Salário variável e metas como fruto da meritocracia

Nestes três últimos anos há um forte movimento no cooperativismo de crédito visando analisar e implementar uma robusta relação profissional com seus funcionários comerciais, validada através da inclusão de metas e salários variáveis. Isto é saudável, pois se aproximará do seu real ambiente competitivo, onde reside sua mais saudável rentabilidade. Indiretamente, conseguirá também se distanciar da velha e desgastada imagem que transparecia ser uma irmandade sem fins lucrativos – algo familiar – distante dos mais básicos preceitos da governança corporativa.

Sabemos também que o desejado ímpeto comercial não entrará em uma singular unicamente porque foi criado um novo plano de cargos e salários, salários variáveis e/ou metas arrojadas. Antes, é necessário que direcionemos a cabeça da cobra – nossos executivos – para o foco comercial, para que assim evoluam e deem reais exemplos. O resto do corpo seguirá a cabeça, aprenderá com exemplos e os explicitará em atitudes. Resumindo: A parte do corpo que doravante não pensar e não somar comercialmente será naturalmente extirpada.

Mas atenção: Se os executivos não tiverem predisposição em aprender preceitos e atitudes comerciais, será inútil qualquer esforço na linha do salário variável ou meta. Este cenário tende a ser ainda mais ineficaz se estes temas forem novidades e conduzidos por profissionais sem grande vivência no tema. E agravar-se-á se este projeto for envolto em bela “plástica” e alardeado como a solução para que a singular passe a ter atitude e resultados comerciais. No médio prazo, a conjugação destes equívocos se tornará uma bomba relógio. O motivo do fracasso: Não se conseguiu injetar atitude comercial nas veias dos líderes, consequentemente o quadro funcional seguirá o líder.

Portanto, neste artigo, refletiremos sobre aspectos do binômio salário variável metas buscando: parcimônia, razoabilidade e a meritocracia pela superação do patamar corriqueiro de vendas.

Primeiramente alicerçarei minhas considerações em dois temas holísticos. Vamos a eles.

Tema 01: há alguns anos visitei o belo Museu Nacional do Mar, em São Francisco do Sul – SC. É impossível não ficar impressionado ao ver o frágil barco a remo com que Amyr Klink cruzou sozinho o Atlântico Sul em 1984 – Aventura contada no livro “Cem dias entre o céu e o mar”. Diante do barco imaginava o enorme esforço físico, mental e logístico para este desafio. Percebi que o seu merecido reconhecimento veio por ter alçado uma meta muito superior daquelas desenhadas pelos que apenas se limitaram a longas remadas, mas por caminhos já trilhados. Ele foi premiado por superar as expectativas medianas com um feito mensurável.

Tema 02: imagine você, dono de uma sapataria e seu ganho por par de sapato é de R$ 100,00 e paga aos funcionários um salário fixo de R$ 1.000,00, mais comissão. Portanto é razoável que seus vendedores só recebam comissão após venderem o 10º par de sapato no mês, quando já “pagaram” seu salário fixo. A partir do 11º par, seria coerente comissioná-los.

Em uma primeira análise parece coerente, mas esqueçamos esta frágil prerrogativa matemática. Vejamos esta reflexão sobre a ótica comercial que você lojista/empresário precisa ter para maximizar seus ganhos e ao mesmo tempo, pagar salários atrativos para seus melhores vendedores. Você sabe que seu salário fixo é competitivo, e com mediano esforço nas vendas, seus vendedores conseguem vender 30 pares de sapato/mês. Pergunto: como empresário pagaria salário variável para vendas acima de 10 ou 30 pares de sapato por mês? A resposta comercial seria 30.

Meritocracia. A partir de…

No caso da loja de sapato estava fácil definir o número 30, mas como fica a definição do que seja uma mediana aceitável para seus profissionais de venda? Você respeitaria a estrutura local, a região, a concorrência e reconheceria claramente o nível de saturação de soluções daquela base de clientes? Você realmente saberia quanto seu funcionário poderia crescer sobre sua base de clientes, saturando-a saudavelmente sem agredi-la? Dificilmente poderia responder SIM, ou seja, temos então uma baixa coerência na meritocracia a ser explicitada através dos salários variáveis.
Claro. Sabemos que o ótimo é inimigo do bom, mas isto não é desculpa para não irmos desde já construindo melhores padrões.

Neste contexto, observo que as bases de clientes que analiso estão mal atendidas com as óbvias soluções já disponíveis na cooperativa. Portanto, antes de pagar prêmios desfocados, devemos definir para cada carteira patamares de saturação média para só então pagar variáveis a partir destes patamares. São os 30 pares de sapato. Ou seja, premiação extra somente se houver entrega de excedente, pois pelo atual salário fixo todos nós devemos entregar uma razoável produção comercial. Simples, mas esquecemos desta obviedade quando pagamos comissão já para o 1º par de sapato vendido.

