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Lembro com saudades de meu sogro, Sr. Domingos, quando durante nossas férias na casa da praia, em uma ensolarada manhã, comentou que o mar iria piorar após o almoço, com muita chuva e vento. Incrédulo, olhei para ele e para o céu e não vi nada que justificasse aquela afirmação. Com serenidade ele chamou minha atenção para umas poucas nuvens escuras que estavam por detrás da serra, e que pouco se podia ver. Disse que no verão a serra bloqueia a passagem das nuvens carregadas e quando o dia as esquenta, elas rompem a serra, mudando drasticamente o tempo no litoral. Passada algumas horas, o tempo mudou com muito vento e chuva. Aproveitei o tempo instável conversando sobre vários interessantes assuntos com aquela distinta pessoa, e ele fez uma pausa entre as conversas, pedindo para que eu sempre entendesse que tudo na vida é cíclico.

Diante dessa singela história, vejo que também será cíclica a crise econômica e o agravamento das renegociações que, de tempos em tempos, teima em oscilar entre fartura e escassez, mudando apenas os agentes, nomenclaturas e sua duração. Agora novamente viveremos renegociações diante da fase de escassez econômica, a qual já é percebida pelo crescimento destas operações. Será um árduo aprendizado para nossos líderes, já que terão que conviver por anos com uma elevada inadimplência e com elevadas perdas, e terão que ter serenidade, pró-atividade e astúcia para assimilar e superar este duro cenário.

Revisão de Preceitos e Conceitos: antes de continuarmos sugerimos alinhar alguns preceitos para uma melhor compreensão deste artigo, pois reconheço que ainda há divergências sobre o que seja renegociação, em especial quando comparada com o refinanciamento. Assim, vamos antes expor nossas ponderações, para que você tenha subsídios para acompanhar nossas argumentações.

Conceito de financiamento e suas derivações: perante o renomado dicionário Michaelis da língua portuguesa – financiar – é: 1. Ação ou efeito de financiar. 2. Concessão de prazo para o pagamento de dívidas comerciais. 3. Empréstimo de dinheiro.refinanciamento é o ato ou efeito de refinanciar. Já mercadologicamente usa-se o conceito de financiamento quando a liberação do crédito é destinada a aquisição da compra de um bem, que usualmente é dado em garantia. Esta conceituação é a mesma que é seguida pelo Banco Central em uma resposta pública em seu site sobre o que é financiamento. Vale ressaltar que, formalmente, não encontramos menção quanto ao uso da palavra refinanciamento, a qual é usada coloquialmente no mercado financeiro para explicitar a concessão de um crédito para a aquisição de um bem anteriormente financiado e/ou de posse do futuro devedor, sendo que a utilização deste bem como garantia é facultativa. Portanto, o conceito de refinanciamento é amplo e vago dependendo do contexto e interesses das partes.

Conceito da Renegociação frente ao BC: Diferente do conceito vago do refinanciamento para o qual não encontramos regulamentação legal, a renegociação é muito mais efetiva, como veremos. A Resolução 2.682/99 dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Ela é clara ao definir: “A operação objeto de renegociação deve ser mantida, no mínimo, no mesmo nível de risco em que estiver classificada…” e no seu 3º parágrafo menciona que: “considera-se renegociação a composição de dívida, a prorrogação, a novação, a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos prazos de vencimento ou nas condições de pagamento originalmente pactuadas”. Importante observar que na frase “a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação anterior”, citada nesta resolução fica claro que o conceito usual de refinanciamento a ser explicitado abaixo é para o BC classificado como renegociação.

Nossa Proposta Prudencial unicamente para o acompanhamento do crédito: diante da força da Resolução do BC 2.682/99 quanto a magnitude e clareza da aplicação do termo renegociação e da inexistência da terminologia “refinanciamento” nesta mesma resolução, sugerimos que nosso modelo de negócio passe a analisar a possibilidade de adotar os dois conceitos conforme abaixo:

Refinanciamento

Utilizaremos unicamente este termo quando em uma situação de adimplência de um crédito específico ou de inadimplência deste crédito com risco até “C”, inclusive (até 60 dias em atraso), em qualquer crédito conosco. E quando concordarmos em alongar este crédito na mesma linha, inclusive com a opção por parte da instituição de liberar valores acima do saldo devedor deste crédito original.

Importante: Vale observar que para clientes com risco acima de “C”, não é prudente refinanciar um crédito (ou dar um novo), mantendo a mesma linha, haja vista os sinais claros de deterioração da liquidez do cliente.

