Sr. Custo: um ardiloso e implacável sócio das Singulares

Há tempos acompanho os crescentes movimentos de contenção dos custos por parte dos grandes bancos, onde trabalhei por 28 anos. E, no primeiro dia útil do ano, para minha surpresa, tive a certeza de que já tratam esse tema como algo racional e corriqueiro. Após quase duas décadas de trabalho em um grande banco, minha esposa foi demitida, junto com um grupo de colegas. Fato que não causará transtornos a nós, e espero o mesmo para seus colegas.

Mas, a pergunta que fica é: como nossas Singulares tratam o tema “custo”, em especial em seus planejamentos estratégicos? Ele foi um tema de amplas discussões ou, como tendemos a fazer, focou-se em modismos acadêmicos, empacotando magistralmente temas menos ácidos como: indicadores, crescimento da base, vendas cruzadas, elevação de receitas, premiações, elevação de ativos, redução de provisão, novas agências, governança, Sobras, Reservas, entre outros?

É importante ressaltar que a grande maioria de nossas Singulares atravessou uma década de razoável crescimento, e agora passa por um período de expansão da sua área de ação, com foco em novos públicos, tendo de lidar com maiores provisões, fusões intempestivas, novos e complexos controles, maiores e mais caras estruturas internas e em centrais, bancos e confederações etc. Ou seja, a elevação dos custos vem ocorrendo de forma muito mais acentuada do que a geração de caixa para absorvê-los. E isso se acumula ano após ano, gerando um problema de difícil solução.

Este breve artigo apresenta de forma ampla o tema “custo”, para que, diante dessa visibilidade, se instigue nossos líderes a debruçarem-se sobre ele para entendê-lo ainda mais e, assim, geri-lo. Até porque é equivocado acreditar que a recente rota de crescimento de uma Singular é um inequívoco atestado de um futuro esplendoroso.

Letargia frente aos custos: É fato que nossa margem de ganho é uma das mais altas do mercado capitalista e que desfrutamos ainda de algumas benesses fiscais frente a nossos concorrentes diretos. Também é fato que até pouco tempo tínhamos alta liquidez, uma Selic favorável, lidávamos com nichos comerciais conhecidos e tínhamos como sócios só “amigos” que conviviam na sua circunscrita região de origem. Sem esquecer de que nesse período a mão de obra era amigável e conhecida e as ampliações físicas eram feitas na proximidade da agência sede, fatos esses que ajudavam a gerir com mais conforto a Singular. E, para fechar esse cenário favorável, tínhamos poucas incorporações, um Governo que por mais de uma década foi favorável ao nosso modelo de negócio, que regulamentou a Livre Admissão em 2003 e, seis anos depois, a nossa Lei Complementar 130. Diante de tantos fatos positivos e dos crescentes números apresentados pelas Singulares, é compreensível que não se desejasse que um tema tão ardiloso como “custos” viesse a tomar conta da cena.

Surge o Sr. Custo: Ele surge usualmente em duas circunstância. Na redução de resultados ou diante do rápido crescimento orgânico e de resultados sobre novas praças e novos nichos, que obriga a adoção de novos controles para atender às dinâmicas e numerosas observâncias legais, com destaque para a Governança. Mas isso demanda uma velocidade na expansão orgânica acima do projetado, uma alta majoração na folha de pagamento, uma elevação não desejada na provisão, o surgimento de processos redundantes e de centralizações cada vez mais onerosas etc.

Convivendo com o Sr. Custo: Não temos dúvida de que esse é um tema desconfortável, seja pela sua natureza ou porque não temos uma clara cultura para esse convívio, o que naturalmente implica em que adotemos uma gestão mais complacente. E, nesse cenário, alguns temas surgem e escondem as verdades que o Sr. Custo teima em nos apresentar, entre as quais destacamos a notoriedade que as provisões vem ganhando ano após ano. Assim, para suavizar esse impacto nas receitas, adotam-se metas comerciais e ações diretivas cada vez mais agressivas na busca de resultados. Como exemplo, a criação e forte correção dos preços dos pacotes de serviços, majoração “agressiva” de taxas e tarifas frente aos preceitos do Cooperativismo, ampliação de limites e prazos dos créditos, implementação do Seguro Prestamista à revelia dos sócios, implementação de “caros” créditos pré-aprovados e ampliação da base de sócios sem a devida atenção em saturar saudavelmente a base pré-existente de sócios. E a tudo isso ainda soma-se o fato de ser frágil ou inexistente a gestão sobre a perda dos sócios.

