Taxa de Juros por grau de relacionamento (TaxRel)

Apresentação do tema

É bem provável que você já tenha ouvido histórias, algumas hilárias, visando demonstrar que podemos estar adotando atitudes que eram corretas quando foram definidas, mas que passaram a ser incoerentes após a mudança macro do cenário.  Mas o que esta introdução tem a ver com as Cooperativas de Crédito (CC)?  A resposta passa pela correta contextualização do ambiente comercial das CC, trazendo-as para o cenário real onde competem com as demais das instituições financeiras massificadas. Neste macroambiente, fica obrigatório comparar suas soluções, em especial as de crédito, com as ofertadas pelos seus concorrentes diretos – Bancos de varejo massificado.

Além de admitirmos este real cenário, devemos também reconhecer que todos nós somos seres seletivos – inclusive nossos clientes. Queremos sempre ter opções, escolher e decidir entre duas ou mais oportunidades. Assim, por mais que queiramos acreditar que nossos associados sejam cooperativistas inveterados, suas decisões por crédito sempre terão um alto teor de racionalidade, provavelmente comparando a solução da sua CC com o mercado.

Diante deste contexto, pretendo demonstrar neste artigo formas criativas e racionais de criar um cenário favorável as CC, com as quais venho trabalhando a mais de cinco anos apresentando formas práticas de superação e perpetuação, seja em consultorias, treinamentos e palestras.

É hora de rever dogmas

Há alguns dogmas nos discursos cooperativistas que tem sua amplitude maior do que recomenda a boa prática comercial. O ser humano tende a acreditar naquilo que repete com extrema frequência, mesmo que seja meia verdade. Artifício comum de muitas igrejas para acentuar suas mensagens. Assim, este ritual permite que facilmente caiamos no equivoco de considerar nossas repetidas “frases de efeito” como verdades incontestáveis (dogmas). Isto nos faz refratários a novas visões, pois “temos” convicções “plenas” de “nossas verdades”.

No cooperativismo de crédito há um dogma que se mostra equivocado quando analisado comercialmente. Aquele que apregoa que todos os associados são iguais em direitos e deveres. Discordo. Apregoo que alguns clientes sejam “mais iguais” do que outros, da mesma forma que você também quer ser tratado em sua vida social e comercial. Percebo que a manutenção deste equívoco (todos iguais), já coloca em cheque este modelo de negócio, pois tende a não observar preceitos e a dinâmica de um saudável relacionamento comercial.

Neste texto, de forma macro e breve, relaciono argumentos relevantes para seus subsídios e reflexões. Contudo, seria aconselhável embasar ainda mais minhas ponderações baseando-as em inúmeras realidades vividas, mas o presente texto tem um claro objetivo pontual.

Contextualização de cenário para acato da proposta

A proposta do texto é apresentar uma forma fácil e simples de atender quesitos básicos para o início de uma política consistente de relacionamento comercial de um associado com sua CC. Assim, antes de avançar na proposta maior deste texto, recomendo minimizar o impacto sobre as CC oriundo das recentes leis sobre tarifas e pacotes de serviços. Tema este que tratei exaustivamente em texto já distribuído e postado em meu site. Relembro que nele pedia extrema atenção das CC, evitando equívocos comerciais quanto a tarifas e pacote de serviços, pois serem algo ainda novo para a grande maioria delas e ensejar extrema astúcia na sua condução.

Quanto aos bancos. Percebo que muitos deles equivocam-se em preceitos básicos relativos a gestão das suas taxas de juros massificados. Em especial por ainda não entenderem completamente variáveis subjetivas importantíssimas desta demanda: sutileza, astúcia, dependência paternal, sangue latino… . Neste texto demonstro como este ponto frágil dos bancos pode ser facilmente utilizado pelas CC como um coerente diferencial competitivo.

