Singular – O estressante Sr. Cadastro

Há algumas coisas na vida com a qual iremos conviver sem nunca entender. Nesta linha, encontramos em nosso modelo de negócio, o recorrente estresse causado pela busca de um cadastro de qualidade. Deveríamos nos perguntar: O que é um cadastro atualizado com qualidade? Para que serve ou deveria servir? Quais os reais riscos de não questionarmos a utilidade e razoabilidade dos processos atuais de cadastro? Como a automação das informações coloca em xeque os normativos e utilidade original do cadastro? Por que as auditorias internas, externas e os órgãos reguladores não exigem algo nacionalmente padronizado, coerente, atualizado e construído junto com as entidades fiscalizadas? Por que não são auditados os cadastros de alguns perfis de clientes que não apresentam risco creditício, como os investidores? Só estas poucas indagações já servem para que possamos acreditar que precisamos urgentemente rever este processo.

O tema cadastro é um tabu em nosso modelo de negócio, e quanto antes o enfrentarmos, mais rapidamente poderemos convergir nossas forças para outros temas muito mais críticos e que já minam nossa perpetuação, como a nossa baixa eficácia comercial. A seguir algumas reflexões.

Cadastro de Investidores

Particularmente sempre tive e mantenho posições investidas junto aos bancos e nestes longos anos nunca me pediram para atualizar o cadastro. Contudo, disponibilizam cada vez mais generosos limites pré-aprovados, dos quais nunca fiz uso. Percebo que assim também tratamos os cadastros de nossos investidores. Ou seja, raramente os atualizamos, e quando o fazemos nos limitamos a procedimentos paliativos para nos prevenir de uma rara fiscalização.

Esta real constatação se deve porque são clientes discretos, de difícil acesso, ou mesmo refratário a este processo, seja porque não querem se expor desnecessariamente ou por entenderem que a parte fraca do relacionamento é a instituição que administra suas reservas. Então, pela lógica que o cadastro serve principalmente para avaliar o risco de quem empresta, a Singular, por estar “tomando este crédito” é quem deveria apresentar fortes provas de sua integridade, e ser obrigada a manter seu cadastro atualizado junto a estes investidores para quem deve. Vale aqui ressaltar que o investidor não pediu nenhuma garantia para “emprestar” dinheiro a sua Singular, bem como que é frágil alegar que o recente Fundo Garantidor de Depósitos é o “avalista”, pois nossa usual concentração nas captações é composta por valores muito acima desta proteção legal.

Na prática, frente aos investidores, faz-se apenas o óbvio para atender a legislação, aceitando sempre as informações superficiais destes clientes em especial quanto a patrimônio, posição em outros bancos, declaração real de bens, condição marital etc. Não sejamos mais realistas que o Rei. Contudo, sabemos que o espectro do cadastro é mais amplo, pois o fisco e órgãos reguladores precisam minimamente ter como rastrear riquezas, movimentações atípicas, grupos econômicos etc., mas as movimentações eletrônicas já são muito mais úteis que as informações dos cadastros.

Apontamentos da Auditoria: em alguns de nossos artigos, vimos que os julgamentos dos auditores e dos órgãos reguladores quanto ao cadastro tendem a ser validações pessoais ou regionais dos normativos ou mesmo de suas “discretas” regras internas. Por exemplo, observa-se que a quase totalidade dos cadastros por eles analisados têm a ver com clientes com expressivos créditos ou com inadimplência instalada. Pela lógica é um procedimento correto, pois objetivam analisar o potencial de risco e a qualidade da carteira de crédito. Mas, como fica o crivo do risco impregnado pelo cadastro frente: aos avais, aos clientes com limites alocados e não utilizados, aos participantes de grupos econômicos, aos tradicionais investidores, as contas inativas há mais de 12 meses, aos devedores de longos créditos em dia, em especial os consignados etc.?

Por fim, deveriam estas entidades se alinharem quanto a orientação que nos dão quanto aos processos legais do cadastro, já que não há consenso, por exemplo, se esta atualização deveria ser feita no seu vencimento anual, em uma nova liberação de recursos, ou a cada prazo de 12 meses decorridos de um crédito etc. Também, deveriam ter uma única orientação formal quanto a qualidade do cadastro frente ao cheque especial, limite pré-aprovado, devedora empresarial, cartão de crédito… . Contudo, antes devem validar o porquê dos bancos de varejo não o atualizam corriqueiramente, mesmo frente a créditos longos, ou diante de elevação gradual dos limites ou quando da alocação de novas linhas pré-aprovadas. Acreditamos que os bancos são menos exigentes com seus cadastros, pois, além de terem alta inteligência tecnologia creditícia, adotam legalmente à prerrogativa da Res. CMN 2682/99 do BC que indiretamente permite que a própria instituição defina suas regras creditícias para endividamentos menores que R$ 50.000,00. O que lhes permite aceitar como legal as “atualizações indiretas” de seus cadastros, ou até mesmo não os atualizarem frente à abertura legal acima apontada.