Chega de premiação em público

Nestes mais de 30 anos já vi e participei de entregas públicas de prêmios aos ditos “melhores vendedores”. Realmente é uma grande motivação para um pequeno grupo de profissionais, e desmotivação para uma centena de outros, que muitas vezes são muito melhores que os premiados. Isto se agrava se a “campanha” durar equivocadamente mais de 3 meses (o que é um século para nosso negócio), ou se as posições parciais dos líderes na campanha forem muito superiores às dos demais concorrentes. Este aspecto facilmente ocorre e desmotiva mais de 2/3 dos participantes.

Aqui destaco um ponto de atenção: Eventualmente os profissionais que definem as metas não têm a maledicência e vivência do pessoal que está no dia-a-dia na área comercial das agências, e isto permite que facilmente as campanhas sejam ganhas por aqueles que mais a “estudam” e/ou se “preparam” para recebê-la. Utilizam o famoso “jeitinho brasileiro” para se sair bem, no entanto trazem “riscos” para a instituição. Trabalham somente sob o “flash” das campanhas, convertendo-a em “prêmios” e/ou “promoção” pessoal e de cargo. Estes são estrategicamente relapsos na perfeita condução do óbvio comercial do dia-a-dia sobre sua base, que é a venda de soluções com transparência e qualidade, e tendem a ser descompromissados com a formação de seu pessoal.

Loucura: meta atingida em 200%, 300% …

Tenho presenciado metas comerciais atingidas com percentuais estratosféricos. Trabalhei 3 anos na equipe que definia metas para mais de 3 mil gerentes de um grande banco. Quando alguma meta era atingida em altíssimo percentual, sabíamos claramente que era um erro de nossa equipe, pois usamos parâmetros globais, desrespeitando alguma forte especificidade daquela carteira ou agência. Assim sendo, afirmo que há aspectos locais que devem ser ponderados com parcimônia, como: uma “super safra”; um novo grande cliente; a saída de um concorrente; uma carteira/agência nova ou mal trabalhada; uma oferta de produto novo de alta demanda; um gestor inexperiente; falta de pessoal; uma unidade com problemas estruturais etc. A não ponderação de um destes fatores, pode nos levar a dedução de que não temos profissionais e sim “super-homens” em vendas, ou mesmo vendedores medíocres se o fato pontual tiver efeito negativo.

Assim, pagar 14º, 15º… salários pode ser um sintoma do equívoco acima exposto. Quem sabe, não suavizaríamos estas ocorrências se passássemos a pagar somente por campanhas trimestrais ou mesmo definíssemos patamares mínimos de venda para grupos distintos de agências. Ou seja, 20 pares de sapato para umas, 40 pares para outras, 80…. ou até mesmo definir uma meta distinta para uma determinada loja baseada em tênis de corridas. Importante: é prudente esperar, quando muito, uma superação forte das metas em algo próximo de 20 a 50%. Mais do que isto, afirmo que as metas foram definidas de forma ineficaz e atrapalhou muito mais que ajudou a singular. Resumidamente: Ainda não temos um grande grupo de “super-homens” vendedores para que muitos atinjam facilmente percentuais acima de 100% de superação da meta.

Afrouxar a Gravata?

Os gerentes astutos podem se valer da antiga teoria que chamávamos de: “afrouxar gravatas”. É bem simples. Imaginemos que a agência tem uma meta trimestral para um produto. Se no primeiro mês ela está quase atingida, o gerente “orienta” para que nenhum outro profissional da unidade foque nesta venda – relaxando sobre esta meta. Ele sabe! Caso continuasse a vendê-las no ritmo original, teria mérito excessivo nesta campanha, mas muito em breve não conseguiria bater esta meta pela saturação de sua base. Sabe que usualmente as metas são balizadas em um percentual sobre sua base atual, com pequenas inferências. Assim, evitará que suas próximas metas sejam difíceis e crescentes, e que haja demissão (dele e da equipe) pelo não cumprimento de metas. Como benefício indireto, será bem visto e considerado “medianamente” competente e dificilmente “convocado” a mudar de cidade para “novos” desafios. Cuidado: um profissional pode utilizar-se desta engenharia como válvula de escape para “mostrar” serviço diante de uma nova agência ou carteira, ou mesmo impressionar um novo líder, obtendo mágicos resultados sobre sua velha base.

Neste contexto, deve-se evitar definir metas utilizando fortemente o atual nível de penetração de uma solução. Ou seja, esqueçam a “técnica” do clicar e arrastar no Excel para definição de metas. Isto é um grave equívoco comercial e só prostitui o quadro comercial mais antenado.

Alguns outros temas para reflexão:

Conclusão

Salário Variável & Metas e as ações deles decorrentes são um campo minado, mas necessário percorrer, e quanto mais informação, mais seguro será. Assim, espero ter compartilhado novas reflexões com você, ajudando-o a ser ainda mais eficaz na gestão comercial de sua singular.

Fiquemos com o ensinamento do filósofo Louis Lavelle: “O maior bem que podemos fazer aos outros não é oferecer-lhes nossa riqueza, mas levá-los a descobrir a deles”.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 29/01/2010