Ponderações ao BC – Edital de Consulta Pública 47/2014

Este documento é na íntegra o que foi repassado ao BC no e-mail denor@bcb.gov.br, com as nossas ponderações frente ao edital de Consulta Pública 47/2014, o qual, de forma inovadora, propõe melhorias ao Cooperativismo de Crédito. Este material também foi enviado via e-mail aos nossos mais de 12.000 leitores. Também será postado em nosso site juntamente com os outros quase 200 artigos sobre nosso modelo de negócio, já postados em nosso site.

Contudo, em virtude de nosso intenso relacionamento comercial e independente nestes últimos dez anos com várias Singulares e Centrais de várias bandeiras, tomamos a liberdade de desenvolver este complexo projeto que visa a propor ponderações com o objetivo de somar a esta abrangente e bem intencionada legislação. Este texto contou com o apoio do Sr. Marcos Silva – especialista em cooperativismo de crédito e Diretor Executivo da Sicoob Paulista.

Abaixo nossas ponderações:

1) Capítulo II–Da constituição, da autorização para funcionamento e da alteração estatutária

Arts. 2 a 13. Vemos que a estruturação é semelhante ao contido na Resolução 3.859, de 27 de maio de 2010, com detalhes na estrutura do plano de negócios sendo necessária a sua estruturação em plano financeiro (art.6, inciso IV, alínea “a”), plano mercadológico (art.6, inciso IV, alínea “b”) e plano operacional (art.6, inciso IV, alínea “c”).

Contudo, vê-se que no plano operacional (art.6, inciso IV, alínea “c”) no item 12 há referência a possibilidade do fundo garantidor interno no sistema a que este pertença, algo atualmente incoerente frente a existência do FGCoop.

Também neste capítulo questionamos a menção sobre a constituição de cooperativa central. Achamos que apesar de conter as exigências na proposta de regulamentação, elas apenas detalham alguns tópicos. Devemos refletir, porém, se o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC), instituído na Lei Complementar 130/09, condiz com a existência de mercado para constituição de novas Singulares e/ou Centrais diante de um cenário competitivo do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Ressaltamos que é usual no mercado cooperativista de crédito ver aglutinações ocorrendo devido à deficiência de uma Singular, a qual é incorporada por outra em uma melhor situação patrimonial e/ou econômica. Diante disto, fica a reflexão. Será que haverá novas constituições ou realmente deveríamos apenas promover o desejado ajuste mercadológico através de aglutinações proativas da própria bandeira, ou ainda, será que deveríamos optar, posteriormente, por aglutinações em intersistemas Sicoob, Sicredi, Unicred, Cresol etc.? Acreditamos que assim poderemos ver um real crescimento do cooperativismo de crédito frente ao SFN, como tão desejado pelo Banco Central.

2) Capítulo III – Da classificação das Cooperativa de Crédito e das condições estatutárias de admissão de associados

Arts. 14 a 16.  Vemos as novas classificações das cooperativas em: Plena (Art.14, inciso I), Clássica (Art.14, inciso II) e de Capital e Empréstimos (Art.14, inciso III). Em uma primeira análise entendemos que esse poderá ser o maior avanço normativo estipulado pelo Banco Central desde 2003, quando se permitiu a constituição e mudança estatutária para livre admissão. Na proposta normativa se permite a definição da área de atuação e do quadro de associados em decisão assemblear (art. 15).

Porém, pela vivência, propomos que os questionamentos sejam mais aprofundados e consistentes, pois:

Assim, ao permitir que após a análise do projeto pelo Banco Central a assembleia possa ratificar a nova área de ação da Singular, fica o alerta para que não sejamos simples diante de um tema tão complexo que certamente irá gerar ainda mais irracionais atritos comerciais entre irmãos cooperativistas de crédito, inclusive de mesma bandeira, como hoje já se verifica em muitas regiões. Este tema é muito complexo, e devemos analisá-lo em conjunto com a ampliação do quadro social e diante das atitudes políticas recentes. Senão, vejamos. No Concred de 2012, buscava-se a união dos bancos cooperativistas, porém não houve avanços diante dos descompassos políticos e comerciais. Já no Concred de 2014, em Manaus, esqueceu-se totalmente do mote do Concred de 2012 e passou-se a buscar, de forma discreta, apenas o compartilhamento de tecnologia e processo para redução de custos. Nota-se, então, que não há uma intenção efetiva de arredondar arestas políticas, o que deveria preceder a boa intenção da legislação. Assim fica fácil imaginar como será complexo vê-los tratando de forma conscienciosa e explícita esse problema da sobreposição de áreas, o que indiretamente potencializa perdas dos atuais poderes comerciais e políticos. A ampliação resolverá de imediato um problema de auditoria. Pois, em muitas Singulares, como ocorreu nos processos de livre admissão, havia clientes aceitos como sócios que não atendiam o estatuto, e assim, geravam apontamentos nas auditorias.

Mas o real fato que nos causa apreensão é outro. Sabemos que é cada vez menor a presença de sócios esclarecidos nas assembleias, não permitindo aprovarmos de forma fundamentada a ampliação da área de ação e, assim, agravar-se-ão os empecilhos políticos, minando nosso saudável crescimento. Portanto, cada vez menos teremos sócios esclarecidos em uma assembleia para decidir e ponderar aspectos tão complexos como a ampliação da área de atuação. Seria o caso de obrigar que os sócios que votassem em temas tão delicados tivessem obrigatoriamente passado por palestras independentes, explicitando, assim, as vantagens e desvantagens da amplitude da área de ação, pois se não houver coerência, logo teremos inúmeras Singulares trabalhando em uma mesma cidade ou região, quando não, muitas já ampliando sua área de ação como se fosse nacional. Claro que essa é uma previsão desconfortável, mas precisamos criar barreiras para que a criatividade excessiva não seja, nem ao menos, proposta aos órgãos reguladores, os quais vão receber uma enxurrada de pedidos de ampliação de área nestes próximos dois anos.

