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Sorteios – uma complexa e caríssima solução para o Capital Social

Há temas que por mais que nos debrucemos sobre eles imaginando tê-los entendido, sempre surgem das cinzas nos premiando com novas abordagens, as quais colocam em xeque nossa análise original, ou corroboram com nossa crença nos dando novos subsídios. Um desses temas sobre o qual eu acreditava ter entendimento definitivo voltou à cena com uma nova e clara abordagem há duas semanas durante nosso “2º Workshop de Planejamento e Metas” realizado com dezenas de executivos do Cooperativismo de Crédito, na cidade de Curitiba.

Ao mediar a discussão desse Workshop buscando maneiras eficazes de definir o crescimento do Capital Social no Planejamento e Metas, um executivo de uma grande Singular compartilhou com a plateia que há anos adota com sucesso a ação de atrelar aportes ao Capital Social ao sorteio de um carro e várias motos, a serem entregues durante a AGO. Observei pela reação da plateia que outros também a adotavam. Após ouvir todas as explanações de motivos que justificariam esta ação, comentei que, apesar dessa prática estar sendo adotada há mais de uma década, ela teria vários pontos de atenção que passei a enumerar, tal qual consta em artigo postado em 22/09/2011. Mas, no clamor dos debates, veio à tona uma nova abordagem que até então não era de domínio da classe, mas que poderia dar um novo e forte argumento quanto aos riscos da ação de buscar novos aportes de Capital Social atrelando-os ao “Sorteio”. Neste artigo vamos rever alguns desses antigos preceitos e contextualizar este intrigante tema para que o analisemos com mais critérios.

Relembrando o artigo sobre o uso do “Sorteio” para alavancar o Capital Social: esse antigo artigo versa sobre a relevância do Capital Social para a perpetuação da Singular, mas destaca o fato de que era inglório encontrar 5% ou mais de sócios que espontaneamente procurassem a Singular para aportar corriqueiramente Capital Social. Isso, pois, seguindo a crença de alguns, a quase totalidade dos sócios deveria estar imbuída da missão de fomentar o Capital Social com foco na promoção da pujança e perenidade da sua instituição, já que nela através de seus votos apoia as estratégias, elege a liderança, participar nos ganhos etc. Na prática, vemos a inexistência de aportes espontâneos, o que demonstra que há um enorme desafio a ser superado pelos responsáveis na catequização quanto ao comportamento desejado destes “donos” e em relação a como eles devem se portar no apoio a divulgação em seu meio social de nossas vantagens aos sócios e a sociedade.

Na sequência desse antigo artigo, eu desenvolvi a ideia de que, por inúmeros outros fatores racionais, era de se esperar naturalmente que, veríamos cada vez mais nossos usuários se comportando como Clientes e não como Sócios, em especial quanto à visão destes frente ao Capital Social da Singular. Descrevi, por exemplo, que não existe a figura de Capital Social nos bancos de varejo onde a grande maioria de nossos clientes mantém relacionamento, o que complica seu correto entendimento. Esse fato é ainda mais grave, pois não há garantias de que haverá remuneração digna para esses aportes, ou mesmo garantias de que eles irão ocorrer. Também mencionei que não é racional aportar recursos em Capital Social, já que não há ganhos nas Sobras, como ocorre com o Depósito a Prazo. Finalizei as argumentações, comentando que o sócio normal imagina que, quando desejar sair da sociedade, terá ágil liquidez de “seu” Capital Social. Algo complexo e pouco provável, ainda mais diante de um cenário econômico estressante.

Didaticamente, em um ponto da redação desse intrigante artigo, visando impactar o leitor, adotei o termo “Rifa”, grafado entre aspas para explicitar “Sorteio” como sendo o centro de enormes esforços que algumas Singulares realizam para aportar mais Capital Social. Ação que lhes permite alavancar os ganhos de sua carteira de empréstimo ou até mesmo atender de forma ainda mais generosa as eventuais demandas creditícias de sua entidade mantenedora (Cooperativa de Produção/Médica, Associação Classistas etc). Na prática, adotam-se campanhas com “Sorteios” para aportes de Capital Social, dando o direito no final do ano ou na próxima AGO para que o sócio possa concorrer a um carro zero e a motos (por ex.), com chances proporcionais a cada “x” reais que “compre” de Capital Social.

Importantíssimo: alertava ainda nesse antigo artigo que essas ações de “Sorteio” esquecem inexplicavelmente dos sócios antigos que já internalizaram valores expressivos desde a fundação. A meu ver, são frágeis os argumentos que possam vir a tentar defender esse “esquecimento”. Pensando como sociedade comercial, é uma enorme injustiça com aqueles que trouxeram a instituição até os dias de hoje, que já têm ótimos saldos em Capital Social e que, além dos ganhos tradicionais dados a todos sócios, podem nunca ter participado de “Sorteios”, mesmo tendo aportado a quase totalidade do Capital Social da Singular.

