Urgente – Cartório de Registro de Avalistas

Pensem em uma pessoa muito feliz, e multipliquem. Sim, sou eu. Pura alegria. Há uma semana nasceu a minha primeira netinha, e isso ampliou ainda mais meu sentimento de gratidão para com a vida que me faz devedor pelas bênçãos recebidas. Estou eufórico imaginando essa nova vida que se inicia junto aos meus netos. Novos tempos. Novos sonhos. Ainda mais energia para compartilhar.

Imagino que você, assíduo leitor, deva estranhar um início tão suave frente a um título de artigo que pretende ser firme e que almeja apresentar relevantes ponderações sobre o aval que o cotidiano não nos deixa ver. Imagino ainda que deva estar se perguntando: o que será apresentado neste artigo que pode ter correlação com um sentimento tão sublime como o de ser avô? Respondo com uma frase do poeta inglês do século XIX, Alfred Tennyson: “O conhecimento chega, mas a sabedoria demora”. Ouvi essa frase essa semana de um amigo de décadas, que tem a minha idade e por quem nutro elevada estima. Ele a citou quando jantávamos comemorando essa nova fase de minha vida. Assim, com a tranquilidade e sapiência que lhe são familiares, disse que essa frase o ajuda a refletir sobre coisas que nós, jovens da terceira juventude, somos presenteados a pensar quanto mais nos mantemos ativos mentalmente. Disse que tendemos a ficar mais astutos ao analisar cenários com inúmeras variáveis, obtendo correlações que, eventualmente, poderiam passar despercebidas pelos mais jovens, como já o fomos um dia. Hoje, diante do teclado, vejo que o ensinamento de dois séculos é atual: “O conhecimento chega, mas a sabedoria demora”. Mas vamos ao foco do artigo.

Tudo tem Cartório de Registro: Meu genro, de posse da Declaração de Nascido Vivo (DNV) expedida pela maternidade onde nasceu minha neta, na qual continha o local, horário de nascimento e outras informações, a registrou em um cartório, obtendo sua Certidão de Nascimento. Ou seja, tudo que tem valor monetário, societário ou social depende, para sua segurança jurídica, da lavra desse compromisso em cartório. Mas, por que o aval, diferente das demais garantias, não tem seu registro em nenhum “cartório”, ou instituto similar dotado de elevadíssima tecnologia como as fintechs, blockchain etc.?

Garantias têm registros em cartórios e afins? Sim, no caso das garantias reais como imóveis em Cartórios de Registro de Imóveis, penhores em Cartório de Título de Documentos, carros junto ao Detran, de tal sorte que esses “cartórios” não permitem que o bem seja dado em garantia para outro credor, exceto os imobiliários e penhores aceitos em outros graus. Nesses casos, cabe ao credor ponderar a complicação legal, a lentidão do litígio junto ao primeiro grau, e o menor acesso a valores em liquidações contenciosas, caso venha a ser possível. Portanto, em conceito, as garantias reais são relevantes se, e somente se, tivermos a certeza de que o bem dado em garantia está livre de qualquer outra amarra, e formalmente averbado em “cartórios” que possam travá-lo a nós credores até a liquidação saudável da dívida. Como visto, a figura do “cartório” como fiel depositário da restrição (ou não) do bem dado em garantia é que faz com que as instituições financeiras aceitem bens como “garantidores da dívida”.