Nesse conturbado cenário de busca de mais receitas, gradualmente surge o segmento empresarial como sendo um rico nicho a ser desbravado, e que, em uma primeira análise, cativa a quase totalidade das Singulares. Contudo, com o passar do tempo ele se demonstra complexo para nossas instituições que não tinham o conhecimento histórico para lidar com esse intricado ramo.

Diante disso, ações para a redução de custos aparentemente não são adotadas, mas, sim, ações para evoluir as receitas ao ponto de manter-se a evolução histórica dos números que sinalizam pujança. Como exemplo, majoração de tarifas e taxas, critérios confusos e nada eficazes do que seja um sócio ativo comercialmente ou focos excessivos na venda de soluções de terceiros, ou ainda a redução ou eliminação da remuneração do Capital Social, revisão das estratégias de alocar recursos em Reserva ou na distribuição das Sobras, entre outras tantas. Como se vê, o Sr. Custo ainda não sentou-se à mesa do Conselho de Administração e a DIREX para ser tratado com a devida relevância, e as soluções adotadas tendem a ser paliativas. E isso, por hora, mascara o problema.

Por fim, devemos ter cuidado ao adotar medidas aparentemente simples para reduzir custos, como as que eventualmente algumas de nossas instituições possam vir a adotar unilateralmente. Como exemplo, não mais enviar faturas, extratos, posições, convocações, relatórios etc. pelos Correios. É uma decisão operacionalmente fácil, única e de ganhos efetivos, mas, no afã de elevar seus resultados, acaba por não observar que esse tema deveria ser conduzido com mais zelo, gerando gradualmente em nós, sócios, a sensação de que cada vez mais a nossa oferta de relacionamento se parece com a dos bancos. Cabe aqui ressaltar que na condução deste ou outro tema não deve prevalecer nossas preferências/habilidades pessoais. Devemos atender ao desejo de nossos melhores clientes, caso contrário, estaremos pasteurizando nosso relacionamento como os ofertados pelos bancos, que cada vez mais se tornam frágeis, inconstantes e intempestivos.

A difícil arte de gerir o Sr. Custo: É muito provável que o nosso elástico de receita já esteja muito tensionado, não restando ações fáceis para elevá-la, como majorar tarifas e taxas ou elevar com qualidade a base de sócios. Além do que, o tema gestão do custo é delicado em uma instituição que não o tinha explícito em seu DNA. Nesse caso, ele não é muito bem visto em um discurso de AGO, sucessão, diretoria, motivação, fusão etc., pois sinaliza que as “coisas” não vão tão bem assim. Vale destacar algo que já vivi em bancos de primeira linha como profissional de vendas, que é o fato de que, quando a “chefia” falava em redução de custos, passava um sinal muito desconfortável a nós, guerreiros comerciais à época. Pois, como se sabe, nesse cenário nada saudável, as metas tendem a ser confusas e mal direcionadas, fazendo com que os profissionais, em especial os da área comercial, convivam com muita desinformação e com reiteradas demissões de grupos de bons funcionários, que são desligados em ciclos desconexos e por motivos que não compreendem.
Esse cenário fica ainda mais complexo quando o quadro funcional fica estressado diante dos impactos de uma gestão efetiva pelo custo e com discursos fervorosos de austeridade, mas que, ao mesmo tempo, a instituição mantém as regalias da liderança ou mantém despesas com ações “institucionais” que não condizem com a austeridade, como: patrocínios ecléticos e de eficácia duvidosa, pomposas convenções e/ou pré-assembleias/AGO, imobilizações desnecessárias, fusões não oportunas, questionáveis aberturas/reformas de agências etc.