A importante reflexão não contida no artigo original: Como visto na introdução, durante o recente grande evento de nossa Consultoria, tivemos a oportunidade de, junto com os presentes, colocar mais alguns tijolos nos antigos argumentos que constavam em nosso antigo artigo que tratávamos do uso do “Sorteio” como ferramenta de “compra” de novos aportes de Capital Social. Após o evento, voltei a ordenar meus pensamentos sobre esse tema, pois percebi que haveria outros fortes indícios da existência de novos descompassos quanto ao uso destes “Sorteios”. Essa nova abordagem difere das anteriores, pois agora apresenta seu negativo impacto financeiro, o qual usualmente não é apresentado no plano de viabilidade dessa ação promocional. Senão vejamos:

O custo financeiro da compra de Capital Social via “Sorteio”: imaginemos que uma Singular adote esta prática de “incentivo” para elevar o Capital Social e tenha como meta captar neste ano R$ 2.000.000,00, com um custo de premiação aos sócios de R$ 200.000,00, de premiação aos funcionários de R$ 25.000,00 e de processo, controle e divulgação de R$ 25.000,00, perfazendo um custo total de R$ 250.000,00. Tendo essa campanha 100% de sucesso, teremos então uma captação de Capital Social de R$ 2.000.000,00 e um custo direto no caixa de R$ 250.000,00. Ou seja, neste cenário, a Singular teve um custo financeiro real nesta captação de 12,5% a.a..

Mas, imaginemos que essa Singular remunera o Capital Social a 100% da Selic, ou seja, estes R$ 2.000.000,00 receberão neste ano 14% a.a. de ganho. E isso somado aos 12,5% a.a. do custo do “Sorteio”, temos um custo anual para esta captação de 26,5% a.a.. Algo elevadíssimo, impensado e até pouco defensável, ainda mais se a Singular estiver com excesso de liquidez nos últimos tempos! Já que ela estaria pagando por este recurso 26,5% a.a. e o aplicando a 14% a.a., em média, na centralização financeira. Percebamos: houve realmente um custo financeiro expressivo na “compra” desses R$ 2.000.000,00, mesmo que essa Singular não pague juros ao Capital. Esse custo, muito dificilmente será explicitado nos tradicionais planos de viabilidade dessa ação promocional, e sua adoção tende a tornar mais complexa suas novas aprovações.

Sabemos que o custo elevadíssimo de captar R$ 2.000.000,00 sobrecarrega o primeiro ano, e que nos próximos anos este custo será igual a remuneração definida para o Capital Social de sua Singular, podendo ser “zero” se ela não o remunerar. Mas atenção! Relembro algo recorrente em muitos de nossos artigos: Será cada vez maior o desafio de remunerar dignamente o Capital Social até o limite da Selic, mas a sua não remuneração coloca em xeque os preceitos do nosso modelo de negócio de primeiramente remunerar de forma digna e legal os detentores do Capital Social, e somente depois disto, passar a analisar os bônus dos usuários de nossas soluções. Isso, sempre sendo norteado pela parcimônia, prudência comercial e sustentabilidade da instituição.

Mas é motivo de reflexão a viabilidade de uma instituição financeira que não consegue remunerar dignamente seus sócios, que em nosso caso, por sorte, está limitada à taxa Selic.

Por fim, devemos também observar que, se persistir por anos a fio esta ação de “Sorteio” para a elevação do Capital Social, devemos ter em conta que ela realmente acumulará sérios predicativos que a desabonarão, como os acima expostos e outros ainda como, por exemplo, a poluição das ações de merchandising que deveriam focar em ambientar o ponto de venda para verdadeiros negócios, o fato do ganhador do grande prêmio possa estar inadimplente ou sem aderência etc.

Reflexão Final: repensemos a ação comercial de “Sorteio” para “Compra” de Capital Social para que não tiremos a atenção da força de venda das verdadeiras obviedades comerciais que devem ser perseguidas, já que são elas que realmente têm potencial para conduzir a Singular a uma geração eficaz de riqueza e funding com foco na sua perpetuação. Isto sem nunca se esquecer de buscar ganhos diretos a seus sócios e ganhos indiretos a seus usuários de soluções e também a sociedade onde compete. No passado, o “Sorteio” pode ter sido uma ótima solução, em especial antes da LC 130/09, quando o Capital Social era o dono das Sobras. Acreditamos que atualmente há formas mais serenas e perenes de crescer o funding a baixo custo e/ou edificar o PR da Singular.

A ação por “Sorteio” não coaduna com os ótimos esforços de aculturar nossos sócios quanto aos preceitos que norteiam nossa entidade cooperativista, muito menos nos esforços em apresentar nossos racionais diferenciais quanto aos ganhos pelo uso de nossas soluções. Se partirmos da crença de que nossos sócios acreditam que são muitíssimo mais sócios do que meros clientes, não precisaríamos do artifício de “Sorteios” para que invistam no Capital Social da empresa onde são donos, podem votar sobre temas estratégicos, podem escolher seus líderes etc.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 04/11/2015