Singular – Provisão – uma inteligente poupança a ser reinventada

Grandes instituições financeiras já descobriram as virtudes das provisões, seja como alegação para praticarem juros elevadíssimos, reterem ganhos para o futuro, pagar menor participação nos resultados ou usar suas prerrogativas em inúmeras outras legais faculdades contábeis e comerciais.

Mas, olhando tecnicamente para as provisões, veremos que elas têm a mesma função dos airbags em nossos carros. Foram inteligentemente projetados para nossa proteção, contudo, são percebidos como “custo” e, por isso, devemos ficar atentos para não fazer uso deles. Se acionados protegem nossa perenidade, mas sempre destruindo parte do bem material. Assim, ao ligar nosso carro, já pagamos esses itens de segurança e, dependendo de nossa cautela e dos demais motoristas, podemos nunca precisar acioná-los. Ou seja, a provisão é assim como o airbag. Algo de análise complexa, mas indubitavelmente de resultado positivo. A provisão é legalmente definida para absorver impactos previsíveis e tem a função de salvar a instituição e o próprio modelo de negócio, caso este venha a ser envolvido por uma colisão frontal. Apesar do impacto, tendemos a sobreviver.

Provisão como poupança: quanto mais cresce nossa carteira de crédito e/ou os riscos de nossos devedores, mais energia colocaremos nos dispositivos de provisão que em um futuro podem ser acionados para amortecer o impacto de uma inadimplência projetada. Como os airbags, os montantes da provisão a serem provisionados em nosso balanço são reservas inteligentemente poupadas, haja vista manterem uma relação direta com as dívidas que pretendem “garantir”. E no decorrer das liquidações parciais das dívidas, passam a compor a receita líquida da Singular.

A lógica do fluxo das provisões: mesmo que tenhamos uma carteira hiper saudável com risco eminentemente “A”, que retém na conta de provisão 0,5% do saldo da dívida, este montante é relativamente expressivo, e seu regresso como receita dependerá da velocidade da liquidação frente a novas concessões. Portanto, em muitas Singulares se vê um estável colchão de provisão, o que pouco afeta os resultados comerciais haja vista que seu saldo tem pouca oscilação histórica.

Contudo, caso queiramos nos manter competitivos, precisamos saber conviver com uma carteira mais verdadeira e agressiva, a qual concede créditos bem precificados para clientes com risco “B” e até “C”. Isso irá nos permitir que, após corretas provisões, absorvamos as elevações previsíveis do risco de uma carteira de maior risco.

Este cenário de maior risco será inevitável para as Singulares, e demandará muito mais habilidade e sapiência na concessão do crédito de varejo do que as estratégias conservadoras de só conceder créditos para entes conhecidos dos nossos líderes ou para clientes que puderem oferecer garantias reais ou rendas consignáveis. Portanto, além de uma perfeita segmentação de clientes, a lógica das provisões dependerá também da estratégia de risco e precificação adotada frente à carteira de crédito. O que deixa tácito que a provisão muito pouco tem de correlação com a tradicional análise da eficácia frente ao risco da carteira de crédito, quando se divide o volume total de inadimplência acima de 90 dias pelo saldo total da carteira. Algo já tratado em recente artigo.

Um “tranco” na provisão: por alegações sistêmicas, vemos em muitas Singulares, no final do mês, que a gestão da provisão leva um inesperado “tranco”, para o bem ou para o mal, como se somente nessa época do mês o risco se agravasse ou se suavizasse. Passando, assim, a concentrar todas as suas ações corretivas nesse período do mês. Há necessidade de acompanhar as provisões de forma dinâmica, pois sabidamente conhecemos inúmeras formas para ofuscar o risco de provisão ou inadimplência, seja pela carência sistêmica, seja pelos fracos balizadores técnicos que nos permitem sermos complacentes frente: ao uso constante do limite do cheque especial, aos recorrentes adiantamentos a depositantes, aos pagamentos mínimos do cartão de crédito, à emissão de cheques sem fundos (alínea 11), a não consulta regular de restritivos dos maiores devedores e avalistas, a não identificação operacional das renegociações etc.

Provisão prudencial & Governança: nas Singulares, em especial naquelas com governança, seria prudencial que seus controles internos e seus conselheiros fiscais propusessem medidas mais conservadoras frente a sinais inequívocos de risco, e que não se limitassem a atender a ainda frágil metodologia contida na legislação. Contudo, ressaltamos que uma maior prudência na provisão implica, em um primeiro momento, na redução das Sobras ou mesmo em resultados negativos.

Devemos atentar para que haja prudência e muita clareza na condução das provisões, e que as práticas corriqueiras de “amenizá-las” sejam gradualmente coibidas, o que implicará em uma rígida mudança de atitude e de práticas que podem estar amalgamadas em muitas instituições. Em conjunto, devemos adotar políticas mais assertivas para que a provisão seja realmente uma expressão real e conservadora da exposição ao risco, e não um processo para atender a ainda frágil legislação, em especial frente aos preceitos da Governança.

Provisão e concentração creditícia: ressaltamos que a concentração em créditos admite cenas complexas, como que um único devedor, em elevada provisão, faça o resultado de uma Singular reverter para prejuízo ou “lucros” unicamente pela sua entrada ou saída de um critério de provisão ou, mesmo, quando da venda do bem dado em garantia, revertendo à provisão. Portanto, pelo alto impacto potencializado pelo instituto da provisão, é temeroso analisar a capacidade de gestão de uma Singular unicamente pelas Sobras ou pelo prejuízo apresentados, bem como é relevante acompanhar os riscos por linha e safra, e não mais pela fragilidade conceitual de um único índice de inadimplência por Singular.

Sinais subjetivos para maior provisão: na prática observamos que há dezenas de fatores que deveriam estar sendo levados em conta para que tivéssemos uma provisão realmente realista, em lugar da atual que, como vimos, é frágil e balizada por conceitos teóricos, o que a torna um tanto quanto distante da prática e do bom senso. Com base nesta exposição de motivos, acreditamos que poderíamos adotar uma provisão mais assertiva se agravássemos progressivamente em um nível (uma letra) cada vez que um destes itens abaixo fossem observados em cada um de nossos clientes.

Vejamos este exemplo de agravamento de risco em função de sinais claros de deterioração da liquidez do cliente:

Assim, um cliente com risco “A”, que tenha dois dos apontamentos acima será rotulado coerentemente de risco “C”, e a sua provisão passará de 0,5% para 3%. Percebe-se que esta proposta é justa, racional e sinaliza que a Singular poderia rever suas práticas e políticas comerciais, pois eventualmente há descompassos de risco creditício, não apontados pelos atuais indicadores de provisão. Quanto melhor a transparência quanto ao risco, maior a eficácia da Governança.

Reflexão Final: a equipe de controles internos, auditores e conselheiros fiscais, junto com os gestores mais seniores e a equipe de crédito e cobrança, devem exigir uma dinâmica e fluida ciência por detrás da gestão da provisão.

Se bem gerida, a provisão passa a ser um discreto e confortável airbag, o qual, em épocas de bonança, permite qualidade e tranquilidade creditícia. Mas, diante de situações de estresses, retornará quase todo o benefício anteriormente precificado, além de apoiar os pilares de segurança para o projeto de perenidade da Singular.

Provisão – Uma poupança legal a ser gerida com astúcia e prudência.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 15/11/2014