1) Introdução

A grande maioria das segmentações de clientes PF de instituições financeiras já está no banco dos réus, apesar de muitas delas não quererem admitir ou ainda não terem se dado conta. Já não correspondem aos objetivos do projeto inicial, apesar de terem sido observadas todas as etapas acadêmicas. Compartilharei com você alguns dos conceitos e cenários que considero determinante para a eficácia deste processo.

2) A simplicidade do conceito

Resumidamente, o processo de segmentação só tem uma razão de ser: definir um nível de atendimento aos clientes na relação direta de sua aderência, rentabilidade e potencial. A perda deste foco transforma a segmentação num grande elefante branco com influência direta na perpetuação da instituição.

Devemos ainda considerar que o quesito “Status” é algo hoje quase sem expressão e/ou sustentação comercial para o negócio de banco e varejo massificado. Veremos um pouco mais deste assunto no decorrer do texto.

3) Os bastidores da segmentação

Não há como compreender o presente e prever o futuro se não conhecemos os detalhes relevantes do passado. Assim, para melhor compreensão do cenário atual da segmentação adotada pelos bancos de varejo, recordemos quatro fatos.

3.1) Lapidação dos gestores pela ciranda financeira

Por décadas (até 1992) só eram relevantes clientes investidores, pois permitiam aos bancos enormes ganhos junto à ciranda financeira promovida pelo governo. As lembranças de 15 anos são muito recentes para este mercado maduro, haja vista que a maioria de seus atuais gestores estratégicos foi lapidada neste cenário.

3.2) Desatenção aos tomadores de crédito

Com base no cenário acima, os gestores de bancos entendiam que os clientes tomadores de crédito eram de segunda linha e/ou desregrados socialmente, portanto eram insignificantes as ações comerciais junto a este riquíssimo nicho.

Para reflexão: São os clientes tomadores de crédito que compram a maioria dos seus produtos de baixa atratividade e de altíssima rentabilidade (capitalização, “segurinhos”…), além de terem outras ótimas qualidades.

3.3) Tarifas e pacotes de serviços

3.4) Bom atendimento é o foco da segmentação

– Se o cliente quer um bom atendimento, mas não apresenta rentabilidade, aderência e potencial, então que pague um “pedágio” que será bem atendido. Caso contrário, será atendido apenas de forma cortês.

– Já no século XVII, John Ray nos ensinava: “Quem paga o sanfoneiro, escolhe a música”.

4) O atual cenário da segmentação

Até agora, vimos alguns aspectos históricos que nos ajudam a atender como foi construído este cenário atual da segmentação nos banco de varejo massificado. Vamos analisar doravante alguns pontos de atenção dispostos sem prioridade, haja vista que cada um deles tem sua relevância e se inter-relacionam.

4.1) Segmentação X Política de Benefícios

– Rentabilidade líquida do cliente é uma característica a ser analisada apenas internamente, observando principalmente se sua composição é a mais saudável possível.

– O cliente passa a dar muito mais destaque aos benefícios racionais do que a qualidade de atendimento, minando o diferencial da política de segmentação, com reais reduções na aderência do cliente à instituição.

– Nesse cenário de fartos benefícios racionais aos clientes segmentados é comum em muitos casos desaparecer o lucro líquido gerado anteriormente pelo cliente. Fica por terra a premissa de estar atendendo de forma diferenciada um cliente muito rentável.

4.2) Revisão da Política de Segmentação

– O processo inverso. Baixar os balizadores da política para que mais clientes possam ser considerados VIP na segmentação, “inchando” artificialmente este cenário. Este é um erro primário e desastroso se o processo de segmentação tiver graves vícios de origem;

– Exemplificando: Imagine uma política que pedia R$ 4.000,00 de renda comprovada no ano de 2000 para ser cliente VIP, mas que não tenha sido reajustada até 2006. Se o corrigirmos por um índice oficial que represente o poder de compra do cliente, este valor deveria ser próximo a R$ 8.000,00. Percebam um cliente que entra hoje no banco será classificado como VIP, com R$ 4.000,00 de renda, tem apenas a metade de potencial de compra dos clientes quando definida a política. Impacto desastroso no resultado do Banco;

– Sem considerar a enormidade de clientes que ainda são mantidos como VIP nestes últimos sete anos, mas que já não tem mais esta renda seja por perda ou mudança de emprego;

– A mesma analogia deve ser feita ao valor de investimento mínimo exigido para ser VIP. Imaginemos que no ano de 2000 fosse R$ 20.000,00, hoje certamente deveria ser R$ 40.000,00. Imaginem o efeito desta correção na base e no volume de novos clientes que hoje entram como VIP aplicando entre R$ 20.000,00 e R$ 40.000,00;

– Imaginemos também o efeito na quantidade de clientes que receberiam downgrade caso seu saldo nos últimos seis meses fosse inferior a este novo patamar;

– Ou ainda já não tem mais saldo em investimentos a mais de seis meses que passaram a tomar crédito após terem sido classificados como VIP diante um eventual e esporádico investimento?

– Até quando serão classificados como VIP?

– Se os retirar, como fica sua base VIP?

– Estamos dando bom atendimento a quem realmente merece?

– Retirá-lo, ainda mais por falhas de acordos comerciais, maculará anos de trabalho e irá requerer muita habilidade do gerente da conta. O qual já não tem tempo para quase mais nada;

– Se o coração dos bancos pulsa crédito, seria razoável bonificar mais clientes que invistam em produtos com alto potencial de funding;

– Clientes mais informados são difíceis de mudar de aplicação, portanto nossos esforços nesta linha devem ser prudentes, pois eles dificilmente irão deslocar seus investimentos para um novo produto.

