O mercado é soberano. Com esta frase encerrei uma recente palestra para cooperativistas de crédito onde abordei o tema: Os desafios para o nosso crescimento. Abordei entre outros desafios, a nossa dificuldade comercial em competir em ambientes mais urbanos, que rotulei como sendo mercado de cidade com mais de cinquenta mil habitantes ou mesmo menores, mas que estejam localizadas até trinta quilômetros de uma cidade polo. Afirmei que, com base nos parâmetros de nossa consultoria, são raríssimas as reais histórias de sucesso nestes mercados. Destaquei que a sobrevivência de Singulares (ou de suas agências) em cidades maiores tendem a ter forte dependência de uma grande cooperativa de produção, nichos profissionais ou associações comerciais. Apesar de ser uma afirmação forte, fiquei confortável ao ver a concordância da plateia.

Diante desta constatação, é urgente que definamos transparentes hipóteses que nos permitam analisar e agir na reversão deste quadro. Sugerimos inicialmente as seguintes hipóteses:

  1. O mercado financeiro massificado está hipermaduro nestas cidades maiores e seus melhores cidadãos têm uma enorme oferta e já optaram, há anos, por um banco de sua preferência;
  2. Estes bons cidadãos foram aculturados em um cenário de extrema concorrência, racionalidade e de escassez de tempo, e neste contexto estressante e mercantilista é pouco provável que estejam interessados em nossos diferenciais sociais.
  3. Esta população mais cosmopolita não imagina que poderia haver uma solução mais racional que seu banco de varejo. Além do que, mesmo com nossos discursos de sermos melhores e diferentes das demais instituições, não há dúvida que no cotidiano racional de um centro urbano somos ainda mais parecidos com as soluções destes concorrentes, seja pelas tarifas, taxas, filas, disposição das agências, atendimento, sites etc. Assim, se não conseguirmos atraí-los com constantes vantagens racionais, fica difícil obter tempo para demonstrar os melhores ganhos com Sobras, Iof… . O atendimento de qualidade que acreditamos ofertar precisa ser revisto nestes centros urbanos, onde é notório o enfraquecimento da figura do gerente de conta em detrimento do avanço generalizado da tecnologia.
  4. Os bancos de varejo adotam estratégias comerciais para dar um bom atendimento para seus melhores e mais rentáveis clientes, e cobram muito bem por esta distinção, mesmo que indiretamente. Ocorre que tentamos dar um atendimento diferenciado equivocadamente para toda a base e não apenas para nossos melhores clientes, sob a alegação que assim está definido nas prerrogativas sociais de nosso modelo. Tempo não se estoca. Um grave erro comercial.
  5. A equipe de venda alocada nas unidades de bancos de varejo em grandes centros urbanos são originárias da mesma cultura social e competitiva que alicerça os bancos de varejo. Sabem que, ao final, seus empregadores são matrículas que devem produzir de forma intensa para se manter empregados. Certamente um extremo, mas o meio termo é plausível e deve ser a meta.
  6. O jargão fidelização que já é frágil em cidades menores, é inexpressivo nas cidades maiores por estas serem ecléticas e maduras comercialmente. A fidelização se sucumbe frente ao crescente e racional egoísmo desta população e a enorme gama de ofertas e informações a sua disposição. Neste cenário hipercompetitivo prevalece apenas o Relacionamento ComercialUma paga justa por um tempo justo, algo que se rompe sem emoção. Portanto, o discurso mais social do cooperativismo tem cada vez menor receptividade em centros maiores. Um sinal claro que precisamos rever nossas estratégias comerciais e o discurso frente à gradual evolução do nível de informação e a busca de praticidade dos clientes de cidades maiores. Atenção: Devemos ficar atentos pois este cenário já impregna as cidades menores onde atuamos.
  7. Os líderes das Singulares são pessoas de elevada relevância nas pequenas cidades onde competem ou nos nichos societários onde a Singular nasceu. Contudo, são apenas pessoas de bem em cidades maiores onde desejam levar sua Singular para competir no varejo financeiro. E como muito provavelmente desconhecem os valores subjetivos daquela sociedade, em especial a astúcia comercial e política daquele mercado, tendem a incorrer no erro de praticar neste ardiloso mercado as mesmas ações de sucesso adotadas em suas pequenas cidades ou nichos de origens. Este equívoco estratégico faz com que atraíam apenas os clientes espertos de plantão e não os clientes de alta aderência e rentabilidade e baixo risco.
