Um novo foco para o rateio das sobras de 2009

São poucos os aspectos em que as Cooperativas de Crédito se diferenciam dos bancos. Um deles é a participação anual nos lucros ou prejuízos. Deveria ser um processo com forte viés comercial. Contudo não é o que percebo, pois vejo ações de alta previsibilidade, o que não é saudável para a gestão comercial de uma instituição pequena e com tantas peculiaridades.

Perceba como sua singular vem distribuindo suas sobras. Reflita ao final deste texto se não há novas formas de fazê-lo focando os aspectos comerciais descritos neste texto. Senão vejamos:

1ª Ponderação: Tomadores de Crédito

Os clientes tomadores de crédito são imediatistas e ansiosos, portanto não tem expectativas de receber algum benefício depois de vários meses do crédito liberado, bem como não entendem ou percebem este ganho como vantagem. E o pior. Quanto mais tem acesso ao saldo da sua conta capital, mais se “assanham” para sacar esta sua “poupança”, por mais irrisória que seja.

Discrição. Esta é a coisa mais valorizada pelos tomadores de crédito. Depois vêm os limites populares pré-aprovados, generosos e renovados de forma automática e as taxas. Nos bancos onde tem ou provavelmente teve conta corrente (ou nas financeiras) nunca ganhou nada por tomar crédito. Claro. Podemos até ter isto como diferencial, mas que nosso foco maior seja preferencialmente a gestão macro da singular e não premiar sobremaneira quem não precisa ou quem não dá o devido valor. É frágil a argumentação de que o cliente deixará de pegar um crédito massificado na singular, porque sua parte na sobra será menor este ano ou não existirá.

Oriento que há dois rótulos amalgamados no comportamento de nossos clientes de varejo financeiro. Eles serão em sua vida: Tomadores de crédito ou Investidores. Assim, devemos conduzir para que nossos tomadores tenham uma dependência de nossas soluções de crédito, e que acreditem que temos limites, taxas e linhas competitivas. Portanto, não há como perdê-los.

Devemos sempre enfatizar que as taxas praticadas durante o ano foram hiper competitivas e que com este “prêmio” nas sobras, elas se tornam ainda mais competitivas. Deve-se evitar nas AGOs e nos comunicados impressos a ênfase nos percentuais da distribuição. Deve-se sim, de forma eclética e genérica, dizer que serão bonificados aqueles que concentraram na singular suas demandas de crédito, investimentos e serviços e que 100% das sobras serão revertidas nas cotas capitais dos associados. Algo saudável para o fortalecimento e perpetuação da singular.

Atenção: percebo uma desatenção perigosa na distribuição de sobras, ao considerar como juros pagos também àqueles recebidos por estouros de contas ou atrasos de parcelas. São punitivos e assim devem permanecer. Isto ainda se agrava, pois muitas singulares cobram erroneamente baixas taxas de juros pelo excesso de uso de cheque especial e/ou por atraso de parcelas de créditos. Persistindo esta prática de distribuição, estaremos “presenteando” clientes desregrados em detrimentos dos saudáveis. Reforço esta linha raciocínio, ao solicitar atenção em não premiar com sobras, no quesito juros pagos, aqueles que estouraram suas contas mais de “x” vezes no ano e/ou no último dia do ano mantinham parcelas em aberto.

Obs: se sua singular anda distribuindo sobras de forma hiper-generosa aos tomadores de crédito, aconselho reduzir este percentual de forma expressiva (mas não hiper-rápida) evitando assim chamar atenção de alguns poucos que “aprenderam” que este é um “diferencial” a que tem direito. O que é um ledo engano.

2ª Ponderação: Investidores 

Sabemos que os investidores trazem o oxigênio para a singular (funding). Eles são os grandes e mais inteligentes alicerces dos nossos créditos. Portanto, mais que nunca devemos tratá-los com a distinção e dando-lhes o “colo” que desejam e merecem.