4.3) A importância da gestão cíclica de Upgrade e Downgrade

– Acredito que alguns patamares possam ser corrigidos anualmente pelo Salário Mínimo (ex.);

– Parece-me razoável o ciclo anual para revisão da classificação. Mas é necessário que o cliente tenha ciência que ele terá melhor atendimento enquanto tais itens da política forem mantidos. Caso contrário, alegará que não tinha ciência dos critérios do downgrade;

– Vejamos as empresas aéreas (serviços, como os bancos). Se voar muito, receberá tratamento VIP. Se voar eventualmente, terá atendimento apenas diferenciado. Voando raramente, receberá um tratamento cortês;

– A premissa é simples. Quanto mais rentável você comprovou ser, mais a instituição estará disposta a devolver um pouco da sua rentabilidade com melhor atendimento (que custa caro) e eventuais benefícios;

– Percebamos: Há um real relacionamento comercial anterior para se ter o benefício. Muito diferente de alguns bancos, que já concedem inúmeras vantagens racionais a clientes somente porque ganha mais de “X” mil reais, ou porque o único vínculo que tem com o banco é através de uma aplicação de “X” mil reais.

4.4) Segmentação e Pacotes de Serviços

4.5) Pontuação do cliente

– Ter C/C. Isto é elementar. 99,99% dos clientes a têm;

– Ter alocado o limite de Cheque Especial. Se não usou o limite nos últimos três meses, não foi uma solução para o cliente e nada rentável para o banco;

– Ter Cartão de Crédito. Novamente, se não usou nos últimos três meses, não foi uma solução para o cliente e nem rentável para o banco. Talvez para o gerente da conta;

– Há inúmeros outros.

4.6) Segmentação X Status

– Milhagem. Cuidado com clientes que valorizam este diferencial, pois não são fieis. Se tiver que tê-lo, faça algo que não se transforme em um centro de custo e que não os atenda com exclusividade;

4.7) Segmentação com parâmetros nacionais

– 1º) Quais outras soluções bancárias já estavam neste micromundo quando a agência foi instalada? Este cenário define como aquela sociedade irá rotular o posicionamento do banco naquela microrregião. Este pode ser muito distinto do que a matriz deseja. Não se pode ser mais realista do que o rei;

– 2º) A agressividade dos concorrentes na praça, sobre a base e seus funcionários nos últimos anos;

– 3º) A forma que os dois últimos gestores conduziram a agência;

– 4º) A coerência das metas dos últimos três anos com a realidade daquela agência;

– Certamente estas unidades já adotam formas criativas para incluí-los em suas segmentações “tupiniquins”. O problema é que os critérios nem sempre são os mais eficazes, as informações estão armazenadas na mente do titular da unidade, não há sistemas arquivando estes esforços locais, entre outros aspectos;

(*) Em meu livro: Repensando Banco de Varejo trato dos clientes VIP PO (Puro de Origem) e VIP PP (Puro de Percurso) onde analiso a importância de entendê-los e do porquê de não haver nenhuma identidade entre estes mundos;

– Lembremos que nenhuma instituição de pesquisa nacional analisa o poder de consumo do cliente individualmente. Todas, inclusive o IBGE, não rotulam você como sendo da classe “A”, “B” etc., mas sim sua entidade família. Este conceito muda completamente os tradicionais discursos de segmentação;

– Uma analogia seria a utilização equivocada dos dados cadastrais do cliente apenas para concessão de crédito e cobrança, no qual irá descartar ou glosar a relevância da renda informal.

5) Reflexões finais

5.1) Concordamos que seus clientes já eram rentáveis antes de se implementar o processo de segmentação em seu banco. Pergunto se, após este esforço, já se mediu o resultado financeiro líquido desses clientes (deduzindo os custos de implementação, custos do atendimento diferenciado, das isenções de tarifas, das bonificações das taxas de juros e de outros valores, etc.)? Bem como, se foi analisado melhoria nos níveis de aderências e de potenciais?

5.2) Seus outros excelentes clientes, exceto investidores, estão sendo bem atendidos? Sua política de segmentação trata bons clientes tomadores de crédito e/ou usuários de serviços? Como fazer para enquadrá-los, mantendo a mesma base de gerentes? Como rebaixar o nível de serviços de clientes que hoje já demonstraram que não tem potencial de rentabilidade, aderência e potencial para serem tratados como VIP?

– Cuidado. Bons tomadores de crédito já estão muito bem informados de sua força e opções, e que deveriam ser melhor tratados;

5.3) Bom atendimento custa caro. Se você gasta quase tudo que ganhou acaba sendo um grande centro de custo. Cuidado para que a política de benefícios não inviabilize a segmentação eficaz e rentável;

5.4) Sou cético quanto às outras formas de segmentações que visam tratar de forma distinta os médicos, juízes, universitários, mulheres, aposentados etc. Deveríamos esquecê-los ou congela-los até fazermos corretamente a lição de casa sobre a base de clientes massificada, a qual responde pela quase totalidade da rentabilidade de seu banco. Adianto que a enormidade destes nichos quer apenas um bom atendimento a um preço razoável. Mas reforço novamente, se não forem rentáveis, não terem aderência e potencial, devem receber apenas um tratamento cortês e barato para o banco;

5.5) Toda política de segmentação deve prever o conceito de “pedágio”. Se o cliente não atingir os balizadores para ter um bom atendimento “de graça”, mas mesmo assim o desejar, que pague um “pedágio” para tê-lo, até eventualmente atingir tais patamares;

5.6) Algumas perguntas finais:

Esse assunto não se encerra aqui, mas espero ter-lhe ajudado repassando esses pontos de reflexão.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 17/04/2007

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