dar-lhe atenção unicamente nas oito vezes ao ano, quando a cada 45 dias há reuniões do COPOM – Comitê de Política Monetária. E com esta visão superficial, traçam ponderações descompromissadas sobre o real impacto da Selic.

Se a distância, peso e tempo são relevantes como métricas para o projeto do Caminho de Santiago, a Selic deveria ser uma das mais importantes métricas a ser gerida com sapiência pelos gestores do Cooperativismo de Crédito. É sabido que sua manutenção ou oscilação seguem vieses econômicos e políticos, já que esta “torneira” permite que rapidamente o governo controle o consumo ou o investimento, e consequentemente o apetite da inflação, além de balizar o custo da sua dívida.

Uma inferência pretensiosa à CDI a 8% a.a. como métrica de competitividade

Pelos cenários macros internacionais e nacionais há uma forte sinalização que a gestão da Selic pelo COPOM para o ano será de manutenção em patamares próximo a 9% a.a, chegando eventualmente ao “número mágico” de 8,75% a.a.. Sim, pois esta é a trava mental para a Selic no Brasil. Basta observarmos que na série histórica saudável da Selic nestes últimos 15 anos, iniciada em 1997 quando o Plano Real amadureceu, não tivemos índices menores que 8,75% a.a.. Além de que, nos recentes governos de “esquerda moderada” (Lula e Dilma), 8,75% a.a. é o patamar de mais longa sequência de toda a série histórica, sendo seis reuniões do COPOM em nove meses corridos.

Este cenário pode ser melhor compreendido se revermos as ponderações do nosso artigo postado no site: “CDI – Amor platônico do martelo por um prego”, no qual propomos, entre outras reflexões, a que baliza o ganho mínimo de 4% a.a. aceito pelo investidor, já descontado a inflação que oscila em 4% a.a.. Ou seja, uma Selic nunca menor que 8% a.a.. Com uma taxa menor que essa o governo terá sérias dificuldades em dar atratividade para que os investidores comprem seus papéis visando a rolar sua dívida pública. Nesse artigo, ainda orientávamos a usar uma Selic conservadora de 8% a.a. para todos os cenários do Planejamento Estratégico e dos Planos de Ação Comercial. Se uma Singular for eficaz ao patamar de uma Selic de 8% a.a., há grandes possibilidades de vir a ser um sucesso.

Onde a Selic pode impactar o Caminho das Singulares – visão macro.

Reflexão Final: percebemos que nestes quase 20 anos a Selic e o seu fiel escudeiro – CDI – influenciaram uma gama de aspectos da gestão do Cooperativismo de Crédito. Contudo, não é usual vermos muita disposição em observar e entender os sinais de advertência e de oportunidades atreladas às variações da Selic. Reconhecemos que é complexa a análise dos impactos da Selic no Cooperativismo de Crédito, mas cabe aos executivos, em especial aqueles do Conselho de Administração em Singulares com Governança, estudar e entender profundamente a Selic, como também os demais temas macros de gestão da sua Instituição.

Importantíssimo: com a manutenção da Selic em baixa, é urgente que oxigenemos nossas fontes de receitas, através da venda de todas as nossas soluções e não somente das aplicações e créditos. De imediato, devemos viabilizar: tarifas avulsas e pacotes de serviços bem precificados; cobrança de títulos em valores coerentes; repasse rentáveis de seguros, consórcios, cartão de crédito etc.; uso da conta corrente e dos débitos automáticos. O mercado já pune fortemente as Singulares que não agregam a sua base todos os serviços do varejo financeiro massificado. Por mais ágil e “fácil” que possa parecer, é arriscado o “Caminho” focado em captação e crédito. A sobrevivência do Cooperativismo de Crédito passa pela entrega de nossos serviços agregados, na medida exata do que “couber” em cada um de nossos sócios. “Fidelização é a satisfação pela concentração”.

Portanto, o Governo é quem criou a Selic e, gostemos ou não, ele a conduz sem qualquer ponderação quanto a sua relevância ou impactos ao Cooperativismo de Crédito. Então temos aqui mais uma métrica para nos guiar. Saibamos usá-la a nosso favor.

Bom “Caminho” a nós.