  8. Na primeira edição de meu livro Repensando Banco de Varejo, publicado há 20 anos, tratei do fato de cada cidade ser um micro mundo e que esta identidade foi criada com base na raça e credo de seus fundadores, suas ondas de riquezas rurais ou comerciais, sua concentração em poucas famílias, a história das lideranças políticas e dos atuais e antigos gerentes, as metas destas unidades, da fama para o bem ou mal que a instituição criou na região etc. Esta realidade não se aplica na íntegra aos grandes centros, pois quanto mais a população for cosmopolita, mas individual, egoísta e imediatista serão nossos clientes, e estes cada vez mais vivenciarão a pasteurização das ofertas dos concorrentes, tornando-os sem diferenciais. Assim, há pouco espaço para a história ou valores que norteiam o fortalecimento daquela sociedade, portanto quanto mais maduro for o mercado, mais racional deve ser nossa proposta comercial.
  9. Cidades menores tendem a ter uma qualidade de vida excelente para os participantes das famílias mais tradicionais, mas apenas discreta para as mais humildes em função das poucas oportunidades de quebrar esta barreira. Contudo, esta realidade de um cotidiano de pouco estresse em cidades menores imprime um mesmo ritmo de gestão que aquele ditado pela criação de riqueza nesta sociedade, a qual tende a ser oriunda do agronegócio. Portanto segue um pouco do compasso da natureza e não do estresse diário do homem urbano das cidades maiores. Esta diferença cultural quanto ao “time” e o “estresse” dos acontecimentos deve ser entendida antes da expansão da área para cidades mais cosmopolitas.
  10. Observa-se que ao crescer sua área de ação, seja por incorporação ou efetiva pujança comercial, há uma tendência de obter apenas discretas performance comerciais nestas novas áreas ou exposição a elevados riscos. Algo que há anos optamos por rotular como Teoria dos Tentáculos do Polvo. Quanto mais longe estiver uma agência da sede, ou mais distinto for o modelo mercadológico desta agência quando comparado ao da origem da Singular, menos os líderes seniores conhecerão este mercado e menos sentirão suas variações comerciais e políticas. E por não conseguirem se atualizar e entender a astúcia deste distante e novo mercado, o qual tende a ter praças vizinhas ainda mais distintas da cultura comercial da sede, terão dificuldade em entendê-lo e a irão gerir e acompanhar estas distantes agências por variações percentuais de indicadores e saldos.
  11. As unidades mais distantes da sede são as menos visitadas pelos gestores seniores e executivos da Singular, culminado em baixo apoio comercial e político. Esta constatação é algo relevante pois é grande a tendência desta unidade estar competindo em um mercado distinto da origem da Singular, além de ter uma vizinhança desconhecida (cidades, estado, concorrentes diretos, negócios, culturas etc.). Este fato já se verifica em muitas Singulares que ao crescerem organicamente ou por fusões, tendem a ser ineficazes nas pontas de seus tentáculos, mesmo que no início desta ação adotem medidas numéricas para justificar sua pujança. Afirmamos que elevações percentuais nos indicadores são algo esperado, pois anteriormente estas unidades tendiam a ter um pífio desempenho ou mesmo nem existiam. Portanto, pequenas elevações de números são percentuais generosos, mas não testemunhos de  eficácia comercial.
  12. Em um mercado tão competitivo como os urbanos, é oportuno relembrar uma frase de um artigo que escrevi há sete anos e que na época causou desconfortos em alguns de nossos líderes, os quais hoje muitos são nossos clientes ou assíduos leitores de nossos artigos. Escrevi: Devemos primeiro trazer o cliente para dentro e mostrar que nossos benefícios racionais são melhores que os dos bancos, e que, se der tempo deveríamos tentar catequizá-los no cooperativismo de crédito. Encerrava este parágrafo mencionando um ensinamento de minha querida mãe ao comentar a qualidade da educação pública: “Criança com fome não aprende”. Ou seja, precisamos ser e demonstrar aos clientes que somos racionalmente melhores que os bancos, em serviços e ganhos. Só assim obteremos sua atenção para tentar catequizá-los. Algo fora desta linha tende a ser uma ação inócua, apesar da bela plástica.
  13. O termo Cooperativa de Crédito advém do cooperativismo. Apesar de termos certeza da sua força de conceito, nos grandes centros esta proposta social e comercial não encontra eco, seja pela eventual história de sobressaltos negativos de algum modelo do cooperativismo na região ou pelo fato de ser uma proposta nova e de cunho também social para a qual precisaríamos de tempo para o explicarmos. Sabemos que o varejo financeiro é centenário e que nossa pujança comercial fora dos grandes centros é de apenas uma década. Assim, não será fácil entrar nestes maduros mercados que são habitados por cidadãos desconfiados, interesseiros, “egoístas”, sem tempo, com muitas opções, já atendidos por competitivos e ardilosos concorrentes etc.

