Singular – Reservas no banco dos réus

Nossos sócios estão cada vez mais informados e urbanizados. Nas cidades maiores onde atuamos já percebemos o efeito da crescente competitividade. Algo natural nas grandes e frias metrópoles. Percebemos que o cooperativismo de crédito tem grande dificuldade em competir em cidades com mais de duzentos mil habitantes, ou naquelas próximas destes grandes centros, em especial quando somos de livre admissão. Tema do artigo: Singulares e a nossa baixa eficácia nos centros urbanos.

É indiscutível que cada vez mais estaremos diante de clientes racionais, os quais precisam perceber que há reais ganhos em nosso modelo de negócio acima dos bancos. Só assim, nos darão tempo para apresentarmos a totalidade de nossos diferenciais. Desta forma, após esta lua de mel, decidem se irão concentrar conosco suas demandas comerciais.

Diante deste cenário, se quisermos nos manter competitivos, devemos admitir que nossos bons clientes visam primeiramente sobreviver e crescer de forma “egoísta” como cidadãos, e somente após obterem sucesso nesta dura empreitada, terão saúde mental e força econômica para decidirem se desejam ou não fomentar o desenvolvimento social da região onde vive. Resumidamente: Os cidadãos urbanos, que se tornam nossos sócios, primeiramente procuraram crescer em seus desafios familiares e profissionais, e para isto irão desejar ganhos racionais e crescentes de sua Singular. Neste contexto, irão cobrar cada vez mais generosas distribuições de Sobras pelo uso das nossas soluções. Lembrando que há uma pasteurização nas precificações das nossas soluções financeiras, frente às quais, em muitos casos, ainda não somos tão competitivos como os bancos.

Imaginando que tenhamos soluções, estrutura, qualidade e rede na mesma proporção dos concorrentes, deveríamos então cumprir a promessa de distribuir uma boa parte dos ganhos para nossos melhores usuários, diferenciando-nos dos bancos concorrentes. Mas por que será que não cumprimos esta promessa? Imaginamos cinco pontos de atenção.

1º Ponto de Atenção – Pouca eficácia comercial: É frágil a alegação que não há necessidade de robustas Sobras, pois já foram entregues os benefícios comerciais durante o ano anterior a AGO. Muitas Singulares precisam amadurecer suas habilidades comerciais, em especial rever suas estratégias visando definir de forma mais incisivas suas metas. Percebe-se que muitas ainda não absorveram a complexidade dos inúmeros interesses frente aos seus resultados comerciais, e este será um aprendizado a ser perseguido brevemente pelos líderes das Singulares, em especial reciclando atitudes corriqueiras rotuladas de verdades inequívocas ou melhores práticas.

2º Ponto de Atenção – Remuneração do Capital Social até 100% da Selic: Após a LC 130/09 devemos distribuir Sobras apenas pelo uso de nossas soluções e nos limitarmos a remunerar o Capital Social até 100% da Selic. Relembramos que muitas Singulares ainda não remuneram o seu Capital Social, ou o fazem em percentual abaixo de 100% da Selic. Nestes casos, elas não podem ser comparadas com co-irmãs tecnicamente mais coerentes comercialmente que já o remuneram a Selic cheia. Ao não remunerá-lo, não se corrige o potencial de compra e ganhos do investimento de nossos verdadeiros “donos” – nossos sócios. Neste caso, este valor devido aos “donos” é entregue indevidamente na AGO aos usuários das soluções, aos quais podem ter irrisórios capitais.

Os líderes das Singulares devem perseguir a todo custo à remuneração em 100% da Selic, pois é incoerente não o considerar na sua estrutura de capital, algo não prudencial frente aos preceitos da Governança. Este ônus deve ser diretamente imputado aos usuários das soluções da nossa instituição, aos quais não podemos esquecer são beneficiados diretamente pelas Sobras e pela reduzida tributação. Sempre é bom ressaltar que ser sócio e ser usuário das soluções são dois interesses e cenários distintos, mesmo que um mesmo sócio esteja nestas duas pontas (usuário das soluções e sócio de capital).

