Singular – Líderes – Como se comportar em um cenário de Crise

Arauto do Apocalipse – este é o rótulo que damos aqueles que ousam prever um futuro muito mais pessimista do que aquele que acreditamos que irá ocorrer. Certamente suas ponderações e previsões nos são desconfortáveis, pois, além de explicitarem em nosso meio profissional suas argumentações e previsões, internamente nos fazem refletir que, se eles estiverem certos, nosso atual otimismo não se verificará. E diante dessa situação de estresse, nós, nossos comandados e nossa instituição ficam desacreditadas e frágeis para enfrentar estes tempos mais bicudos que nos foram apresentados com antecedência por outra pessoa que, como nós, também tenta prever o futuro.

Não temos a pretensão de estarmos certos, mas preferimos reafirmar os ensinamentos de São Tomás de Aquino quando diz: “Gosto daqueles que me criticam porque me corrigem, deploro os que me bajulam porque me corrompem”. Sempre é bom termos ao nosso lado uma palavra oportuna para que sejamos mais precavidos, como são as placas de 60 km/h antes de uma curva mais fechada. Nosso modelo de negócio é na essência uma estrada com curvas inesperadas e está sujeito a eventos intempestivos da natureza, mesmo que desejemos acreditar que seja uma reta em uma bela autopista.

Relembro que envio graciosamente e com muita antecedência aos profissionais do cooperativismo de crédito minhas ponderações para que, aqueles que assim desejarem, as convertam a seu favor:

É importante frisar que essas minhas previsões estão tendo assertividade muito acima do esperado.

Antever: Ler este artigo com certa antecedência, antes que, eventualmente, esta inferência vire verdade, pode fazer-lhe já refletir sobre atitudes necessárias para ajustar sua rota para céus menos turbulentos durante seus novos voos. E se essas previsões de estresse comerciais não ocorrerem, certamente estará mais ágil, competitivo, racional, enxuto, e firme em sua liderança.

Atitudes desejadas dos líderes: diante de uma guerra comercial ainda mais agressiva da que acreditamos já sorrateiramente se avizinhar, seria esperado dos líderes que doravante dessem aos seus profissionais verdadeiros sinais de que estão informados e preparados para conduzi-los com prudência diante de um estressante ciclo comercial. Portanto, é oportuno validarmos se nossa visão não se mantém exageradamente otimista, acreditando que tudo não passará de uma “marolinha”, ou realmente já identificamos sinais claros de que o cenário de bonança está finalizando e que, com vista à sobrevivência da Singular, precisaremos de ainda mais empenho de todos, caso contrário, muito em breve, seremos forçados a adotar atitudes pouco populares, as quais há muito tempo não são praticadas, se é que foram adotadas um dia.

Gostaria de acreditar que você é um líder que acredita que tempos mais hostis estão chegando, e que o cooperativismo de crédito, que ainda se fortalece, deverá navegar em um mar revolto, com anos seguidos de recessão, inflação e desemprego. O que o fará manter doravante sempre a guarda erguida, em especial quando estiver divulgando seus grandes números ou do seu sistema. Deve, a nosso ver, também acreditar que serão saudosas as duas décadas de bonança promovida pelo Plano Real, em especial pelo enorme apoio recebido do governo nos últimos 12 anos. Assim, é prudente que nossos líderes e seus comandados tenham mais músculos e cautela frente aos preocupantes sinais – nem sempre explícitos – do agravamento da debilidade econômica nacional. Particularmente não vejo os próximos anos como uma ingênua “marolinha” como a que passamos na crise de 2008. Lá havia um fraco (EUA), centenas de médios e um forte (China). Agora temos um muito forte (China), um médio (EUA) e umas centenas de fracos, onde se inclui nosso depauperado Brasil. Reafirmo que não podemos ser mais realistas que o mercado. Ele é soberano.

Como muitos sabem iniciei minhas atividades em banco de varejo há mais de 40 anos – 1.974. Ou seja, vivi por quase vinte anos em agências bancárias, uma intensa economia recessiva e inflacionária, até as graduais melhorias patrocinadas em 1.994 pelo advento do Plano Real. Posso até imaginar que alguns líderes, considerando minhas posições muito pessimistas, achem que diante deste provável cenário de rigidez comercial, o otimismo seria a atitude mais correta. Alegariam que o cooperativismo de crédito está forte por apresentar números crescentes e que ele sairá fortalecido deste pouco provável e imaginado estresse econômico, e que as Singulares irão aproveitar todas as lacunas deixadas pelos concorrentes bancários que sucumbirão no mercado. Quem de nós estará certo e melhor preparado? Os otimistas ou realistas? O tempo dirá!

