Extrato do Artigo “Bradesco S.A.: Uma Cultura Organizacional Forte dentro do Sistema Bancário Brasileiro” (Rita de Cássia Guedes)

A cultura organizacional do Bradesco está moldada nas crenças, nos valores e na ideologia de seu fundador Amador Aguiar. A formação de uma cultura organizacional é um processo relativamente longo de adaptação externa e integração interna da organização e quando se afirma que o fundador “molda” a cultura da organização quer-se dizer que a sua visão do mundo, seus valores, sua visão do negócio etc. são apresentados como desejáveis e, portanto, merecem ser acatados, internalizados e incorporados pelos demais membros da organização. Para compreensão da cultura organizacional do Bradesco estudamos o trabalho de Liliana Segnini (1989) sobre o banco e de como o fundador acabou impondo à organização seus valores.

Valores e ideologia do fundador: identificados através dos valores da Modernidade

Amador Aguiar acreditava na existência de uma sociedade móvel e aberta, com grande predominância do indivíduo como construtor da sua própria vida e também da sociedade em que está inserido, e que tudo isso poderia ser viabilizado pela energia suprida por uma moral do trabalho . Aqui percebe-se a influência científica do Modernismo pois Weber, em seu trabalho “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, chegou a conclusão de que o protestantismo calvinista com sua ênfase no trabalho como um dever cristão deu forte ímpeto ao desenvolvimento do capitalismo: “Devoção ao negócio e aplicação ao trabalho”.

O mundo de Amador Aguiar era uma realidade meritocrática, com claros tons darwinistas, em que os componentes, dedicados e trabalhadores ascenderão e os menos empenhados não terão os benefícios. Tal visão conduziu a uma visão profissionalizada da organização e a uma redução, pelo menos em princípio, da importância relativa de acionistas. Aqui percebemos valores da administração científica clássica com a predominância do estilo administrativo burocrático de Max Weber norteando os valores e as crenças de Amador Aguiar: impessoalidade; profissionalismo, fim ao nepotismo; aderência a procedimentos; promoção por mérito, responsabilidades por cargos definidas; cadeias de comando; regras fixas; descrições claras.

A opção estratégica de tornar o Bradesco um negócio de massa (banco de varejo) e não um negócio segmentado ou especializado, foi também uma decorrência dos valores adotados pelo fundador. Segundo Bertero, “…o relato de Liliana Segnini permite deduzir-se que a modelagem da cultura organizacional do Bradesco, pelas vias do “comportamento exemplar” sempre foi vista como imprescindível.

Aparentemente Amador Aguiar desde cedo preocupou-se em “institucionalizar” a cultura, “recrutando” pessoas que tivessem os mesmos valores que ele ou se dispusessem a adotá-los. A disposição para ser socializado e aculturado no Bradesco até hoje integra e norteia os critérios de recrutamento e seleção. Em princípio, não se admitem pessoas que tenham trabalhado em outros bancos. O recurso humano é visto como “matéria prima” a ser moldada e trabalhada tendo-se em vista valores, crenças e comportamentos da cultura organizacional do Bradesco…”

Valores e crenças do fundador: identificados através dos ritos organizacionais de Beyer e Harrison:

Existem seis tipos de ritos nas organizações modernas. São eles, ritos: de passagem; de degradação; de confirmação; de reprodução; para redução de conflitos; de integração. Os ritos são facilmente identificáveis, porém dificilmente interpretáveis.

Ritos de passagem funcionam para criar e manter a cultura: normas e valores afirmados e comunicados de forma tangível e como mecanismos de poder e de controle organizacional.

No Bradesco identificamos os seguintes ritos de Passagem: o processo de Educação Bradesco, de seleção de pessoal e de treinamento básico. O Bradesco desde 1971, dedica-se à formação de sua mão de obra. Seu processo educacional é “… apolítico , não se permitem discussões sobre temas que possam questionar as autoridades constituídas e a hierarquia , o objetivo é trabalhar…”. Inseridas nesse contexto de valores e crenças “as Escolas Bradesco são instaladas em regiões pobres caracterizadas pela miséria e falta ou inexistência de escolas públicas”.

Nesse cenário acaba-se por estabelecer “… alto grau de dependência das famílias em relação ao processo educacional do Bradesco. Questionar ou até mesmo não aceitar o conteúdo disciplinador a que são submetidos pode significar o rompimento da única oportunidade que teriam de alfabetização, alimentação, atendimento médico-dentários e possivelmente de um emprego futuro.” Esse é um processo que acaba por funcionar como um mecanismo de controle organizacional, informalmente aprovando ou proibindo comportamentos que dão significado, direção e mobilização para os seus membros ( e isso ocorre antes mesmo do ingresso à organização).

Ainda inserido dentro dos ritos de passagem funciona a seleção de pessoal do Bradesco. O critério norteador do processo de seleção de pessoal do Bradesco está baseado nas variáveis comportamentais do candidato. As características comportamentais exigidas são: “.ser oriundo de família de baixa renda, ter vivenciado vínculos familiares, ter crença religiosa, não ter trabalhado em outra instituição financeira, ser jovem e de preferência do interior dos estados”.