Superestimação do aval: Ponderemos. Nossas políticas, processos e alguns de nossos analistas de crédito e líderes defendem que é melhor um bom aval do que uma garantia formalmente constituída. Seria mesmo? Recentemente vi um desenho muito bem orquestrado na região de uma Singular, onde se construiu a reputação de um aval, e esse passou a avalizar inúmeros créditos de vulto de um grupo econômico, onde formalmente não constava. Esse aval, nos últimos meses, tinha como corresponsabilidade dezenas de vezes mais compromissos avalizados que seu patrimônio suportava. Conclusão: perda enorme para aqueles agentes financeiros. Se fosse um imóvel, certamente saberíamos através dos apontamentos do cartório local, que este já havia sido dado a outro agente financeiro, e o grau dessa concessão. Contudo, por se tratar de um aval, não há formas de avaliarmos seu grau de alavancagem frente à sua verdadeira liquidez. Isso implica dizer que muitas de nossas Singulares adotam avalistas como boas garantias, sem ter condição técnica de avaliar o grau de alavancagem desses frente ao total de compromisso coadjuvante que assumiram junto às instituições financeiras. Podendo até mesmo, em um cenário de estresse, isso permitiria aceitar avais que já não podem comparecer na liquidação de crédito onde são codevedores, caso haja perda de liquidez desses devedores originais. Não vamos aqui ponderar o agravamento desse risco, pois avalistas precedem de muita afinidade entre as partes, e sendo assim, as partes podem ter a mesma fonte de renda, o que coloca em cheque a desejada liquidez.

Análise simplista da liquidez de um aval: Ao aceitarmos um aval, certamente analisamos seus apontamentos e se há receita/patrimônio para honrar o compromisso assumido pelo sócio devedor no caso desse inadimplir. E, para isso, acessamos suas informações em sites oficiais de pesquisa para verificar eventuais posições tomadas, consultas a birôs de crédito e a riqueza de seu cadastro. Mas se soubéssemos que ele já é avalista de um valor igual ou superior ao seu patrimônio (ou de sua capacidade de gerar riquezas), será que o aceitaríamos como garantia? A resposta certamente seria não. Então, por que aceitamos a garantia aval sem que possamos validar seu grau de alavancagem no mercado como codevedor? Ou seja, diferente de imóveis, safra, veículos…, não temos um “Cartório de Registro de Avalistas” onde a exposição de um cidadão fosse agravada a cada aval que fornecesse, apresentando em tempo real o volume em que sua renda e patrimônio estão comprometidos como codevedores.

Importante: Isso, diretamente, permitiria analisar de forma mais criteriosa um novo crédito a um de nossos sócios que eventualmente seja avalista no mercado. Atualmente, é impossível analisar essa alavancagem, mas se tivéssemos acesso a essas informações, provavelmente negaríamos alguns avalistas, bem como a concessão de crédito a sócios muito alavancados com avais no mercado.

Criaremos um “Cartório de Registro de Avalistas”? Sim, de preferência como uma decisão legal, onde as instituições serão obrigadas a registrar e manter de forma online o compromisso que um cidadão assumiu com o aval. De tal sorte que, em poucos anos, teremos um registro fiel de exposição de todos os cidadãos que decidam ser avalistas, nos permitindo, como instituição, avaliar se o aceitaremos ou não como garantia. Outra opção seria que birôs de crédito, ou mesmo fintechs criadas para esse fim, assumissem o desafio de construir um órgão depositário dessas informações, de modo que as instituições que desejassem acessar tais informações ficassem responsáveis por fornecer e manter atualizada sua base de avalistas nesse “instituto”. Dessa forma, teríamos um novo e confiável “instituto” privado como Serasa, Boa Vista, site Reclame Aqui etc., ou autarquia nos moldes da CVM, SUSEP, CRM, OAB, CREA etc. Recordemos: “O conhecimento chega, mas a sabedoria demora”.

O deficiente monitoramento da qualidade do aval: Devemos refletir sobre como lapidar a qualidade de nossos avais, pois diante de tanta tecnologia não é admissível termos tão poucas informações sobre a qualidade do aval, em especial após a liberação do crédito. Além do aqui exposto, e pela similitude do tema, relembremos o que ponderei em 2016 no artigo: “Os avalistas confessam suas fraquezas”. Eram essas as preocupações à época:

  1. Desconhecemos sistemas, manuais, políticas, processo e função que acompanhem se a qualidade do aval se mantém conforme a verificada quando da liberação do crédito, especialmente quanto à elevação da sua alavancagem como aval, e/ou apontamentos durante o período em que o crédito está vigente, e/ou perda de patrimônio/renda/receita. Ou seja, a liquidez do avalista pode ter sido depauperada até sua insolvência após a liberação do crédito, gerando um risco potencial para nosso crédito, muito maior do que o desejado na liberação;
  2. Não dispomos no mercado de um sistema que nos apresente, em tempo real, em quais créditos, além dos nossos, o coobrigado assina além de avalista (ex. como fiador, ações legais etc.);
  3. Não há hierarquia na aceitação do aval como a existente em graus de hipotecas e penhor, tornando a agilidade no acione legal dessa garantia o diferencial da instituição credora, a qual, por lei, pode inclusive acionar o aval mesmo antes de cobrar o devedor original inadimplente;
  4. Usualmente, os avalistas não são nossos correntistas, o que dificulta analisá-los corretamente e, muito provavelmente, os seus cadastros não são atualizados após 12 meses da concessão do crédito, portanto, não há garantias de que eles ainda mantenham ditas “ótimas qualidades”, como as obtidas como suficientes e analisadas com “rigor” quando da liberação do crédito;
    • As auditorias tendem a validar se o cadastro do aval estava válido na data da liberação do crédito, e não se ele permanece válido durante a vigência do crédito;
    • É hiper complexo, se é que isso é possível, ter processos de atualização efetiva de cadastro de aval e de seu cônjuge;
  5. Nossos contratos não rezam que, caso o cadastro do aval não seja atualizado a cada 12 meses, ou venha a ter apontamento durante o decorrer do respectivo crédito, o devedor terá 15 dias (ex.) para apresentar outro do mesmo quilate. Caso contrário, a dívida será considerada vencida, podendo o aval original ser acionado na data seguinte do decurso desse prazo; etc.

Outras ponderações: Teríamos inúmeras outras ponderações que, indiretamente reforçam a necessidade de termos um “Cartório de Registro de Avalistas”, através de uma solução embarcada em tecnologia de ponta, como:

Obs: Teríamos ainda outras ponderações, como a preferência da Justiça trabalhista sobre hipotecas ou quando a justiça nega a penhora de pequenas propriedades rurais, o bloqueio de posse de alienação fiduciária de bens de empresas em recuperação judicial etc.. Entretanto, as ponderações já descritas no artigo, por si só, colocam em xeque a qualidade das ferramentas atuais que visam registrar um “bem dado em garantia” a um único beneficiário. Assim sendo, essas e outras ponderações ficam para futuros debates, já que aqui estamos apenas diante de um artigo que traz reflexões sem desejar encerrá-las.

Reflexões finais: Nossas políticas, manuais e setores de crédito, bem como nossos líderes e conselheiros, devem refletir sobre o aqui exposto, pois não é prudente acreditar que esse problema é utópico unicamente por ainda não o vivenciarmos explicitamente. Devemos, doravante, buscar formas de validá-lo, a fim de que tenhamos diariamente a certeza de que ele não está dormente ou instalado em nossa Singular (ou Sistema), para então definirmos sua grandeza. Não o fazer, por si só, já questiona a eficácia da política de crédito, das provisões e dos preceitos apregoados pela Governança Corporativa.

O conhecimento chega, mas a sabedoria demora.” Essa frase de duzentos anos atrás me ajudou a entender que podemos ser mais eficazes ao confrontar cenários se nos mantivermos ativos mentalmente, dando à vida seu espaço em nossa história, como a alegria de ser avô aos sessenta. Contudo, acredito que, se eu tivesse apenas conhecimento, sem minha história, não teria como analisar esse tema com a moldura que acredito ter feito. Longe de ser isso sinal de minha sabedoria, talvez, quando muito, apenas o resultado de um pensamento de que há uma forma mais assertiva de conciliar subsídios que, delineados por sensos críticos próprios, identificam o que é realmente raro, simples e relevante quanto à garantia avalista.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 29/07/2019