A miopia dos nossos grandes números nos enfraquece na crise: já escrevi quase uma dezena de artigos sobre esse tema, e tratei destes temas em 2014 em nosso Fórum de Líderes realizado em Curitiba e no Workshop de Metas e Planejamentos realizado em Belo Horizonte, mas reforço que poderia ser mais transparente, em especial nas Singulares com Governança, a divulgação de seus imponentes números de crescimento. Por isso, sempre que posso, argumento com os clientes de nossa Consultoria que não devemos balizar nossas atitudes com base em nossos grandes números de crescimento, pois certamente eles nos deixam míopes e fracos frente à agressividade do mercado. Completo dizendo que nossos grandes números fazem transparecer que nosso modelo de negócio é uma ilha de prosperidade em um grande oceano, e alerto que não podemos nos comparar diretamente com os bancos de varejo, pois estes têm regras de operação, custos e tributos muito mais apertados que os nossos.

A nosso ver, há uma forte tendência de muitos destes grandes números estarem inflados e com vícios de origem, como escrevi em vários artigos: “Grandes números brutos são falsos, em especial, se comparados de forma bruta com anos anteriores”. “Grandes números devem ser espremidos para que confessem seus vícios e imperfeições”. Passemos doravante a analisar os resultados comerciais e Sobras de muitas Singulares que anunciam crescimento de 15% ou mais durante 2014. Se fizermos as perguntas certas, poderemos ver que estes grandes números podem não explicitar a realidade comercial da instituição. Se não, vejamos:

Vê-se então, em especial diante da transparência da tão aventada Governança, que estes grandes números tendem a estar equivocadamente inflados e distorcidos, o que não permitem que, diante de uma crise, sejam balizadores efetivos de ações corretivas de rota. Ressalto aqui que devemos ficar ainda mais atentos frente às Singulares com crescimento nas receitas/Sobras menores que 15%, haja vista que podem ter uma situação real ainda mais delicada, inclusive de perdas.

Neste nosso mercado não há como voar por instrumentos e sair vitorioso. Isto todos tendem a fazer. Aterrissar como mais competitivo só será possível para aqueles que durante a atual calmaria fizerem provisões e treinarem muito bem seus soldados para um real, infindável e não acadêmico combate. Acredito que é coerente por hora suavizarmos os discursos de ganhos sociais e superarmos estes enormes desafios de gestão e comerciais que estão chegando, caso contrário, com nossa instituição fraca, distribuiremos apenas penúrias sociais a nossa economia local.

Gestão de Custos: Pelos sinais que identificamos, veremos nestes próximos anos a volta deste tema esquecido por quase 20 anos. Mas, vale aqui ressaltar, que muitas de nossas lideranças foram amalgamadas diante de um mercado aquecido, pleno emprego, apoio governamental, baixas taxas básicas de juros da economia, pífia inadimplência, bom contingente ainda não bancarizado, inauguração de novas sedes e agências, contratação de cada vez mais funcionários, fraternas AGOs etc. Apesar desses longos ventos favoráveis, entretanto, percebemos que algumas de nossas instituições fortificaram seu patrimônio ou cresceram comercialmente menos do que poderiam, e tão logo comecem os efeitos de uma eventual crise recessiva, sentirão tardiamente que faltou agressividade, músculo comercial e uma gestão eficaz da base de sócios, algo tão apregoado em nossos artigos e orientações.

Muito provavelmente a redução expressiva nos custos não foi um tema explícito em seu último Planejamento Estratégico. Mas muito provavelmente veremos já durante 2015 a revisão das metas ou ações de corte de custos na busca de mais resultados. No início, reajustaremos o que é fácil – taxas e tarifas, depois tenderemos a suspender as inaugurações ou reforma de agências ou da sede, adiar incorporações, postergar investimentos em infraestrutura, suspender viagens, rever patrocínios e brindes, buscar mais economia nas confraternizações e nas AGO etc,. Mas, no médio prazo, estes esforços se mostram equivocados, e, caso a crise perdure ou se agrave rapidamente, seremos obrigados a rever os ganhos variáveis dos nossos profissionais e executivos, suspender promoções e contratações, avaliar o retorno dos grandes salários, majorar ainda mais as metas, estudar terceirizações, e invariavelmente nos veremos diante da redução do quadro.