Diferente dos tomadores de crédito, os investidores pensam a longo prazo e realmente ficam atentos a composição das receitas advinda de suas “poupanças”. Assim, facilmente entendem que as sobras são um complemento relevante para a remuneração de suas aplicações e dão valor ao receberem nas sobras um prêmio relevante aos seus investimentos. Vejamos. Se aplicarem a 95% do CDI será muito provável que após a AGO recebam com muito grado a explicação que sua aplicação rendeu realmente 127 % do CDI, pois os investidores “na sua cooperativa” são bonificados generosamente nas sobras. Obs: lembremos que a grande maioria das sobras distribuídas sobre a depósito a vista, enquadra a quase totalidade dos aplicadores, portanto eles são duplamente bonificados, haja vista “acreditarem” na singular.

Vale ressaltar que nossos bons investidores são mais assediados pelos concorrentes dos que os nossos bons tomadores. Portanto, distribuir sobras bonificando os investidores é argumentação forte para ganhar bons aplicadores dos bancos comerciais, onde não há tal prerrogativa.

Atenção 01: não sou fã da captação em Poupança pelo cooperativismo de crédito. Ela nos obriga a direcionar seus recursos em crédito rural, algo processualmente caro e nem sempre oportuno, além de ser algo de um varejo muito específico. Lembremos que o cliente quer poupar e não poupança. Portanto um RDC pode ser facilmente vendido como uma excelente opção para a tradicional poupança, além de ter rendimentos diários. E com a distribuição das sobras bonificando sobremaneira o RDC, pode-se argumentar que após as sobras, os rendimentos reais superarão facilmente o da poupança.

Atenção 02: É oportuno lembrar que muitas singulares têm baixo valor em poupança é distribui sobras sobre este saldo. Assim, equivocadamente, se paga um super prêmio a estes poucos poupadores. Seguindo a mesma linha, também não sou adepto de se captar em Fundos de Investimentos, pois não nos permitem emprestar nem um centavo do que captamos, além de alocar a grande parte da captação em outra região do Brasil. Portanto cabe-nos direcionar todo e qualquer recursos a ser investido em RDCs, de preferência de médio e longo prazo, pois este nos permite liberdade para empréstimos, algo determinante para o sucesso da singular.

3ª Ponderação: Depósito a Vista (DPV)

Devemos ponderar como vendemos o DPV a nossos aplicadores. Responda. Onde seus clientes teriam bonificação por saldo em conta corrente? Certo: Em nenhum lugar. Então, reduzir sobremaneira seu peso nas sobras, sem eliminá-lo, não trará grandes impactos.

Mas atenção: em muitas singulares há grandes clientes PJ parceiros como: cooperativa de produção, cooperativas médicas, frigoríficos, hospitais, transportadoras… que transformam seu fluxo de caixa em conta corrente em uma fonte para demonstrar sua “parceria” com a singular. Usam-na como uma moeda de troca, ganhando reduções ou isenção de tarifas, ou mesmo recebendo um forte bônus na distribuição das sobras pelo seu saldo médio em DPV. Se este é seu cenário, veja a coerência de manter o DPV com tanta participação nas sobras, bonificando exageradamente um grupo tão pequeno de “bons” e “grandes” clientes. Obs: Se também forem grandes investidores, este quesito deve ser bem considerado na análise global deste cliente.

Deve-se pedir para estes grandes clientes que realmente concentrem o total de seu fluxo de caixa na sua singular, ou então devemos adotar formas de isentá-los percentualmente em suas de tarifas de cobrança (ex) sempre que se mantiverem um saldo médio acima de R$ X mil. Assim, temos argumentos para irmos reduzindo nossas distribuições de sobras sobre DPV. Como também, passaremos a calcular com total racionalidade técnica, o montante que podemos dar de benefícios financeiros a este grande cliente PJ que concentram conosco seu fluxo de caixa. Lembrando que nenhuma outra instituição financeira premiará este DPV.

