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Uso de smartphone no trabalho para falsas “urgências particulares”

Em recente viagem ao exterior deparei-me com uma cena de falta de segurança que explicita meu desconforto, como veremos a seguir. É cada vez mais frequente vermos, em seu horário de trabalho, policiais e guardas de trânsito teclando seus smartphones, vendo vídeos ou acessando redes sociais. Também já não é raro vermos vigilantes de agências bancárias desatentos a sua função, ao “discretamente” acessarem inúmeras vezes seus smartphones, o que, por lei, nem mesmo os clientes podem fazer. Mas não imaginava que essa desatenção com a segurança estivesse também ocorrendo em um país que, notoriamente é reconhecido pelo rigor na imigração nos aeroportos. Para minha surpresa, o policial alocado diretamente sobre a fila da imigração, com a cabeça baixa e um sorriso maroto nos lábios, deixou passar mais de 50 pessoas sem sequer olhar em seus rostos, de tão entretido que estava em dar vazão às suas “urgências particulares”. Em todos esses casos, esses profissionais desviam de sua função ao usarem de forma acintosa seu smartphone para seu “entretenimento”, durante o horário do serviço. Há algo errado.

Sabemos que é da natureza das coisas, para o bem ou para o mal, algumas delas crescerem sorrateiramente, passando a exigir muito cuidado na sua gestão. O crescimento de alguns desses discretos e “inocentes” fatos podem impactar a perpetuação de um modelo comercial, como pode vir a ser o uso no trabalho do smartphone para “urgências pessoais”. Algumas empresas ainda relaxam esta vigilância deixando livre o acesso do smartphone durante o expediente. Outras o liberam apenas para seus profissionais mais seniores ou com funções especificas.

Um vício chamando smartphone: percebe-se na grande massa da população trabalhadora, que é assustadora a elevação da “dependência” quanto aos serviços “online” de informações particulares “não urgentes”. Basta um leve som ou o vibrar do smartphone e ele passa a ser o foco do profissional que, intuitivamente, o foca, interagindo como se o “novo” assunto apresentado seja tão urgente, quanto o ataque as torres gêmeas em Nova York. Incrivelmente, os acontecimentos pequenos, em especial os mais particulares, ganham urgente notoriedade e extrema relevância no ambiente de trabalho. Em especial quando há pouco serviço ou baixa cobrança de produtividade.

Regras formais de uso: recentemente um banco agiu sobre este problema detectado em seu grande Call Center, ao perceber o impacto na produtividade dos seus profissionais, mesmo sobre aqueles que diziam serem capazes de atender a um cliente enquanto navegavam nas redes sociais e afins. Passou-se a medir dois grupos de estudos: Um não usaria o celular durante o trabalho e o outro teria a liberdade de seu uso. O grupo com acesso ao smartphone  produziu 17% menos que o grupo 100% focado em atender a fila tradicional de clientes, que para lá ligavam. E mais ainda, observou-se que o grupo que não se desconectou da internet pessoal manteve-se ainda mais conectado nos intervalos, pela enormidade de interações desenvolvidas com sua rede particular durante o trabalho. Hoje, para os profissionais dessa função, ficou formalmente decidido que, para casos particulares considerados “não adiáveis” os funcionários podem informar a seus contatos o telefone fixo da chefia imediata, para que esta anote o recado ou mesmo permitam que os funcionários usem seus smartphones que passaram a ser guardados em armários, ou dentro de pastas específicas em suas gavetas. Contudo, é claro que esses equipamentos ficam naturalmente liberados para uso nos intervalos ou no horário de almoço.

Importante: isso foi decidido por uma regra formal interna, e todos sabem que seu descumprimento é passível de advertência ou demissão por justa causa. Algo totalmente legal.

Esta decisão pode parecer agressiva, mas não podemos imaginar que o uso do smartphone no ambiente de trabalho já não está impactando a produtividade e a qualidade de nossos serviços, em especial os esforços comerciais que, indiretamente enfraquecem o projeto de perpetuação da sua instituição. Isto sem computar alguns discretos e perigosos temas de segurança da informação e sigilo bancário. Por fim, é frágil a crença de que, em especial no início do expediente, a grande maioria dos profissionais acessam informações que podem ser úteis ao serviço, salvo para cargos mais estratégicos ou específicos.

Quando não há regras claras sobre o uso do smartphone no ambiente de trabalho, ele tende a ficar discretamente posicionado à altura dos olhos e ganha cada vez mais utilidades, como se fosse um indispensável membro do nosso corpo. Se bem gerido não há dúvidas que isso é verdade. Mas, cuidado! Mesmo que no silencioso, ele nos atrai facilmente para interações ou informações “online”, sendo que a grande maioria delas poderiam ser postergadas ou mesmo descartadas.

O problema está se agravando: é facilmente percebido pelos nossos próprios testemunhos de desatenção à baixa qualidade de atendimento de profissionais que, no momento antes de nos atender, estavam entretidos usando o seu smartphone, seja na recepção do médico, no balcão de entidades públicas etc. Fica notório que assoberbadamente nos dão atenção, como se tivéssemos saído do nada e passássemos a atrapalhar suas “urgências particulares”.

Isto também é constatado quando nos deparamos com o crescimento de multas e mortes no trânsito pelo uso de celular ao dirigir, ou pelo seu uso por pedestres desatentos ao cruzarem vias públicas. Basta ver as impactantes propagandas educativas de trânsito visando coibir o uso de celulares ao dirigir, em especial nas funções que obrigue o usuário a teclar. Isto é algo assustador e que leva as seguradoras a desenvolverem caras campanhas educativas, já que perceberam que dificilmente o motorista que aciona o seguro irá admitir que estava ao celular quando se envolveu em um acidente. Ainda não há teste de “smartphonômetro”.

Reflexão final: passe a perceber se em alguns cenários de sua instituição o uso do smartphone para “urgências particulares” já não está acima do aceitável. Comece a discutir esse tema de forma franca com sua liderança. Verá que já tem casos onde deveria orientar e definir regras formais para que esse problema não se torne um grande motivo de desconforto muito em breve. Postergar esta ação normativa exigirá medidas ainda mais desagradáveis. Sugerimos que em breve envolva as partes interessadas na busca de soluções saudáveis.

Mas, atenção! Devemos individualmente ter atenção ao tema, para que evitemos que, através dos smartphones, nossa vida particular invada sorrateiramente nosso ambiente de trabalho, ganhando uma notoriedade e urgência não compatível com nossos desafios profissionais.

Antes de esperarmos padrões de nossa empresa, é de cada um de nós a responsabilidade na definição de limites para o uso do nosso smartphone em nossa vida profissional.

Sejamos primeiro o exemplo.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Obs: este artigo faz parte de uma série de reflexões que propus a um a grande amigo e coordenador do curso de Administração de uma renomada faculdade nacional, quando este me pediu cinco temas que eu, se fosse professor, desejaria discutir francamente com os alunos que estivessem em vias de se formarem, para que pudessem melhorar em alguns níveis suas maturidades profissionais.  Contudo, desde já, este artigo, mantendo seu mérito, fica livre para uso de outros docentes que desejarem aplicá-lo didaticamente em sua turma.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 12/10/2015