Só quem vive ou viveu “na ponta” sabe como é angustiante essa sensação de que algo está errado e que pouco ou nada se pode fazer para reverter esse clima hostil. Nesse contexto negativo, o “patrão” terá de se esforçar muito para gradualmente ir passando sinais de que um novo ciclo positivo surgiu, e, assim, ir recuperando a confiança e a autoestima no seu quadro funcional. E, nesse interim, enquanto durar a percepção nos funcionários de que há algo “estranho” acontecendo, nossos líderes irão vivenciar que, numa crise como a aqui descrita, esses guerreiros ouvirão, mas não darão o devido crédito a discursos inflamados ou treinamentos que foquem que: “somos um time”, “vocês são líderes”, “foco na superação”, entre outros. Esses discursos só encontram guarida na bonança, e uma gestão mais austera focada em custo exige uma complexa liderança, a qual, inclusive, não pode relegar a astúcia e perspicácia do seu quadro funcional.

Outro tópico que dificulta a gestão do custo é como identificá-lo, e como priorizar, envolver e divulgar seus esforços, pois facilmente será distorcida a leitura pelos vários grupos afetados, o que será agravado se formalmente esses envolvidos souberem que alguns projetos foram suspensos, que agências serão fechadas, que demissões irão ocorrer ou mesmo já ocorreram, que fusões desfavoráveis estão em curso, que tradicionais patrocínios foram cancelados etc.

Finalizando, há um grande complicador na gestão do custo por parte das Singulares que é o custo crescente que mensalmente se têm com entidades terceiras que lhes prestam serviço de forma mandatória, e sobre as quais há pouco controle em relação a sua efetiva gestão.

Sr. Custo nos vê diferente dos bancos: Como costumo dizer, o Mercado é soberano e não podemos ser mais realista do que o rei. Podemos ter um modelo de negócio que as maiores entidades nacionais e mundiais aplaudem pelo seu forte pendão social, mas se não formos realistas e competitivos, não teremos plateia para contar nossa história. Se não, vejamos: o Bradesco, após analisar o custo/retorno/potencial, decidiu fechar 10% das suas agências em 2020 (300 agências). Mas se observa que, as matérias na mídia se limitam a divulgar o fato dele estar fechando centenas de agências, sem qualquer menção sobre uma eventual queda de solidez desse grande banco. Isso, pois, o mercado sabe da sua forte solidez, e que ele simplesmente está fazendo algo que é normal, competitivo, e esperado por seus sócios majoritários.

Já para o Cooperativismo de Crédito, esse mesmo cenário é estranhamente interpretado de forma distinta, talvez pela estrutura e recorrente discurso de que não somos um banco. Se não, vejamos: muitas Singulares estão abrindo muitas agências nos últimos anos e se uma delas, ou outra qualquer, vier a fechar uma única agência que seja, o mercado e seus pares cooperativistas de crédito irão identificar um sinal de “desconforto” na instituição, mesmo que isso não proceda. Fica a pergunta: como podemos reverter esse equivocado julgamento, já que, muito em breve, iremos fechar muitas agências, seja em função do avanço da concorrência digital, da automação de nossos processos, da digitalização de nossos sócios e é claro, indiretamente, para mitigar os efeitos dos custos em nosso negócio? Pensemos.

Reflexões Finais: Nosso modelo de negócio é um dos mais complexos do mercado e seus custos podem tornar proibitiva a perenidade de muitas Singulares. Além da lição de casa das Singulares para melhor gerir seus custos, não devemos esquecer de que, rapidamente, mesmo que pela dor ou por imposição legal, precisamos eliminar eficazmente as redundâncias de custos em estruturas acima da Singular. Aproveito para comentar que esse tema está ficando jocoso pela recorrência de mais de uma década com que é apresentado em grandes eventos do Cooperativismo de Crédito, ou assim sinalizado pelo regulador.

Por fim, sair automatizando tudo ou cortando os custos de forma intempestiva é a forma mais fácil de agravar esse problema, mesmo que contabilmente surjam alguns benefícios no curto prazo.

O sábio Sr. Custo saiu da dispensa e sentou-se no sofá da nossa sala. É prudente escutarmos com muita atenção o que ele tem para nos dizer.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 07/01/2020