Percebemos também que cada uma das características acima acaba por funcionar como mecanismo de controle e de poder. Por exemplo: ao privilegiar trabalhadores de origem familiar de baixa renda determina-se o sentimento do medo com relação a perda do emprego; a vivência de vínculos hierárquicos no interior de uma família reforça o objetivo de “fabricar” um trabalhador em concordância com a concepção reichiana de família: “ … instituição repressora, criadora de homens obedientes; ansiosos por autoridade – família é o modelo reduzido do Estado autoritário…”.

Podemos ainda analisar que a crença religiosa também pode ser entendida como mecanismo de controle organizacional que pelo respeito a um ser superior, respeita normas e hierarquias. E, ao exigir um trabalhador jovem que não tenha trabalhado em outra instituição financeira previne-se conflitos e comparações entre processos de trabalho e também de controle organizacional.

Uma vez que o poder disciplinar necessita de um campo construído por uma população homogênea para poder tecer suas malhas (Focault, 1977) verificamos que o processo de Educação Bradesco (aprender a lidar com problemas de adaptação externas) e o processo de seleção de pessoal (problemas de integração internas) são antecipadamente trabalhados para a partir dessa homogeneização do trabalhador iniciar-se o longo processo de construção do “Homem Bradesco”.

O processo de construção do “Homem Bradesco” se dá em todos os momentos do dia-a-dia de trabalho no conglomerado de empresas e a expressão dos valores encontra naDeclaração de Princípios sua expressão maior.

Concomitantemente os mitos vão sendo delineados pelo trabalhador e o rito Dia Nacional de Ação de Graças realiza a síntese do processo de ritos de integração: as festas organizacionais.

Beyer e Harrison (1986) definiram os ritos de reprodução atividades de desenvolvimento organizacional (exemplo: treinamento on the job ). “No Bradesco identificamos como rito de reprodução o processo de treinamento no qual a empresa enfoca o sistema de carreira fechada, no qual treinamento assume papel bastante relevante porque não apenas forma profissionais capazes para os seus cargos, como também forma profissionais submissos à ideologia da empresa por entendê-la como degrau para o ingresso e promoção. A promoção é meritocrática e busca mobilizar aspirações profundas do trabalhador ao lhe oferecer respostas às contradições que vivencia na sociedade e na organização uma vez que “…todo contínuo pode sonhar com a presidência desde que trabalhe com total dedicação e de acordo com o ideário organizacional” Percebemos que o pressuposto básico da moral do trabalho de Amador Aguiar tem origem nos primórdios do espírito do capitalismo: “só o trabalho produz riquezas”. Esse ideário também pode ser “visto” através dos elementos tangíveis da cultura organizacional: “artefatos” (legendas) – uma frase freqüente encontada em locais de destaque da Cidade de Deus, em Osasco, matriz do Bradesco : “O homem deve ter a paciência e a disciplina do burro de carga”

O critério de promoção no Bradesco, tem como base a “percepção da chefia” quanto ao “grau de conhecimento sobre a filosofia do banco”; estabelece-se assim alto grau de dependência superior / subordinado. Os aspectos negativos mais marcantes na cultura são: arbitrariedade, despotismo, insegurança, atitudes bajuladoras, submissas e delatoras

Artefatos: identificados através da arquitetura:

Analisando a arquitetura do Bradesco, podemos dizer que “foi o primeiro banco a eliminar paredes divisórias, colocando todos juntos trabalhando próximo ao cliente. O negócio do banco tem que ser às claras, diz nosso fundador.” (Departamento de Organização e Métodos – Bradesco).

Sob o ponto de vista da arquitetura como mecanismo de controle e disciplina é possível afirmar que ela pode ser e é usada para verificar-se presenças e ausências (onde estão, o que estão fazendo, quantidade e qualidade do trabalho realizado) e principalmente possibilitar a comparação e adesão às normas e princípios da organização que traduz-se em última instância pelo cumprimento de longas jornadas de trabalho (pressuposto básico do Bradesco).

Bibiografia

DIB, Vitória Catarina, “O paradigma ecológico e a epistemologia transdisciplinar”. São Paulo: Revista da Associação de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo”. v.14. 1998.

FLEURY, Maria Tereza Leme, FISCHER, Rosa Maria. (Coord.) Cultura e Poder nas Organizações. São Paulo: Editora Atlas.1989.

MORGAN, Gareth. Imagens da Organização . Tradução por Cecília Whitaker Bergamini, Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1996. Tradução de: Images of organization.

SANTOS, Neuza Maria Bastos. Impacto da cultura organizacional no desempenho das empresas, conforme mensurado por indicadores contábeis – Um estudo disciplinar. São Paulo: 1992. Tese de Doutoramento apresentada a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Universidade de São Paulo.

Rita de Cássia Guedes é Bacharel em Administração pela Fundação Getúlio Vargas-SP, Pós-Graduada em Administração pela Harvard University e Mestre em Administração pela PUC-SP.