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Venda de Capital Social intersócios

Recentemente escrevi dois intrigantes artigos “Singulares e o envelhecimento de seus bons sócios e líderes” e “Sócios Seniores agitam o tsunami de saques ao Capital Social”, apresentando pontos de atenção frente a potencial fragilidade do Capital Social em muitas Singulares.

Mas uma ideia vem de forma cíclica incinerando minha mente e apreciaria compartilhar com você, pois como diria o primeiro ministro inglês Winston Churchill “Ideias atrevidas são como peça de xadrez, você a oferece ao inimigo, mas pode lhe resultar em xeque-mate”. Vamos à ideia atrevida.

Contextualizando o problema: sabemos que o Capital Social é um dos mais relevantes pilares para o fortalecimento de nosso modelo de negócio e precisamos cada vez mais reforçá-lo. Mas para sermos realistas, precisamos analisá-lo na visão racional de nossos sócios, pois é fato inconteste que faltam atrativos para que nossos sócios tenham interesse real em “aplicar” seus excedentes de liquidez nesse “investimento”. Vejamos estas linhas de raciocínio:

Diante destas exposições de motivos, fica explícito que racionalmente o cliente tende a aplicar suas reservas em Depósito a Prazo, pois receberá um ótimo ganho, terá bônus sem tributação nas Sobras por esta aplicação, sacará quanto quiser, além de ter, em muitos casos, isenção de pacotes tarifários e outras vantagens racionais. Então por que aplicaria em Capital Social? Não encontramos uma resposta racional para isto, e é frágil a alegação de que o cliente aporta recursos em Capital Social por ser um defensor fervoroso do Cooperativismo de Crédito. Tanto que basta ver que os sócios que aportam recursos de forma cíclica no Capital Social não são os clientes investidores e nós sabemos o motivo desta realidade em sua Singular.

Por fim, reafirmamos que só é admissível uma Singular definir que não irá remunerar o Capital Social se ela for uma instituição nova ou estiver atravessando um sério problema de sobrevivência. Caso contrário, deveriam rever sua posição, pois, diretamente está dilapidando o patrimônio individual de seus sócios ao não remunerá-los em 100% da Selic. Bem como, indiretamente não estão sendo transparentes ao explicitarem seus resultados aos seus sócios e sociedade, já que não consta no resultado apresentado o custo de 100% da Selic aos juros ao capital. Também, não raro, vemos de forma descompassada muitas destas Singulares que não remuneram o seu Capital Social (ou não o fazem em 100% da Selic) se comparando, em relação aos resultados, a outras Singulares que o fazem em percentual maior que ela. Reafirmamos que é equivocada a alegação de que Sobras pagariam juros ao capital social, algo que foi detalhadamente demonstrado em nosso artigo de 01/2012 “Capital Social – Sua não correlação com as Sobras”.

Ideia atrevida à Churchill: seguindo os preceitos das S/A que podem ter seu capital em Bolsa de Valores, sugerimos a criação dentro de cada Singular, e depois na Bandeira e futuramente no Brasil, de um mercado secundário de venda e compra de Capital Social. Se a LC 130 de 2009 limita a remuneração a 100% da Selic, nada impede que a Singular crie bonificações estruturadas e atrativas para aqueles Sócios que já tenham integralizado um montante generoso bem superior ao definido estatutariamente como desejado. A Singular apenas registraria o “saque” do excedente por parte de um sócio vendedor e creditaria este montante na conta Capital do comprador. O trâmite financeiro da venda (ágio/deságio/IR…) seria acordado entre as partes.

Inicialmente faríamos apenas circunscrito a uma Singular. Seria algo simples e de fácil administração. Os vendedores de excesso de Capital Social, em conceito, seriam os sócios mais antigos que já integralizaram um respeitável saldo. Por quê? Eles gradualmente passam a perceber que esta parte de seu patrimônio está apenas medianamente gerida, isto se a sua Singular remunerar a 100% da Selic (o que é raro). Também devemos ter em mente que a Singular não pode se comprometer e presentear grandes saldos em Cota Capital com reais e atrativos bônus comerciais, e muito menos se comprometer em respeitar uma política clara, racional e aplicável de saque gradual deste saldo, pois o futuro não nos pertence. Por fim, é expressivo o desconforto destes sócios parceiros, tradicionais e que fizeram aportes significativos por mais de duas décadas de associação, já que passam a enfrentar travas de saques deste “investimento” muito mais austeras das que lhes foram historicamente propostas.

