Teoria da amante – Bom atendimento custa caro

Há mais de três décadas neste mercado, sempre me deparo com uma equação que vive sendo ressuscitada, mas que nunca fecha, seja pela passividade do denominador, ou pela astúcia do numerador. Estou falando da qualidade do atendimento humano que uma instituição financeira deveria dar a seus clientes, incluindo aqui as Cooperativas de Crédito (CC).

Os estudiosos orientam que uma relação a dois deve ser rediscutida diuturnamente. Por que não deveríamos fazê-lo na esfera comercial? Lembre-se, a concorrência será o combustível desta saudável discussão, e poderá somar ou subtrair dependendo de quanto capacitado você está. Ter um associado em sua CC é um tratado de razoabilidade para ambos. Se for para apenas um dos lados, não é parceria, é engodo. Contudo, é oportuno persuadir os mais jovens (de idade ou de vivência no segmento) a não fazer pesquisa sobre o grau de expectativa dos clientes com o atendimento. 100% atestarão que querem um ótimo atendimento, 24 horas por dia, a um custo próximo de zero ou gratuito, além de mais isto e mais aquilo. Portanto vamos ser razoáveis e traçar correlações relevantes que suportem uma política de atendimento consistente e duradoura.

Teoria da Amante
Conta o conhecimento popular que um (a) amante custa muito mais caro que uma relação estável, contudo, tem predicativos de atendimentos muito diferenciados da concorrência original, seja por sua “informalidade”, seu mistério ou pelo ar de conquista diária que a emoldura. Em meus treinamentos comento que a: Teoria da amante tem tanto ou mais a ensinar que um bom livro de administração.

A cultura popular diz que a (o) amante entrega sempre e aos poucos. Não comenta desgraças. Só liga para contar coisas boas, Sempre lhe agrada. O elogia carinhosamente assuntos a seu respeito, que para os outros é um problema. Estes e inúmeros outros predicativos da (o) amante poderiam ser adotados com extremo sucesso por todos aqueles que vendem serviços, como é o caso das CC.

Com este lúdico cenário explico a importância da atenção e do atendimento, mas deixo claro que este bom serviço tem um alto preço, e que não há garantia de que será eterno, pois: Relacionamento comercial é uma paga justa por um tempo justo.

O leitor pode estar confuso e/ou com dificuldade em correlacionar a: Teoria da Amante com a perenidade de sua CC. Pois bem. Sabemos que é do quadro diretivo da cooperativa a decisão estratégica quanto a qualidade de atendimento a seus cooperados. Eles podem simplesmente manter o discurso que todos os “associados” devem ser tratados muito bem e no mesmo nível de qualidade e preço, pois são todos “donos”. Contudo, isto não é coerente com a realidade mercadológica. A sua CC não é uma ilha em um mar de instituições financeiras. Ela é mercado.

Em muitas instituições financeiras desatentas, percebemos alguns “clientes” conseguindo facilmente serem mais “espertos” que os outros. Buscam só fazer na CC os que lhes é: coerente (só possível fazer na CC, passar cheque sem fundo, etc.); lucrativo (aplicações bem remuneradas, crédito fácil/bonificado, tarifas pífias, cobrança de títulos baratíssima, participação nas sobras…) e oportuno (atendimento de qualidade a um valor irrisório). Assim, os demais “donos”, ditos não espertos, pagarão a conta. Algo comercialmente incoerente e insustentável no médio prazo.

Bom atendimento custa caro
Não tentemos responder ou muito menos padronizar o que seja um serviço de qualidade, pois ele é uma consequência de cenário e de atitudes humanas. O que devemos buscar é uma razoabilidade na proporção direta do preço pago. Reflita: Em algum lugar do mundo você pagará uma diária de um hotel uma estrela e terá atendimento de cinco estrelas? Reflexões: Por que facilmente divulgamos que temos atendimento de cinco estrelas? Será que não estamos invertendo os valores, julgando nós mesmos nossa qualidade? Será que nossos serviços não estão próximos de duas estrelas e cobramos por uma estrela? Será que o que o mercado rentável chama de bom atendimento é o mesmo “buffet” de soluções que entregamos? Nossos profissionais, sistemas, rede, nossa estrutura patrimonial entre outros aspectos são realmente parâmetros competitivos ou podemos melhorar? Independente do que pensemos – O mercado é soberano.