3º Ponto de Atenção – FATES consome Sobras: Usualmente muitas Singulares destinam o mínimo legal de 5% das Sobras para o FATES. O restante do FATES será composto pelos atos não cooperativos. Em condição normal, a baixa destinação do FATES não afeta de forma significativa o volume das Sobras a distribuir. Contudo, vale ressaltar que o balizador do FATES é o volume das Sobras. Portanto, se esta for pequena, será pífio o valor destinado ao FATES. Já se as Sobras forem substanciais, teremos um FATES de igual magnitude, o qual será acrescido pelo ato não cooperativo. E nestes casos – atos não cooperativos – devemos cuidar para não sermos extremamente “criativos” na destinação destes enormes saldos, como já se vê em algumas Singulares.

4º Ponto de Atenção – Destinação para as Reservas acima do coerente: Destinar muitos recursos nas Reservas sem pagar 100% da Selic é algo questionável frente à Governança, além de comercialmente pouco defensável junto aos “donos”. Percebemos que em algumas Singulares, a destinação para as Reservas ficam percentualmente acima do conceitualmente desejado, mesmo naquelas onde se remunera o capital social pelo teto legal. Algo já descrito em vários artigos que rezam sobre as inaptas correlações entre: Sobras, FATES, Reserva e Juros ao Capital, o qual foi um dos temas de nosso Fórum de Líderes do Cooperativismo de Credito realizado com 50 executivos em 03/2014. Mas de forma breve, acreditamos que antes de julgar se é muito ou pouco o percentual das Sobras a ser destinado para as Reserva, devemos analisar se o Capital Social foi remunerado 100% da Selic. Estando este item atendido, devemos analisar se as Sobras historicamente distribuídas seguem uma lógica crescente que corrige este ganho acima da Selic. Se sim, devemos passar a analisar se as Sobras crescentes são em um volume que permita explicitar reais e atrativos ganhos para nossos usuários de nossas soluções.

5º Ponto de Atenção – Volume das Sobras: Uma Sobra medianamente relevante a ser distribuída entre os usuários de nossas soluções, não permite afirmar que teremos um valor eficaz para destinar as Reserva, seja qual for o percentual desta destinação, em especial o mínimo legal de 10% das Sobras pelos seus inúmeros vícios de origem. Pois, devemos sempre observar se este crédito anual na conta de Reserva é o suficiente para corrigir em 100% da Selic o saldo anterior.

Não devemos nos esquecer que as Sobras são o nosso maior diferencial comercial frente aos bancos concorrentes, e em seguida vem nossa menor tributação. É mister sermos eficazes na gestão e destinação das Sobras aos sócios que concentram suas demandas de soluções financeiras conosco.

Reflexão final: Seremos impingidos a cada vez mais entrar em centros urbanos e conviver com sócios cada vez mais esclarecidos e exigentes comercialmente. Sobras relevantes e eficazmente distribuídas serão nosso passaporte para o sucesso e crescimento nestes grandes centros.

Sabemos que as Reservas são um grande balizar do Patrimônio de Referência, e permitem um funding a custo zero, que deveriam balizar créditos de longo prazo frente à Governança. Mas o cobertor é curto. Se subirmos as Reservas, reduzimos as Sobras, e repassaremos menores ganhos reais aos sócios usuários de nossas soluções. Mas o cenário fica mais impactante, para o bem ou para o mal, se imaginarmos a destinação das Reservas em elevado percentual frente a uma robusta Sobra. Aconselhamos a releitura do nosso artigo: Engenharia Reversa das Sobras.

É sabido que os juros ao Capital e as Reservas são duas grandes e ágeis válvulas que nos permitem gerir dinamicamente as Sobras a serem levadas para a distribuição nas nossas AGO. Assim sendo, precisamos ser astutos ao balancear o volume a ser destinado a Reservas, pois, apesar de sua grande utilidade, vêem-se destinações elevadíssimas para as Reservas quando da AGO, minando nosso maior diferencial competitivo: Sobras a distribuir aos nossos usuários.

A gestão da Reserva deve ser conduzida em consonância com a perpetuação da Singular e os interesses dos “donos”, que desejam e merecem ganhos líquidos crescentes.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 27/09/2014