Provisão e Perdas abrem suas caixas de Pandora

Caixa de Pandora é um artefato da mitologia grega, tirada do mito da criação de Pandora, que foi a primeira mulher criada por Zeus. A “caixa” era na verdade um grande jarro dado a Pandora, que continha todos os males do mundo. Pandora então por curiosidade abre o jarro, deixando escapar todos os males do mundo, menos a “esperança”. Dessa feita podemos fazer uma correlação da caixa de Pandora com os males que estão internalizados pela Provisão e Perdas, males esses que são liberados de forma generosa diante de crises econômicas, tal qual e pela qual passamos.

Propomos nesse breve artigo oportunas reflexões, na crença de que ainda nossas Provisões e Perdas tivessem abertas apenas uma pequena fresta da sua Caixa de Pandora (males do mundo). Ou seja, estaríamos vivenciando perdas creditícias não maiores do que aquelas que naturalmente aceitamos frente à natureza de risco de nosso modelo de negócio. Vamos as nossas reflexões:

Provisões

  1. As provisões de risco “AA e A” de clientes sem atraso (zero dia) devem ser desconsideradas nas posições gerencial das provisões, já que há uma boa chance de recebermos esses créditos.
  2. As provisões de clientes com risco “A” com atraso de 1 a 14 dias devem ser monitoradas, pois apesar de serem risco “A”, vê-se na prática que esse atraso de alguns dias pode sinalizar anormalidade, em especial quando tem origem de clientes novos ou de baixa aderência. Ou ainda se o atraso não é originado por soluções desalinhadas do fluxo de renda do sócio.
    • Portanto teríamos risco “A” (sem atraso) e “A+” (atraso de 1 a 14 dias).
  3. As provisões de risco “B” (atraso de 15 a 29 dias) devem ser geridas com atenção, apesar da prática nos demonstrar que usualmente serão situações facilmente contornadas, em especial se forem oriundas de Pessoa Física, que tendem a ter rendas mensais e terem elevada flexibilidade em conseguir rendas para atender atrasos recentes.
  4. As provisões de risco “C a H” (atraso de 30 a 180 dias) compõem a Provisão de estresse e esse montante deve ser gerenciado de forma distinta para que possamos entender os movimentos e concentrações de entradas e saídas de cada uma das letras de risco.

Perdas:

  1. Devem ser monitoradas de forma mais ampla do que apenas pelo seu saldo. Deve-se atentar pelo fluxo das entradas vinda das Provisões e suas saídas, visando identificar se mesmo com queda do saldo global de perdas, o fluxo de entrada sinalizar que o cenário é desfavorável.
  2. Perdas de Pessoa Jurídica devem ter prioridade haja vista sua forte deterioração na liquidez.
  3. As perdas devem ter no mínimo 4 grupos em função dos dias da contabilização em prejuízo: de 1 a 180; de 181 a 360; de 361 a 720, e mais de 721. Assim teríamos a gestão de 4 safras de prejuízo e entenderíamos com mais astúcia a composição e o movimento de nossas perdas.

Importantíssimo: desde 2005 o Banco Central utiliza de parâmetros de mercado que se distanciam dos riscos de “AA a H” (Res. 2682/99). Essa Resolução pode parecer prudente em um primeiro momento, mas na prática apresenta sérias imperfeições quanto a gestão de uma carteira de crédito. O Banco Central adota o conceito de atraso para créditos com 15 a 90 dias de vencidos, e inadimplência para créditos vencidos a mais de 90 dias. Essa adoção por parâmetros mundiais pelo BC é materializada quando se vê apenas o conceito de atraso e inadimplência na apresentação do Panorama do Mercado de Crédito de 05/2017 feita pelo presidente do Banco Central, Sr. Ilan Goldfajn. E é relevante compartilhar que nessa apresentação fica notório que o risco pelo atraso (15 a 90 dias) de Pessoas Físicas é muito maior que sua inadimplência, sinalizando que esses cidadãos tendem “de forma criativa” conseguirem recursos para cobrir seus atrasos. Fato que não ocorre quando se analisa os gráficos apresentados de Pessoa Jurídica. Neles se vê que claramente qualquer atraso segue a linha de inadimplência, sinalizando que quando uma empresa dá sinais de fraca liquidez, pouco ela pode fazer para solucionar seu descompasso, potencializando o risco.

Reflexões Finais: parece-nos que a Caixas de Pandora (“maldades”) que podemos abstrair desse artigo são o fato de que a provisão pela Res. 2682/99 tem relevância contábil e fiscal, mas baixa eficácia quanto a eficaz gestão de nosso risco, e que a gestão do risco de Pessoa Jurídica, que hoje tanto incomoda as Singulares, deve ser feita por métricas específicas e supervisionada por uma justíssima régua de cobrança, assim esquecendo a “complacente” régua da Pessoa Física.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho
Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 11/08/2017