Enquanto fui bancário de um grande banco privado por 28 anos vivi nas duas pontas o trauma da gestão por custos. Primeiramente como funcionário, sem a função de liderar equipes. Nessa época, sabia que tinha que empenhar-me de forma exaustiva em meus desafios comerciais, pois assim estaria um pouco mais confortável na próxima rodada cíclica de demissões, sem, contudo, pensar em pedir formalmente ganho real de salário ou promoção. Lembro que éramos mais de trinta mil funcionários quando entrei neste banco em 1974, e durante o tempo que estive por lá este número foi reduzido gradualmente a poucos milhares, na média anual de 1000 perdas de postos de trabalho. Na outra ponta fui por um bom tempo líder de equipes comerciais. Apesar de todos os esforços para conduzir a bom termo a equipe, lembro como era desgastante ter que atender a uma determinação de reduzir minha folha de pagamento em 20% em 30 dias, sabendo que deveria manter o mesmo empenho e resultados. Sempre sobravam os dedos, mas iam-se os anéis.

Nestes ciclos constantes vivíamos altíssimos estresse por Gestão Real de Custo. Diante de cenários como este, fica totalmente sem nexo querer discursos bradando que devemos agir como uma equipe, que a habilidade de liderança estava sendo valorizada, que aquela era a hora de nos superarmos, que havia um brilhante futuro para todos, etc.. Por mais inglório que seja, nesta época, as inúmeras e inusitadas formas de avaliação de desempenho implementadas sempre nos serviam para marcar subjetivamente aqueles que estariam eleitos para a próxima rodada de corte, pois precisávamos de um álibi para que nossas atitudes não fossem entendidas pelos funcionários remanescentes como arbitrárias ou pessoais. Em uma época de crise, em instituição hipercapitalista, liderança é uma palavra que não se ouve falar, pois, diante de um cenário de penúria comercial (não de guerra ou política), a liderança, inclusive como atualmente conceituada, míngua e fica totalmente sem eco diante das amarguras e do estresse do cotidiano. Lembro que todos os funcionários sabiam que nestas situações de maior estresse da instituição era dificílimo manter-se empregado e que o mercado não tinha como nos acomodar, nem mesmo pagando a metade que o banco nos pagava. Assim, por mais ácido que possa parecer, foi muito bom ter participado desta luta tão ferrenha pelo emprego em duas décadas de recessão, para, quem sabe, orientar alguns destemidos jovens a serem prudentes, e, assim ganharem crescentes músculos frente a uma realidade que esconde suas garras.

Motivação! Creio que ninguém motiva ninguém. Motivação é um dom a ser cultivado individualmente por cada pessoa, e não algo que se possa receber como se fosse um toque do rei grego Midas, o qual, em tudo que tocava virava outro. Pense em uma época de crise, onde a cada seis meses terá que demitir um ou mais funcionários, e quando possível, irá trocá-los por outros de menor custo, ou apenas distribuirá estas atividades aos funcionários que ficaram. Acredita que assim será fácil motivar a equipe? Em épocas de bonança como a que ainda estamos curtindo no seu finalmente, ainda está fácil aplicar os conceitos de equipe, liderança e motivação, mas em breve teremos que sobreviver competindo em uma economia recessiva de igual para igual com grandes bancos de varejo. Toda e qualquer despesa terá uma pré-marca de “supérflua” e deverá ser revista, sejam elas: viagens, bônus, promoção, telefones celulares, energia elétrica, PPR, festa da AGO, juros ao capital, destinação ineficaz do Fates, custo da Central, contratos terceirizados, etc.

Governança. Como ela seria gerenciada em sua Singular diante de uma economia recessiva se vocês identificassem que pelo seu custo, é baixo o seu valor agregado, em especial, é fraca a força em elevar rapidamente os resultados comerciais, que permitiriam a sobrevivência da instituição? Será que os caros processos de Governanças implementados nas Singulares para atender a legislação e que geraram um maior custo na gestão do estratégico da instituição serão mantidos em época de economia retraída? Ou teremos que, muito em breve, renegociar estes custos para baixo, ou eventualmente até reduzir alguns destes cargos, visando ainda a atender ao órgão regulador?