Diante destas inúmeras indagações fica o questionamento sobre a coerência dos apontamentos das auditorias, da gestão prudencial do risco, da aplicação dos preceitos de governança etc. Vale ressaltar que diante da legislação a crescente carteira de créditos imobiliários deveria ter seus cadastros atualizados anualmente. Isto não ocorre e não há apontamentos dos auditores. Por quê?

Desafio do Cadastro

Percebemos que o cadastro tradicional, tende a perder a relevância na medida em que avançam os processos sistêmicos automatizados para acompanhar a movimentação e aderência do cliente, o que permite balizar a concessão e acompanhamento de créditos massificados e disparar consultas automáticas a birôs de negativação. Perceba que muitos de nós temos conta em mais de uma instituição, e muito provavelmente esta dispõe de um aguçado e dinâmico sistema tecnológico para conceder e majorar créditos massificados. Ocorre que, muito provavelmente, há anos não atualizamos nosso cadastro, mesmo que eventualmente tomemos crédito em alguma destas linhas pré-aprovadas. Então, estando seu cadastro desatualizado, como pode esta instituição manter crescente suas linhas creditícias automáticas sem agravar o risco? Ou mesmo, não ter apontamentos quanto a má qualidade dos cadastros nas auditorias internas, externas, ou realizadas por órgãos reguladores? E o mais interessante é que são instituições financeiras que adotam os preceitos premiados da governança, e este tema deve ter sido validado.

Certamente, há algo de estranho no processo do cadastro que suscita uma profunda reflexão de nossos executivos visando ser eficaz na busca da sua qualificação, haja vista que, a curto prazo, é pouco provável que tenhamos normativas menos controvertidas e burocráticas para este processo.

Missões de correção de Cadastro: é comum vermos em muitas Singulares o tema cadastro ser eleito como um desafio eterno para a gestão, ao ponto de ganhar extrema notoriedade chegando a ser erroneamente um item das metas, ou até mesmo motivo de específica campanha de premiação interna, algo que desconhecemos nos bancos de varejo. Realmente é algo estranho, haja vista que, sendo um processo metódico e formal, para o qual houve treinamento, não há motivos para premiação que incentive fazer o que é parte integrante da formalística da manutenção de uma conta ou de um processo creditício. Devemos nos perguntar: Será que os erros são tantos assim? Será que o processo sistêmico não ficou uma centopeia de complicações, burocracias e lentidão? Quais dados de um cadastro são realmente úteis e quando?

Não importa julgarmos a origem do problema. Devemos unir as forças das confederações, singulares, conselheiros, diretores, gestores, consultores, auditores e órgãos reguladores, para juntos analisarmos e criticarmos saudavelmente este cenário, propondo melhoras graduais e efetivas. Somente depois de uma ampla reflexão, deveríamos avançar para a correção e a melhoria deste processo. Não fazer nada apenas agrava o problema e municia incoerentemente os fiscalizadores frente apenas ao Cooperativismo de Crédito. Assim, perde o nosso ainda não robusto modelo de negócio, mina os prometidos benefícios sociais, estressa nossos profissionais, nos faz focar exageradamente em processos não inteligentes, além de distanciarmos cada vez mais das prerrogativas de uma eficaz governança.

Reflexão final: apesar de ainda reduzida, temos uma qualificada e muito esforçada força comercial, contudo não dispõe de soluções tecnológicas tão requintadas como as dos nossos concorrentes. E para agravar convivem com crescentes e complexos processos morosos de controles, que usualmente são focos das fiscalizações. Com destaque ao processo de cadastro pelo elevado número de processos creditícios e de abertura de novas contas.

Neste contexto, é urgente revermos à formalística e utilidade do cadastro frente ao risco e ao fomento comercial. Se quisermos ter um relativo espaço ao sol junto aos bancos de varejo, devemos olhar criticamente para frente e buscar forma de oxigenar os processos que emperram nosso crescimento e agilidade comercial.

Nossos processos internos devem ser atualizados e sempre sabatinados para que respondam de forma eficaz pelo menos dois “PORQUÊS”. Caso contrário, devemos abatê-lo em seu nascedouro.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.