Importante: tome cuidado ao considerar como funding (dinheiro para emprestar) o seu saldo médio em depósito a vista, haja vista ele ser realmente volátil, e oscilar na mesma frequência que os recursos estão disponíveis em sua região. Ou seja: sobe o Depósito a Vista quando poucos precisam de crédito, e o inverso é traiçoeiramente verdadeiro. Muito diferente das pequenas oscilações das aplicações em RDCs e da estabilidade do saldo em Capital Social.

4ª Ponderação: Serviços

Os valores recebidos pelos serviços, incluindo os advindos de pacotes de serviços devem ser entendidos como dinheiro 100% líquido para pagar custos fixos e variáveis da singular. Devem permitir buscar o máximo em tecnologia, estrutura, pessoal etc. Portanto, aconselho não considerar os serviços pagos na distribuição das sobras.

5ª Ponderação: Capital Social

Chega de criatividade no desenho de formas “inusitadas” para captar e pagar ao capital social como se fosse um investimento em RDC. Atendamos a Lei Complementar 130 pagando ao capital social até 100% da SELIC, o que é uma ótima remuneração. Reorganizemos nossas ações de remuneração das sobras buscando unicamente harmonizar as inter-relações comerciais entre: RDC, Depósito a Vista e Juros Pagos.

Travando o Capital Social

Há uma urgência em reavaliar a forma de como se deposita as sobras a serem distribuídas. Percebo que muitas singulares não priorizam que a totalidade das sobras sejam integralizadas. Nestas singulares é extremamente fácil resgatar o Capital Social. Lembro que o Capital Social (PL) é o maior alicerce da singular e que seu resgate deve ser dificultado ao máximo. Os valores ali investidos são os mesmo que colocamos em uma empresa que acreditamos, portanto não devem ser facilmente sacados, mesmo em épocas de aparente bonança. Esta é a época certa para se ganhar rapidamente fortes “músculos”.

Acredito que neste ano, a grande maioria das singulares irá apresentar sobras positivas, contudo, a quase totalidade conseguirá apenas 50% das sobras do ano anterior. Assim sendo, é oportuno que o Conselho de Administração aprove que doravante os saques da cota capital só ocorrerão na mesma velocidade em que foram depositados, ou em 8 parcelas semestrais, ou em 8 parcelas semestrais do valor que exceder x mil reais, ou acima de 65 anos, etc. Não se deve permitir que saques de vulto afetem a integridade e/ou competitividade da singular. É muito mais fácil dizer aos associados que o estatuto reza tal regra restritiva para a segurança e competitividade da singular, e que este é um preceito básico da Governança Corporativa, BC… Imagine tentar justificar individualmente o motivo da não liberação do saque das cotas partes. Lembremos de que épocas mais difíceis se aproximam e este “travamento” imediato poderá ser decisivo para a perpetuação da singular.

Saques de sobras em 2009

Após definido qual será o valor líquido a ser rateado nas sobras, percebo que algumas singulares adotam o crédito das sobras diretamente na conta corrente de cada associado. Defendem esta ideia por acreditar que é um diferencial. Alegam que usualmente conseguem reverter mais de 80% destes créditos para as contas capitais, através de um grande esforço no dia que lançam os créditos nas C/Cs dos associados. Brevemente irão perceber que é uma prática desnecessária e temerosa, especialmente em épocas cíclicas de menor riqueza na praça (frustração de safra, desemprego generalizado, crise local…). Lembrem-se quem precisa sempre se capitalizar é a singular e não o associado como indivíduo. Isto é básico.

Conclusão
Acredito que você esteja perguntando. Sim, então qual é sua a sugestão? Primeiro, antes de qualquer conclusão ou ação, apreciaria que analisasse e respeitasse as características e o momento de sua singular. E já aproveito para lhe relembrar que meus textos são meramente orientativos e trazem contrapontos que visam lhe subsidiar em novas reflexões para a valorização de sua carreira e perpetuação de sua singular.

Explicito a seguir minha sugestão para a distribuição das sobras de 2009, mantendo minha assertividade nas redações feitas para você – gestor do cooperativismo de crédito. A saber:

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 11/12/2009