Taxa de Juros por Grau de Relacionamento (TaxRel)

Faço esta proposta, pois será um excelente paliativo para as CC, enquanto não desenvolvem um programa de relacionamento/benefícios realmente coerente e estruturado, onde ficará clara a razoabilidade na determinação dos “bônus”, como sendo uma função direta do grau de relacionamento do cliente com sua CC.

Diante das ponderações acima e da minha nova proposição de que a igualdade dos associados seja preceito e não direito, aconselho levar para aprovação em assembleia esta proposição: Criação da Taxa de juros por grau de relacionamento – TaxRel. A TaxRel define que todas as linhas de crédito massificado passam a ter uma taxa máxima e mínima, a qual será atingida quanto maior for o grau de relacionamento do associado com a CC. Aprovada em assembleia, passa a ter força de lei interna e aplicável a 100% do quadro de associados. Após, as CC devem definir a melhor forma de divulgar e transformar a TaxRel em algo realmente coerente e desejado pelos clientes. A TaxRel é um diferencial racional ao associado, baseado unicamente no seu grau de relacionamento com a CC. Algo simples que explicita critérios quantitativos do tripé: LongevidadeAderência e Adimplência.

Atualmente sua CC adota uma taxa de 3,3% a.m. (ex.) para todos que tomarem uma linha “X” de crédito massificado. Com a TaxRel a taxa máxima desta linha passaria a 3,7% a.m. e a mínima 2,8% a.m. Esta diferença percentual de 0,9% a.m. (3,7 – 2,8) seria a bonificação máxima possível aos excelentes clientes. Mas como os clientes podem acessar este bônus?  Simples: Imaginemos que o 0,9% a.m. seja dividido por sua CC em três partes iguais:

  1. 0,3% a.mpara Longevidade: A cada ano na cooperativa ele tenha 0,20% deste bônus (0,3% / 20% = 0,06% de Bônus p/ cada ano), até contemplar 100% após cinco anos, onde passa a receber o bônus completo deste item (0,3% a.m. neste caso);
  2. 0,3% a.m.para Aderência: A cada um dos produtos e serviços listados em uma tabela publicada, o cliente terá 20% deste bônus por cada item demandado, até chegar a 100% deste bônus ao estar demandando, no mínimo cinco destes itens;
  3. 0,3% a.m.para Adimplência: Se o cliente não passou nenhum cheque sem fundo nos últimos dois anos, terá 50% deste bônus, e mais 50% se não atrasou prestações neste mesmo período. Se a taxa de juros estima uma inadimplência, aqui ela é tratada.

A proposta da Taxa por Relacionamento – TaxRel é oportuna, simples e coerente com o relacionamento do cliente e seu risco. Contudo, não discordo que a elevação da taxa hoje praticada para uma taxa Máxima, provavelmente acima deste patamar, pode ser algo novo a divulgar. Mas o relevante é divulgar o conceito que está por traz da TaxRel. Nela a taxa mínima é facilmente obtida e será uma premiação àqueles que realmente têm aderência, longevidade e adimplência com sua CC. Hoje, é recorrente vermos uma CC dando taxas de juros iguais para dois clientes: um realmente com altíssimo relacionamento a CC, outro “cooperado” a 2 meses e só tomando crédito. Certamente o benefício da taxa baixa dada aos dois associados está distorcido, favorecendo ter muitos clientes oportunistas (“taxeiros” ou “quebrados”), que usam a CC como financeira e não estão empenhados na sua perpetuação.

A alegação de que a taxa máxima será muito maior que a atualmente praticada é algo numericamente razoável, mas ao explicar o coerente conceito da TaxRel, facilmente a novidade será entendida e promovida a um novo e coerente benefício, alinhado aos princípios cooperativos. Nesta mesma linha de encontrar argumentos para desestabilizar a TaxRel, escutar-se-á que a CC não dispõe de sistema para tal acompanhamento. Basta um mínimo de boa vontade e as informações necessárias serão acessadas, mesmo quando da elaboração do processo e análise do crédito. As CC precisam sim se diferenciar dos bancos, mas com ações e soluções simples e racionais, em especial aquelas que possam ser facilmente “cacarejadas”.