Reflexões Finais: temos cada vez mais convicção de que é raro encontrar uma Singular que tenha feito sua lição de casa sobre o mercado circunscrito a sua área de ação, e que seus números evolutivos de Sobras, ativos, agências e sócios são grandes quando comparados a si mesma, mas tendem a ser apenas discretos frente a seu mercado original. Aconselhamos a releitura de um dos nossos mais importantes artigos escrito há alguns anos: Sobra Real – a única verdade aceita pelo mercado.

Assim, deveríamos primeiro buscar sermos 100% eficazes comercialmente em nossas áreas de ação ou nichos originais, algo que ainda levará bons anos para ocorrer. Portanto, com uma sólida presença em nossas praças de origem (ou nicho) ficaria muito difícil os bancos de varejo terem êxito em seus agressivos e inesperados ataques comerciais sobre nosso mercado. Após termos uma posição comercial de sucesso e bem defendida, teríamos real fôlego para iniciarmos sutis planos de ações  para avançar em novas praças onde os bancos de varejo são líderes.

Poderíamos começar por avançar em praças com perfil urbano mais simples e de tamanho não muito maior que a maior cidade onde já atuamos com eficácia comercial e política. Mas sem estardalhaço de mídia ou ostentar belas e bem localizadas agências. Lá devemos ser discretos para termos tempo para comer o mercado pelas bordas, sem acordarmos os gigantes. Senão, irão novamente nos presentear com seus piores clientes e agir para nos minar ainda no ninho.

Pela nossa história e habilidades acreditamos que a mais eficaz estratégica comercial e política para o crescimento do cooperativismo de crédito seria primeiro ser imbatível em sua área de ação, preferencialmente em cidades que tenham a economia focada no mesmo modelo de negócio da entidade mantenedora (cooperativa de produção, associação comercial, nichos profissionais…), desde que nestas praças esta entidade apoiadora seja eficaz politicamente e comercialmente.

Vamos primeiro ganhar músculos para defender muito bem nossas atuais posições políticas e comerciais, haja vista sermos ainda pequenos para voos tão altos como conquistar estes territórios ecléticos e cosmopolitas, já dominados pelos agressivos e atentos bancos de varejo massificados.

Relembrando: Não há mercado para todos. Se for bom, muitos competirão. O mercado é soberano.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 18/08/2013