Renegociação

Propomos que haja dois cenários para as renegociações:

  1. Estressante: esta é a situação corriqueira. Clientes com inadimplência e que tenham conosco risco de crédito acima de “C” inclusive (mais de 61 dias de inadimplência) em qualquer crédito, e que, após serem procurados ou nos procurarem espontaneamente, tenha havido um acordo de que suas dívidas (sejam elas oriundas de um crédito ou mais) serão repactuadas em uma única operação que utilizará uma linha de crédito rotulada de “renegociação”, onde ajustaremos a forma de pagamento à nova realidade do cliente.
  2. Saudável: situação rara. Clientes que tenham conosco risco até “C” inclusive (menos de 60 dias de inadimplência) e que supostamente tenham, por si só, identificado proativamente uma situação de deterioração de sua liquidez futura, e que nos procurem para pedir que todos os seus créditos sejam aglutinados em um único crédito, ajustando as condições a sua nova capacidade de pagamento.

Por fim, fica tácito que há claridade perante o órgão regulador do que seja renegociação, mas percebemos que acontecem descompassos, seja na condução da carteira, seja no entendimento dos auditores quanto às provisões, como revelo em alguns relatos contidos em nosso artigo de 01/2014 “Renegociação nas Singulares – estratégias e pontos de atenção”. Vale relê-lo!

Renegociações serão sempre nuvens carregadas: o Banco Central informa que nos primeiros cinco meses de 2015 cresceu em 30% o volume de renegociações, não fazendo nenhuma menção a refinanciamento como usualmente vemos rotular muitas destas operações. Seria prudencial que nossos líderes saibam o histórico de suas reais renegociações e se há motivos para preocupação. Sim, pois se não ofertássemos a renegociação (ou “refinanciamentos”), em conceito, teríamos agravado a inadimplência, provisões e perdas, afetando as Sobras. Portanto, é esperado que por anos existirão nuvens carregadas sobre nossas Singulares, haja vista esta ser a realidade nacional.

Nossos líderes como doutores em meteorologia: não resta dúvida que a gestão da renegociação diante deste novo cinzento cenário é algo desconhecido por muitos de nossos líderes, pois a última grande nuvem escura deu-se há mais de quinze anos.

Isso posto, nossos líderes devem desde já:

  1. Criar indicadores eficazes que permitam monitorar o volume histórico e os movimentos recentes de renegociações e “refinanciamentos”, sempre ponderando esta evolução sobre o total histórico de cada linha, haja vista que, quando coerente deve se buscar alocar uma única linha que atenda ao cliente na totalidade creditícia, tendo em vista que sua capacidade de pagamento anterior já foi motivo de análise no início do crédito.
  2. Definir que, caso o cliente não tenha condições de liquidez mínima, a regra prudencial será rapidamente endurecida acionando birôs, cobrança formais, avais e demais garantias.
  3. Normatizar que as linhas de crédito direcionadas a renegociação serão cadastradas com este “rótulo”, e não mais serão utilizadas linhas de créditos normais parcelados. A manutenção das linhas normais parceladas para renegociações (e “refinanciamento”) não permitem gestões e análises dinâmicas do histórico das operações das renegociações parceladas. A adoção de linhas específicas para a renegociação permite também definir claramente na política de crédito taxas, tarifas, prazos e os seus aciones legais, algo hoje falho em muitos manuais.
  4. Ficar atentos as usuais, mas nada saudáveis opções de alongamento dos prazos visando socorrer um cliente, mesmo não tendo condições de honrá-la, para que, assim retire ou evite ter seu nome em birôs de “negativação” e/ou não agravemos nossas provisões.
  5. Analisar que tendemos a alongar o prazo nas renegociações, mas raramente atentamos para o perfil de nossas captações as quais tendem a se manter em grande parte liberadas após 31 dias. Nossas captações são responsáveis por boa parte do funding – dinheiro para emprestar – e deveríamos despender esforços para ajustá-la ao perfil e longevidade da potencial carteira.
  6. Conhecer e acompanhar o prazo médio das suas carteiras de forma distinta, com destaque para as renegociações, sempre observando os tickets médios, mas desprezando antes do cálculo seus extremos para não interferir na qualidade deste balizador (desvio padrão).
  7. Atentar para o fato de que o agravamento da crise financeira implicará em uma menor liquidez dos clientes, causando uma redução do depósito a vista, menores Sobras e consequente redução de aportes em Capital Social, encarecendo assim o funding. Em um cenário de crise naturalmente as captações em depósito a prazo tendem a crescer pelo desinteresse do empreendedor e investidor em correr risco, agravado pelo postergar compras de bens e serviços. Portanto, os recursos dos tradicionais investidores se aninham mais facilmente, em especial pela ótica da maior remuneração pela Selic (DI), acarretando maiores custos a Singular sem que haja elevação saudável das receitas com créditos.
  8. Acompanhar com muita atenção a natural solicitação de saques em cota capital, pois crescerá muito o número de sócios com problemas de liquidez. Na ótica desses, estes seus valores são suas “poupanças” (e, por isso, devem ser devolvidos de imediato), ou mesmo são valores que deveriam ser usados em processos de renegociação, sem sua exclusão do quadro associativo. Este fato poderá ser intenso nas Singulares que não remuneram o Capital Social pela Selic.
  9. Monitorar como as evoluções das provisões e das renegociações afetam as Sobras. É sabido que diante da crise iremos conviver com a queda nos resultados da venda e renovações de nossas tradicionais soluções não creditícias. E uma elevada parte desta queda virá dos atuais clientes com renegociações. Neste cenário de perda de receita e elevação de custos, haverá necessidade de rever a política de remuneração do capital social pela Selic, bem como analisar a redução dos aportes das Sobras para as Reservas, o Fates e o Capital Social, haja vista estarem atrelados aos menores resultados. São estas algumas das preocupações dos líderes.