Mercado secundário. Assim, poderíamos prever que haveria a venda de Capital Social por um preço de oportunidade (eventualmente até com pequeno deságio), dependendo dos interesses das partes e dos benefícios que este saldo possa trazer a um sócio (inclusive novo) para que este possa ter acesso a uma política de benefícios comerciais maiores. Por ouro lado, por um período estratégico até a Singular conseguir um bom equilíbrio deste pilar, não seria permitida a compra de Capital Social espontâneo para acessar benefícios comerciais, mas apenas através da transferência para outro sócio dos saldos de um sócio que já esteja acima do teto estatutário do Capital Social.

Algo muito comum em clubes sociais mais requintados de nossas cidades médias e grandes, que definem um teto máximo de sócios, e somente há entrada de um novo sócio se um dos atuais vender seu “título” a um interessado. O valor desta transação? O mercado da oferta e procura irá gerir e definir. E o clube social, para aceitar esta transação, cobra do novo sócio uma “taxa”.

Facilidades normativas: acreditamos que enquanto a negociação for apenas entre sócios de uma mesma Singular, basta o conselho normatizar este processo de transferência e aprovar o conceito na próxima assembleia. Já, caso evolua e nasça um mercado secundário permitindo compra e venda de Capital Social entre sistemas, centrais e Singulares, como ocorre em uma bolsa de valores, haverá necessidade de uma entidade terceira para normatizar e fiscalizar.

Trilha mental: esta proposição pode ser mais facilmente estruturada se adotarmos a prerrogativa contida em nosso artigo “Capital Social Estratégico”. Visando mais efetividade na proposta, poderíamos adotar a regra de que somente são computados para este objetivo estatutário os depósitos mensais definidos em estatuto e os aportes voluntários esporádicos. Portanto, as remunerações do Capital Social e os ganhos com as Sobras não são computados no saldo do Capital para o “atingimento” do Capital Social Estratégico.

Reflexão Final: depois de duas décadas de bonança, viveremos alguns anos economicamente cinzas, e esta pouca liquidez instalada no mercado naturalmente afetará uma boa parcela de nossos sócios, os quais, irão querer acessar a qualquer custo seu Capital Social para fazer frente a seus urgentes e estressantes desencaixes. Algo que não dávamos relevância já que vivíamos em época de bonança e de ótima liquidez, onde os saques anuais de Capital não afetavam nossos pilares.

Precisamos procurar soluções eficazes e criativas para problemas que já afetam nosso modelo de negócio e que perigosamente e sorrateiramente estão sendo postergadas. Nossos líderes não devem esperar que a mesmice que nos doutrinou nestas duas décadas de tranquilidade venha resolver os crescentes e complexos problemas que se avizinham. Seria prudente nos próximos anos não gastarmos demasiado tempo em comemorações, pois estamos em uma batalha ainda não vencida de uma eterna guerra comercial. Em breves cessar fogo, pensemos nesta ideia de termos um mercado de compra e venda de Capital Social intersócios que é um ponto fora da curva.

Por mais que em uma primeira análise possamos julgar esta propositura como descompassada, devemos pensar que, em uma época de estresse (ou não), bastaria apenas facilitar e normatizar como seria a venda deste montante entre os sócios. Isto já permitiria que a Singular se mantivesse robusta e líquida sem a perda seu Capital Social, bem como não precisaria explicar os motivos de não atender as solicitações de desligamento com a devolução integral e rápida do Capital Social.

A nós, seniores e líderes, cabe reinventar a atratividade do Capital Social e criar valor para que ele se mantenha crescente e atrativo. É precipitado julgar racionalmente o mérito desta proposta, mas pensemos como os grandes homens que se cercam de pessoas criativas, conhecedoras da realidade, e com foco na solução, tal qual o fez Winston Churchill.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 13/04/2015