omador de Crédito – Vassalo ou Rei?

Sabemos que muitos gestores de grandes instituições financeiras reconhecem a necessidade de ter cliente tomador de crédito na base, apesar de considerá-lo cidadão de 2ª linha, desregrado, desalinhado socialmente etc. Este pensamento equivocado, mesmo que “oculto”, limita a visão das oportunidades e torna frágil a instituição.

Relembro que em 1996, na primeira edição do meu livro, já definia a importância de distinguir os clientes de instituições financeiras como Investidores ou Tomadores. Reflexão atualmente comum entre muitos profissionais do ramo.

Apesar dos clientes investidores serem pouco na base, concordamos que são parte importante e necessária para o negócio de uma instituição financeira massificada. Assim sendo, os tomadores de crédito são mais representativos, fruto de nossa realidade: País de 3º mundo, forte grau de Informalidade e predominância das classes C e D (sem poupança) etc.

Abaixo irei abordar cinco visões oportunas para o leitor.

1º) O Balanço Contábil não confessa a riqueza dos Tomadores

Observamos com frequência balanços de bancos de varejo massificado demonstrando que os juros ganhos com os financiamentos massificados representam algo entre 20% e 25% do resultado. Mas uma análise mais astuta nos mostra que isto é apenas meia verdade, pois a importância dos tomadores de crédito chega próximo a 70%, se não mais. Vejamos algumas ponderações oportunas.

A maioria dos títulos de capitalização é vendida para os tomadores de crédito, haja vista sua dependência da concessão e manutenção da linha de crédito. Em conceito, o produto capitalização não é nada atrativo para clientes mais esclarecidos (Investidores), pois sua razoabilidade é baixíssima, quando não, nula. Assim, se um banco de varejo massificado teve 8% a 10% de sua receita com produtos de capitalização, então 90% advêm dos tomadores de crédito.

São os tomadores de crédito que compram seguros de baixa atratividade de um banco de varejo massificado (seguros de residência, prestamistas e vida – One-way). Uma análise mais acurada sinalizará que a quase totalidade destas “soluções” são adquiridas por tomadores.

Quem compra seguro de carro em seu banco? Independente de ter financiado o carro em sua instituição, há uma força “oculta” que faz tomador contrata-lo junto a seu banco, mesmo que um pouco mais caro. Uma frase de um gerente experiente a um cliente tomador explica este cenário. O cliente comenta: “O corretor cotou R$ 100,00 a menos”. O gerente astuto responde: “Ótimo, faça com ele, mas não se esqueça de procurá-lo quando necessitar de aumento de limite ou uma linha de crédito”. A reciprocidade é uma coerência comercial e deve ser praticada. Seus maiores clientes de seguros de carro são seus tomadores.

As receitas com taxas e tarifas têm cada vez mais destaque nos balanços dos bancos. Mas quem as paga? Certamente não são os investidores, haja vista usufruírem de as inúmeras políticas de benefícios e isenções. Logo, são os tomadores que fazem frente à quase totalidade desta receita.

As faturas de cartão de crédito tornam-se hiper rentáveis quando são liquidadas com base no mínimo. Certamente só clientes tomadores fazem este processo, o qual é reforçado pela grande maioria de clientes que ainda pagam anuidade.

Por utilizarem tanto este meio de pagamento, seu banco recebe, ainda, um percentual do total das transações, das quais muitas irão permitir que seus clientes lojistas façam rápidos e rentáveis desconto de recebíveis. Novamente observamos a riqueza dos tomadores de crédito.

Só com base nos itens acima, podemos mensurar que mais de 2/3 da rentabilidade líquida de seu banco advém dos tomadores. Só por isto já deveriam ser “tão Reis” quanto os investidores.

2º) Crédito para liquidar vendas de soluções massificadas

Se repararmos com atenção, é enorme o volume de soluções massificadas, de tarifas e taxas que são liquidadas pelo cliente tomador através do uso do seu limite de cheque especial ou de remanejamento de uma linha pré-aprovada para sua C/C.

Estamos falando de dar solvência a toda gama de soluções vendidas pelo banco ao cliente tomador de crédito como: seguros massificados, capitalizações, taxas, tarifas, faturas de cartão, débitos automáticos etc. Em condições normais, a insolvência destes “débitos” resultaria em cancelamento de vendas e/ou em um enorme custo operacional pela cobrança.

Mas há outras vantagens adicionais ao banco diante esta realidade além da “satisfação” do cliente em saber que não há motivos de “preocupação”. A totalidade de seus compromissos será liquidada através de uso de linhas automáticas pré-aprovadas, permitindo receitas nada desprezíveis das tarifas e taxas de juros. Vejamos este exemplo: Uma conta de luz de R$ 100,00, debitada sobre o limite de cheque especial, deixa de ser rentável apenas pelos poucos centavos pagos pela concessionária pública, mas, sim, pelos R$ 8,00 potenciais de juros caso fique devedor por 30 dias (8%a.a.).

Um trabalho interessante para um banco de varejo seria o de monitorar quanto de seus produtos são honrados através de liquidação que “invadem” limites dos clientes.

Aparentemente não há porque não considerar os tomadores também Rei.

3º) Tomadores e Cartões de Crédito

Nos últimos anos é usual ouvirmos que anuidade do cartão de crédito é uma receita com os dias contados, em especial pela grande concorrência. Mas novamente observamos que os clientes que usualmente estão se financiando no cartão de crédito não “percebem” que estão pagando anuidade. Seja pela inclusão de apenas mais uma linha na sua fatura ou pela sua “compreensão” que este é um direito do emissor, haja vista sua parceria em manter ativa esta importante e dinâmica linha de crédito que o mantém socialmente ativo e respeitado.