Renegociação – O raio cai duas vezes em um mesmo lugar: vemos com atenção que muitas Singulares no afã de ajudar o devedor com problemas reduzem os juros do financiamento e alongam muito o prazo. Algo justo se fosse uma primeira ação, visando resgatar o cliente que apenas recentemente vive uma situação de baixa liquidez, e que acreditamos terá condições de voltar a ser um bom cliente em um prazo mediano. O que nos faculta imaginar que, neste cenário, voltaríamos a ter resultados comerciais saudáveis para nosso modelo de negócio. Contudo, se o cliente é reincidente na renegociação, a dosagem do remédio e o aperto do torniquete devem ser mais severos, pois há uma grande chance dele ficar inadimplente no mercado e insolvente com a Singular. Frente a estes clientes-problema, devemos agir para recuperar o principal, e se possível os juros, multas e custas, mas não deveríamos alimentar esperanças de resgatá-los, acreditando que em um futuro qualquer, alguns deles voltem a ser bons sócios e ainda reconheçam nossos esforços.

É natural que tenhamos sempre um lote de clientes-problema que precisam ser doados ao mercado, e essa deve ser uma decisão rápida. Pode parecer pouco coerente, mas não cabe aos nossos gestores causar prejuízos em função de políticas menos agressivas com clientes devedores de baixíssima liquidez. Deve ser nossa política ajudar clientes com problemas creditícios até o limite da coerência racional do modelo de negócio, e nunca baseada nas premissas “associativistas”, emocionais ou crenças conceituais. Antes de ajudar “demasiadamente” um devedor deveríamos nos perguntar: Faria esta repactuação se o dinheiro fosse meu, ou adotaríamos a fria razão, atitude esta que é a esperada pela maioria dos sócios com dinheiro investido em nosso empreendimento?

Política austera de renegociação: percebemos que a renegociação em muitos manuais de crédito é algo pouco explicitado, permitindo que prazos e taxas sejam definidos de forma intempestiva, transparecendo que, em conceito, seguimos a linha aparentemente lógica (renegociar para receber). Algo agravado por não encontrarmos facilmente em manuais de crédito uma distinção tratando os créditos repactuados, independente se eles já são fruto de uma ou mais renegociações ou de refinanciamentos. Diante destas constatações e da indiscutível crise econômica que se avizinha, é urgente que sua Singular desenvolva uma política de renegociação detalhada, racional, rápida e austera, definindo literalmente até quando trataremos um devedor como resgatável ou interessante comercialmente, e quando passaremos a ser austeros visando recuperar os recursos deixados aos nossos cuidados pelos outros sócios, os quais confiaram a nós sua guarda e uma boa rentabilidade.

Vale ressaltar ainda que não nos parece prudente a política de reduzir juros frente a uma renegociação, e, sim, ajustar a prestação e prazo a sua nova realidade de liquidez. O cliente já sinalizou problemas, os quais certamente não nos fariam dar a ele novos créditos, portanto, hoje não desejaríamos tê-lo em nossa carteira de crédito. É importante frisar que, em função da penúria do devedor e da nossa necessidade financeira e contábil de reaver os valores, dificilmente haverá melhorias das garantias. Assim, cabe-nos atenção na busca de nosso principal o quanto antes.