Três assuntos correlatos – breves comentários

Há três assuntos que ensejam textos específicos que devo enviar ainda neste primeiro semestre. Contudo, por se relacionarem parcialmente com o tema deste texto, decidi fazer breves reflexões que lhe permitirá análises quanto a suas procedências e, quem sabe, já não adote medidas para contorná-los.

1º) Taxa competitiva, e não baixa

É recorrente em meus trabalhos junto as CC a alegação de que adotam taxas hiper baixas e que quase não cobram tarifas. Aqui moram dois graves riscos comerciais. O primeiro é que tomadores de crédito avaliam inúmeras outras variáveis, tão ou mais relevantes que a própria taxa de juros. O segundo é que o discurso de que não cobram tarifas ou o fazem de forma “barata/gratuita” já não se suporta há anos, haja vista estar comprovada a dependência real das instituições financeiras massificadas desta fonte de receita. Alerto que o segredo reside em administrar as taxas e tarifas para que sejam entendidas como competitivas e razoáveis e não “barata/gratuita”.

2º) Aval em 100% dos créditos

As CC têm ainda uma tendência a pedir aval em créditos em que o risco está extremamente diluído, seja pelo capital social do associado, seja pela eficaz adimplência obtida nos últimos anos, ou por ser uma renovação em valor e período menores de um crédito pago religiosamente em dia, etc. Algo pedante, e que agride a totalidade de seus tomadores ao forçá-los a sempre pedir um “favor pessoal” a seus “avalistas”. Algo já não tão em linha com as boas práticas comerciais. Também muito distante da liberação total de garantias que estes mesmos clientes têm ao acessarem generosas e dinâmicas linhas em seus bancos comerciais.

3º) Taxa pública e não em contrato

Os bancos de varejo adotam a prática de postar em local público “discreto” de suas agências, uma tabela contendo as taxas de juros praticadas no mês corrente em seus créditos mais populares, inclusive as do cheque especial. O contrato firmado com o cliente explicita esta forma de correção (anuncio), inclusive para as demais linhas de crédito massificado à disposição do cliente. A condução deste tema em nada estressou o relacionamento junto aos clientes, pois sempre foram favorecidos pela redução das taxas (queda da Selic). Ao incluírem de forma explicita em seus contratos, as CC causam sérios desconfortos junto a sua base quando optam por elevar estas taxas de juros. Há outros aspectos menos nobres, mais interessantes neste cenário, como: As CC tornam-se refém da majoração somente na renovação do contrato; A logística de buscar a assinatura do associado, no caso de taxas mais altas, pode custar caro, não encontrar o associado, ou mesmo ser “esquecida” pelo gestor pelo estresse que pode ocasionar; etc.

Conclusão: diariamente me surpreendo com as novas análises subjetivas que faço sobre temas afins a taxas de juros e tarifas bancárias. Quanto mais estudo e me aprofundo nestes temas, mais percebo que a solução é o uso saudável da subjetividade, da astúcia e em especial respeito e coerência com o modo de pensar de cada microgrupo de brasileiros.

Um grande leitor de meus textos, e também um belo crítico, questionou-me, por que, na condição de consultor, divulgo gratuitamente alguns de meus pontos de vista, estes com reflexões e estratégias úteis para quem está na gestão do dia-a-dia das CC. Para respondê-lo, fiz uma correlação com meus 20 anos como professor universitário, onde aprendi que ensinar é compartilhar, e que tem força aquele que dissemina informação.

Assim sendo, ao compartilhar minhas reflexões com você e outros profissionais do CC, espero estar realmente ajudando a perpetuação deste belo modelo de negócio. Contudo, continuo diuturnamente a estudar seus aspectos comerciais e sociais, pois isto determinará o meu grau de assertividade de minhas futuras orientações profissionais, seja em consultorias, treinamentos, seminários e palestras.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 15/03/2008