Pelos aspectos acima, fica evidente que a maioria dos seus clientes que ainda pagam anuidade é de tomadores. Isto confirma que é um equívoco isentar da anuidade a base já tomadora, bem como que, na prática, não se perde clientes tomadores para a concorrência somente por que se cobra anuidade. Por mau serviço, sim.

Devemos ter o cuidado ao acreditar que aquilo que ocorre com nossa vida particular é expressão da realidade do mercado. Assim, apesar de agressivo, os tomadores de crédito no cartão ainda não têm “força” para solicitar a benesse de isenção da anuidade.

4º) Transferência de dívidas

Ainda quanto a crédito massificado, recordemos a transferência de dívidas entre as que o governo regulamentou recentemente. Apesar de esta ser uma prática de sucesso nos mercados financeiros desenvolvidos, aqui os resultados são pífios.

Nos idos de 2000 um grande banco multinacional fez uma enorme campanha para lançar esta “novidade” no Brasil, focando a transferência da dívida do cartão de crédito com redução de taxas. No projeto original, constava a alegação explícita que não teria por que os clientes tomadores de outros bancos não desejarem tal benefício. Novamente resultado insignificante.

Esqueceram de alguns detalhes nunca explicados nas boas faculdades. Somos 1.000 “brasis”, terceiro-mundo, latinos, alta informalidade, forte presença da classe C e D (sem poupança), baixo nível cultural, vestígio da cultura inflacionária, etc. Assim, por alguns anos a taxa de juros não será um diferencial expressivo na decisão.

Ou seja, a teoria por si só não paga a conta. Costumava brincar com meus alunos que se grandes pensadores de mercados maduros, como Kotler ou Maslow abrissem um negócio no varejo brasileiro massificado quebrariam nos primeiros meses, apesar de terem excelentes preceitos acadêmicos de gestão.

5º) Investidor é Base & Tomador é Resultado

Costumo simplificar a necessidade de ter bons e constantes investidores na base de clientes. Uma analogia ao banco seria a da caixa de água residencial. Precisamos ter sempre água limpa e barata no reservatório, mas o sucesso depende da existência de uma base com muita sede e disposta a pagar um sobre preço para antecipar sua cota de água.

Sabemos o grau de discernimento que os clientes investidores têm sobre tarifas e taxas. Estão cada vez mais esclarecidos, pois todos os procuram ofertando sempre vantagens racionais. O atendimento a eles já passa a ser pasteurizado, sem diferencial substancial. Já é usual os verem fazendo leilões de suas contas, o que pode transformar suas contas em centros de custos para o banco pelo excesso de benefícios.

Não podemos imaginar que os bancos de varejos e as demais instituições financeiras chegaram até aqui com lucros fabulosos atuando de forma eficaz. Bastou ser eficiente na época da alta inflação e nos últimos anos, atendendo a demanda hiper reprimida de crédito para obter seus bons resultados diretos e indiretos. O passado recente não é nenhuma garantia de sucesso no futuro breve.

Oriento em meus treinamentos que o 1º tempo do Crédito Massificado foi de 1996 a 2006. O Jogo está 0x0. O segundo tempo começa em 2007. Ser apenas eficiente, ter alta tecnologia e ter um passado brilhante não ganhará este jogo. Este será decido pelos detalhes sutis do nosso varejo, portanto menos teoria e mais “calo no umbigo”, “cheiro de cliente” e “vivência de balcão”.

A tecnologia, “CRM´s” e o conhecimento acadêmico de grandes pensadores do 1º mundo transmitidos nas grandes Universidades são boas trilhas, mas nunca trilhos. Alguns bancos dão extremos destaques a estes tópicos, com baixa destaque a real vivência prática no varejo financeiro. Isto agrava sua perpetuação, apesar de parecer muito coerente pelo sucesso que se obteve quando aplicado sobre uma base até então não saturada.

Por fim, o tomador permite realizar o resultado dos bancos. Há uma “dependência paternal” entre o tomador e o banco. Este cliente sabe instintivamente que deve ter um comportamento subalterno neste relacionamento comercial. Como toda dependência, os valores e “favores” envolvidos não tendem a ser julgados pela razão, mas sim pela utilidade percebida pela parte mais fraca da relação. Sei que muitos podem achar esta redação um tanto quanto radical. Mas não queiramos ser mais realista que o rei, pois a prática mostra nitidamente este cenário e ela está explicitada nos resultados de seu banco.

Conclusão

Poderia citar ao leitor outros exemplos para demonstrar que estamos subfaturando esta importância dos tomadores de crédito, aparentemente por total falta de visão da floresta (realidade) e foco na árvore das rubricas contábeis. Isto sem considerar que desfrutam de um sofrível atendimento e estigma, apesar de terem o maior número de soluções, aderência e longevidade.

Importante: Como há uma forte aderência destes clientes tomadores a seu banco, não continue buscando crescer sua base de forma alucinada sem antes fazer com maestria sua lição de casa. Que é: Cuidar muito bem da sua base, não trocando joias por semijoias, mas demitindo clientes “tranqueiras”. Entenda as sutilezas da sua base, antes que seu concorrente descubra como fazer por você.

Quanto mais rápido for desenvolvida a cultura em seu banco que o Tomador de Crédito também é Rei, mais seu banco se ajustará à realidade do varejo brasileiro e mais consistente será a longevidade de sua instituição. Avalie os critérios utilizados pelo seu banco para definir os “bons” clientes no processo de “segmentação”.

(se desejar veja o texto Segmentação de Clientes PF: Arma ou desarma? em meu site).

Há dezenas de outros tópicos que dizem respeito a crédito massificado e que influenciam diretamente a eficácia de sua gestão. Mas acredito que o conteúdo acima, já lhe permite boas reflexões.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 14/11/2007