Por fim, como solução comercial paliativa, caso acreditemos que o cliente em refinanciamento em breve voltará a ser rentável e aderente a nossas soluções saudáveis, ele deve pagar pelos serviços básicos da conta corrente nos quais não devemos ter qualquer exposição creditícia e de imagem até que fique em condições muito serenas de liquidez. Vale ressaltar que não há qualquer problema comercial em manter ativo na carteira clientes com apontamentos nos birôs de negativação, desde que não nos devam mais nada e usem apenas o cartão de débito, sacando sobre seu saldo positivo. Ainda cabe aos líderes validarem se, em um refinanciamento, visando manter metas e ranking, não foram incoerentemente mantidas outras soluções de menor relevância frente à crise do cliente.

Impactos subjetivos da renegociação nas Sobras: observa-se que as Sobras crescem mesmo tendo uma evolução na carteira refinanciada/renegociada, a qual, gradualmente, pelo pagamento de algumas parcelas em dia (de uma grande dívida anterior) irá seguir a mesma régua de provisão de um crédito saudável, algo realmente pouco coerente e que deveria ser motivo de reflexão de nossos líderes, em especial das Singulares com Governança. Ao renegociar as operações inadimplentes, em prazos maiores e prestações menores, gradualmente restauram-se baixas provisões, melhorando as Sobras, como se a origem destes créditos fossem normais, o que verdadeiramente não o é. Neste cenário passa-se equivocadamente um sinal aos sócios e a sensação de que a crise não afetou em quase nada a instituição, em especial frente a sua rentabilidade e a qualidade de sua carteira de crédito. E muito menos fica transparente por qual período ainda esta parcela frágil da carteira creditícia irá impactar a perenidade da instituição, e se há ainda alguma onda para ser absorvida. É bom frisar que neste cenário foca-se nas repactuações, atacando a febre e não a causa. Deixando de rever a eficácia do processo, da capacitação e a eficácia das políticas comerciais, do manual de crédito, das alçadas e do comitê de crédito, dos auditores etc.

Renegociação sempre é algo esperado: dar crédito de varejo massificado de forma lenta, com garantias reais ou com limites abaixo da concorrência é um posicionamento seguro, mas que não permitirá nossa perpetuação. Precisamos, com parcimônia, ousar no crédito, e para isto devemos reinventar a política de crédito visando fluidez, precificação, acompanhamento e gestão da inadimplência. Se não dermos crédito de forma dinâmica e coerente no varejo corremos o risco de inviabilizar nosso modelo de negócio e tornamos inglória a fundação da nossa Singular.

Para crescer, precisamos ousar. Reforço que, para alguns, os conceitos quanto à inadimplência foram edificados em épocas de bonança, onde as inadimplências eram baixas e os clientes atuais nos permitiram crescer até que de forma razoável. Nesta proporção da crise, naturalmente o agravamento das repactuações e provisões irão corroer as Sobras. E algo indesejado se aproxima. Boa parte do saldo de nossa carteira de crédito pode ter prazo remanescente de dois anos ou mais, e foi precificada na época de bonança, com discreto peso da inadimplência. Contudo, ela navegará por um longo tempo na crise sem esta devida precificação, tornando-a frágil comercialmente.

Reflexões finais: as quantidades, volumes e juros oriundos de “refinanciamentos” e renegociações devem ser analisados de forma distinta pelos nossos líderes, para que não se sintam tentados a considerá-los como saudáveis, unicamente por terem sido uma das inúmeras fontes das Sobras.

Em conceito, a renegociação é uma opção creditícia que tenta resgatar um bom tomador de crédito que passa por uma crise financeira. Esta operação não afeta a liquidez da Singular, pois não envolve novas liberações. Contudo, se o nosso julgamento original quanto ao quilate do cliente mudou ou foi equivocado, é bom rapidamente assumir este ônus e, após receber o possível, presentear a concorrência com este cliente-problema. Mas, nosso quadro comercial deve repor essa “vaga”, substituindo-a por um cliente melhor, caso contrário, emperraremos a engrenagem que viabiliza a perenidade comercial da instituição.

Sugerimos que reflita sobre a nossa proposta paliativa de uso do conceito interno de refinanciamento como algo eventual e saudável diante de um cliente com um suave problema de liquidez. Relembrando que a renegociação deve ser aplicada apenas para clientes com estresse de liquidez e que esta é a única nomenclatura legal, conforme a Resolução 2.682/99. Pedimos atenção frente a adoção de práticas comerciais distintas desta normativa, pois estas podem afetar a lisura contábil, suavizando a leitura de realidades mais severas, as quais são naturais e esperadas diante de crises econômicas.

Renegociação – Nesta fumaça há muito fogo

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 01/08/2015

Resumo do Artigo: Renegociação – Nesta fumaça há muito fogo

Conceito Prático para Acompanhamento Internos dos Riscos

“Refinanciamento” X Renegociação