Assim sendo, o quadro diretivo deve entender que: Bom atendimento custa caro e que não há mágica no rateio dos custos. Então, por que não estruturar uma forma de atendimento onde a qualidade seja uma correlação direta do grau individual de aderência do cooperado à singular, de tal sorte que quanto mais aderência menos pagará. Ou então, se ele desejar um bom atendimento e não tiver real aderência de produtos e serviços, pagará um “pedágio” para ser bem atendido. Cuidado: ao usar a expressão “Dono”! Dono verdadeiro reinveste, cuida, zela, divulga, participa… Não dilapida.

Parece óbvio e até simples resolver esta questão. Mas não é. É algo complexo, pois demanda uma extrema astúcia na sua definição e ação, e ainda deverá alinhar a qualidade do atendimento a: tarifas; pacotes de tarifas, capacitação humana; segmentação, e outros inúmeros assuntos correlatos. Este tema é muito demandado em minhas consultorias, e pela sua complexidade o tratarei em outro texto.

Apenas adianto que a não cobrança pura e simples de tarifa é um “risco” desnecessário. Assim, qualquer ação fora da trilha comercial aqui proposta é uma inversão incoerente de valores comerciais e o mercado capitalista não perdoará. As singulares devem se ajustar a este mercado, e concomitante, buscar o melhor para seus parceiros, sem nunca trabalhar de “graça/barato”. E sim buscar oferecer algo “competitivo”, tendo como base seus concorrentes diretos, e não suas crenças e inferências.

Sim, cabe aos dirigentes buscarem resultados, competitividade e “remunerar” os “donos” da CC com eficácia. Contudo, estamos esquecendo do que seja “remunerar” para uma grande parte dos cooperados. Parece-me que ninguém abriu C/C em sua CC para buscar freneticamente sobras. Buscam ser “remunerados” no seu dia-a-dia com tarifas/taxas competitivas e com soluções/serviço simples e eficazes. Isto sim é uma forma imbatível de qualificar seus serviços e de “REMUNERAR”.

Rateio não pode ser algo compensatório
Atender todos da mesma forma e a um mesmo preço penaliza os mais desinformados e/ou dependentes, beneficiando os mais “espertos”. E olha que são muitos e estão espreitando estas oportunidades. Na prática, algo 100% fora do preceito cooperativista. Dizer que isto não está ocorrendo na sua cooperativa, pode ser raridade. Devemos também ter o cuidado de não acreditar que no “Rateio anual na AGO …” esta discrepância será suavizada ou mesmo resolvida. Ocorre que a coerência da distribuição em uma AGO e seu “time” tende a não agregar valor aos propósitos e percepções de valor de uma classe de “donos” rentável e crescente – os tomadores de crédito.

Seria oportuno rever o discurso de que o “Rateio na AGO” é um fortíssimo diferencial competitivo frente aos “bancos comerciais”. Percebo, na prática, que podemos ter o efeito negativo se as sobras não evoluírem ou mesmo não existirem. Prejuízo é algo dificilmente sustentado, em especial na sua reincidência. Atenção: o dia-a-dia comercial do cooperado é algo muito mais perceptivo e coerente.

Só vendemos serviços
Por fim, devemos perceber que uma CC apenas presta serviços e que não há produtos. Tudo nela é promessa – é intangível. Ou seja, em tudo há uma dependência enorme da qualificação humana. Resumidamente, o diferencial está em criar um clima de atendimento diferenciado para cooperados realmente rentáveis, para que se sintam como “amantes”, mesmo que indiretamente paguem um “pedágio” por esta distinção. O relacionamento “amante” será algo inesquecível tanto para o cliente e para a CC. Tudo na vida é saudável se for uma parceria ganha-ganha. Se uma das partes for ou se fizer de boba, a outra parte irá se beneficiar. Isto para qualquer entidade, como o cooperativismo de crédito, é como tirar o pão da boca do irmão. Fujamos dos “espertos”. Só trazem energia negativa.

Conclusão
Foco no comercial. Esta é a lição de casa. Os dirigentes devem primeiro buscar a sobrevivência de sua CC. O que adiantará ter uma casta de cliente e colaboradores com preceitos decorados, se a singular não sobreviver ao mercado. O mercado dará relevância apenas ao que possa trazer resultados comerciais substanciais à perenidade do negócio. Assim sendo, vamos suavizar a relevância dos preceitos “competitivos” do CC, em especial o mito “social” de que: “todos são iguais porque são donos”. Este e alguns outros preceitos, se aplicados na íntegra, inviabilizam qualquer negócio real. Somente após estarmos em voo de cruzeiro – fortalecidos – é que poderemos ser eficazes na catequização dos preceitos cooperativista de crédito. Criança insegura, não aprende.

Mesmo a tartaruga só sobrevive e avança ao colocar a cabeça para fora. Sejamos proativos.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 11/09/2008