Atitudes diante da crise: sejamos realistas diante do cenário de estresse que se aproxima, e desde já trabalhemos ainda mais forte comercialmente para gerarmos gorduras para queimá-las aos poucos diante deste ciclo de penúria que se avizinha. As instituições que se prepararem para estes solavancos cíclicos comerciais, certamente irão sair fortes e competitivas em um mercado com menos concorrentes e de mais oportunidades. As demais, fracas e debilitadas, irão alegar que esta situação de penúria tem culpados sempre externos: o Sr. mercado, a política, a perda de algum benefício tributário, a baixaria dos concorrentes, a falta de reconhecimento dos sócios, o corpo mole dos funcionários, a falta de empenho dos demais conselheiros, a elevação da Selic, elevação da inadimplência, o desemprego na região, a frustração da safra, o crescimento dos custos, em especial da Central, etc. Não tenho dúvidas que há tempo para todos nós nos prepararmos para esta cruzada, basta querer e trocar o processador do conforto, de sermos a melhor entre as coirmãs ou grande entre as pequenas, para instituições maduras, guerreiras e guerrilheiras que visam ser, no mínimo, tão competitivas como os melhores bancos de varejo. Não fazer nada é uma decisão delicada como a de querer achar um culpado após o jogo ter acabado. Em conceito, é fácil fazermos resultados e gorduras diante de nosso modelo de negócio. Vendemos o ópio do povo – crédito – e com elevado ganho, e agregamos aos nossos ganhos a vantagem das Sobras e das várias isenções fiscais empenhadas a nós e aos nossos sócios. Temos a faca e o queijo na mão. Tem que dar certo!

Real Gestão por Custos: as poucas Singulares que já estiverem gerenciando de forma árdua seus custos diretos e indiretos estão mais preparadas para enfrentar os estresses comerciais que nos rodeiam. Contudo, peço aqui atenção para que não nos dediquemos em excesso aos indicadores de desempenho definidos em épocas de bonança, pois trazem conceitos antigos, contábeis e tendem a ser deficitários em época de crises. Pelos planejamentos estratégicos que tivemos acesso, vimos que raramente foi definido um cenário já para 2015 e 2016 com real recessão, desemprego, elevação da inadimplência, menores captações, etc. Vimos que, em alguns deles, aventaram até a possibilidade de crise, mas sem definir ações de contingências, apenas explicitando que acreditam que ela só ocorreria, isto se ocorrer, de forma lenta e totalmente previsível, dando tempo para medidas corretivas a serem definidas no próximo planejamento estratégico. Espero que estejam certos!

Receio que o tema – Gestão Real por Custo – não foi um real foco de atenção e trabalho de muitos de nossos gestores, muito provavelmente em função:

Ocorre que, eventualmente, muitos destes gestores nunca vivenciaram a necessidade de anunciar em função de crises externas, uma sequencia infindável de notícias ruins a sua força de trabalho e sócios, como: demissões em massa, fechamento de agências, incorporação intempestivas de sua Singular, etc., as quais tendem a culminar em ações trabalhistas para as quais as Singulares não estão estruturadas ou fazem provisão. Nesses cenários de estresse, não há espaço para busca do que seja liderança, equipe, motivação, ou mesmo para tentar implementar criativos organogramas, etc.

Nova regulamentação do BC: Um fato novo e relevante não está recebendo a devida atenção de muitos de nossos líderes, e pode vir a ser um complicador frente à crise que se aproxima. Falamos da nova resolução que está aberta para consulta pública – edital 47/2014. Ela, por si só, certamente causará grandes transtornos, e estes serão agravados, pois tendem à ser implementada durante o início da crise que se aproxima. Tempo muito diferente da tranquilidade que tivemos quando da LC130/99, pois vivíamos um tempo muito confortável e de mercado sereno e comprador. Todos os líderes devem ter fortes argumentos para discuti-la a quase totalidade de seus artigos. Sugiro solicitar, se ainda não recebeu nossas ponderações feitas em 13 páginas, já enviadas como colaboração ao órgão  regulador. Irá faltar braço?

Reflexão Final: que venha 2016, 2017…! É duro, mas tal qual como acontece com a natureza, precisamos de épocas de elevados estresses alternadas com bonança, para amadurecer e para que gradualmente sobrem apenas os mais competitivos. “Só o que muda permanece”, Confúcio. Frase impressa no verso do meu cartão.

Em época de estresse, como em uma guerra, é imperioso buscarmos a sobrevivência da instituição acima dos indivíduos. As coisas urgentes têm de acontecer no tempo da urgência e, se possível, com a organização de fatores óbvios de hierarquia e de necessidade.

A formiga sabe que tudo é cíclico e que ser realista demanda muita estratégia e trabalho, algo que a cigarra teima em relegar, enquanto busca visibilidade a todo custo. Nestes últimos anos nossa Singular se comportou como cigarra ou como uma formiga?  Preparemo-nos e que venham os aprendizados com a crise. Se ela não vier, ótimo! Estaremos enxutos e mais fortes que nunca.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 09/01/2015