Provisão pelo Giro da Carteira e não apenas pelo seu Saldo

Imagine que você dirigiu seu veículo durante uma hora a 100 km/h em uma estrada, na qual o limite de velocidade é de 80 km/h. Nela não havia radares móveis e nem fixos. Você se rotularia de um bom motorista por não ter sido multado? Agora imaginemos que você é o Diretor ou Gerente de uma Agência em uma Singular, e que em 31/12/201X apresentou uma Provisão de 3% sobre o saldo da carteira, o que é considerado razoável pela sua instituição. Apenas essa informação bastaria para que você considerasse essa sua gestão como de qualidade?

Esse artigo questiona nossos tradicionais critérios numéricos baseados nos saldos de carteira em uma data específica para julgar uma gestão como eficaz ou não. Destacamos entre eles os que medem nossas Provisões (ou Perdas) em uma Singular (ou Agência), pois tais critérios não questionam a composição e a complexidade dessas carteiras, muito menos observam outros fatores que lhes são peculiares e que, portanto, podem distorcer nossos clássicos indicadores de risco.

Provisão pelo Giro da Carteira e não apenas pelo seu Saldo: Para que possamos ser mais didáticos e permitir a perfeita compreensão de nosso ponto de vista, elaboramos esse reflexivo artigo, pois tendemos automaticamente a validar nossa eficácia quanto à Provisão por meio de um índice com base no saldo da carteira, inclusive usando-o como se fosse totalmente representativo desse universo e, assim, nos permitindo comparar carteiras como eficazes ou não. Dessa forma, esse tradicional acompanhamento atende às expectativas contábeis, mas limita uma análise mais criteriosa e comercial para acompanharmos as carteiras de crédito quanto ao risco, não explicitando, por exemplo, o nível de estresse dessas soluções creditícias e o esforço de nosso quadro comercial na condução dessa carteira.

Passemos a analisar cuidadosamente o quadro abaixo, estudando o cálculo das colunas em vermelho, sempre ponderando que essas entidades utilizam os mesmos produtos, as mesmas taxa de juros e as mesmas garantias, exceto os prazos que são normais na Singular “A” e menores nas “B” e “C”, já que essas têm uma baixa liquidez e/ou um mercado mais complexo ou sendo desbravado.

220 - PROVISAO PELO GIRO DA CARTEIRA E NAO APENAS PELO SEU SALDO

Perceba que, certamente rotularíamos as três Singulares como de mesmo risco, caso não nos debruçássemos nessas informações das colunas em vermelho. Mas vê-se que são Singulares com perfis de risco distintos, portanto, não é possível afirmar que são geridas por grupos de profissionais de um mesmo quilate quanto ao risco, já que seguramente atuam em mercados distintos e/ou com políticas distintas. Sabe-se, contudo, que a entidade Singular/Agência “C” apresenta uma gestão de créditos mais intensa e provavelmente mais complexa, com uma Provisão de 3%, liberando anualmente R$ 4.200.000,00 contra os modestos R$ 2.800.000,00 liberados pela entidade “A”.

Grau de acerto nas liberações: Já quando analisamos o grau de acerto de cada uma dessas instituições frente à quantidade de créditos liberados, vemos que a Singular “C” tem uma carteira muito mais complexa, pois, quando comparada com a Singular “A”, ela analisou cinco vezes mais créditos e liberou quase o dobro em volume, mantendo, contudo, o mesmo percentual de Provisão, o que é um feito relevante. Dessa feita, a Singular “C” naturalmente gira muito mais sua carteira do que as demais para obter o mesmo saldo médio e de Provisão, obrigando a maiores custos pelas inúmeras análises de créditos, processos, acompanhamento etc.

Após analisarmos esse quadro, nos parece que o mercado da Singular “A” é mais estruturado, com créditos maiores e mais longos, fazendo com que o volume de créditos individuais liberados seja maior que das demais aqui comparadas. Perfil esse comumente visto na Agência localizada na sede da Singular.

Qualidade das pessoas e processo: Sendo assim, fica a pergunta: será que a Singular “A” teria esse mesmo grau de assertividade em sua carteira de crédito se tivesse que liberar nesse mesmo período o dobro de volume de crédito e cinco vezes mais liberações? Será que a Singular “A” suportaria esse custo operacional extra, caso tivesse que liberar cinco vezes mais créditos durante esse mesmo período? O gestor da entidade “A” teria a mesma eficácia caso fosse transferido para a entidade “C”? Qual o custo adicional operacional e de monitoramento da Singular/Agência “C” para manter o volume de R$ 2.000.000,00 em sua carteira, com uma Provisão de 3%, algo rotulado pelos envolvidos como razoável?

Nível de Perda embutido na taxa: Partindo do pressuposto de que as três entidades comparadas operam com os mesmos produtos e taxa, exceto o prazo que é menor nas Singulares “B” e “C”, nos parece que a Singular “C”, em especial, tem muito mais acerto na concessão de crédito quanto a Provisão do que as demais. Contudo, é impossível afirmar, com o nível de informação desse artigo, que a parcela da taxa de juros prevista para Perdas está bem equacionada. Portanto, não temos como afirmar que a precificação de Perdas nesse cenário estaria bem equacionada nessas Singulares. Diante desse arrazoado de fatos dessas três entidades, deveríamos ser mais cautelosos em compará-las como sendo de um mesmo quilate quanto ao risco de crédito, unicamente por apresentarem 3% de Provisão sobre a carteira em uma data específica do ano. O que deve ser monitorado com afinco é se a “Perda” dessas carteiras foi corretamente precificada quando da definição dessas taxas de juros, já que a Provisão, como tratado em meu artigo de 15/11/2014, é: “uma inteligente poupança a ser reinventada”.

Outras ponderações: Poderíamos ainda avaliar: as sazonalidades normais de cada praça; as naturais oscilações de Perdas e Provisões durante o ano que podem inclusive ser muito distantes dos 3%, algo definido aqui como razoável; as análises dos auditores que podem não ser efetivas; a qualidade da equipe operacional da Singular/Agência “C”; a complexidade de gerir o funding das agências com maior giro da sua carteira, em especial se essa entidade, por problemas de liquidez, trabalhar com prazos mais curtos etc.

Reflexões Finais: Pondere se não seria prudente criar indicadores para também comparar as Provisões de Singulares ou de Agências pelo Giro da carteira.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 24/09/2018