Apenas para reforçar que acreditamos ser fraco o nível de conhecimento dos sócios presentes na assembleia sobre a gestão de uma Singular, lembro que recentemente escrevi um artigo para alertar alguns líderes de grandes Singulares com Governança sobre ser equivocada a alegação aos sócios de que o valor distribuído nas Sobras é a forma mais inteligente de remunerar o Capital Social. Ocorre que ainda se vê em muitas das assembleias de Singulares que não fazem remuneração do Capital Social, como permite a LC130/09, um recorrente discurso de seus executivos e também no cotidiano dos gestores de agências, que o ganho nas Sobras é a forma mais inteligente de se remunerar seu Capital Social. Algo totalmente sem nexo.

Fica a pergunta: Estes sócios, muitas vezes representados por delegados, terão condições técnicas e consciência para aprovar uma ampliação da área de atuação? Duvidamos, pois esta é uma decisão estratégica e que precede de muito estudo e conhecimento. Outra pergunta que devemos responder é: esta Singular tem efetiva Governança ou apenas uma Governança apenas formal para atender ao regulador? Por fim, acreditamos que, em uma assembleia que apresente resultados positivos e inexistência de “bate chapa”, seria desnecessário levar a propositura de ampliação de área, pois, nestas condições, esta pauta será aprovada facilmente por um grupo cada vez menos representativo da sociedade. Isto ocorre mesmo que alguns sistemas se esforcem para dar transparência e representatividade à figura do delegado, em especial as que têm Governança, sendo que a figura do delegado já demonstra alguns vícios e fraquezas que crescem e não estão sendo tratados.Observações:

Tememos que não seja saudável o novo cenário promovido pela tríplice possibilidade de tipificação das Singulares proposta nesta consulta, algo que será agravado pelo favorecimento da extrema liberdade concorrencial entre Singulares, sem minimamente normatizar esta amplitude. Isto, pois, estas bem intencionadas propostas não são seguidas de aperfeiçoamento comercial, compartilhamento das melhores práticas e acomodamento dos atuais e futuros interesses políticos. Assim, manteremos nosso lento e desregrado crescimento diante de concorrentes sagazes e perspicazes comercialmente e tecnologicamente.

Já percebemos que a pura cópia de modelos maduros não será a melhor solução para nosso modelo concorrencial. A especificidade do mercado brasileiro somada aos aspectos velados de concorrência entre bandeiras e políticos, está sendo demasiadamente relegada nestas proposituras legais e eles irão emperrar qualquer boa intenção do órgão regulador, o qual acreditamos que tenha ainda uma ideia teórica, mas não o nível ideal de informações discretas dos bastidores de nosso modelo de negócio. Assim, não é porque não lhe chega de forma clara os aspectos aqui relatados, que eles não estão atravancando nosso crescimento, e, por isso, mereçam ser minimizados através de normativos desta nova resolução. Algo que foi esquecido no projeto de Governança que ainda engatinha em nosso modelo de negócio, por mais que os necessários discursos de muitos líderes desmintam nossa afirmativa, alegando que há melhorias quanto a risco, hierarquia, gestão e que são visíveis os benefícios aos sócios e a sociedade.

Conhecemos muitas Singulares de Capital e Empréstimo e a nova regulamentação irá penalizar sobremaneira, em especial as “independentes”. Elas precisam ser tratadas de forma distinta. Deveríamos nos atentar com muito mais empenho na legislação do tratamento dados as Singulares que ofereçam o processo de compensação de papeis (cheque, TED, DOC, títulos etc.). Percebe-se que os três patamares de Singulares as tratam como coirmãs atuando em um mesmo mercado. As de Capital e Empréstimo não são racionalmente beneficiadas pela aprovação de área de atuação e seus riscos deveriam ser mitigados de forma apartada das que ofertam serviços de compensação. Já que é nesta seara que iremos competir abertamente com os bancos de varejo, alavancando exponencialmente nossa exposição ao risco financeiro e de imagem.

3) Capítulo IV – Das operações

Arts. 17 e 18 – Continuidade na evidenciação das operações com associados e não associados, art. 17, inciso VIII, parágrafo 1º, alínea III.  As cooperativas plenas ampliarão o leque de operações ativas e passivas previstas no art. 18.

Devemos ponderar que as Singulares Plenas são nossas grandes entidades e têm maturidade para correrem riscos em mercados mais voláteis e atrativos e, assim sendo, estariam dispostas a um risco ampliado, o qual poderia ser mitigado pelos seus Conselhos de Administração e Executivos. Mas fica outra pergunta: A Singular foi constituída para essa finalidade? Por que agora, frente a uma opção normativa, a Singular passaria a ser mais agressiva? O cooperado terá a percepção dessa ampliação do eventual risco que a Singular poderá assumir? Isto seria capaz de ser entendido e formalmente tratado pela Governança? A gestão da venda de produtos e serviços de uma Singular deve ser ampla e competitiva, dentro das regras legais, o que sempre é bem vindo quando a legislação amplia este leque, mas a decisão de o que oferta e como ofertar é uma decisão exclusiva da Diretoria Executiva com apoio do Conselho, sem qualquer imposição externa.

Vale aqui lembrar algo já escrito há anos em um de nossos artigos. A nosso ver, apesar de tratado nesta nova regulamentação, é pouco coerente vermos Singulares captando fundo de investimento, mesmo que sejam 100% em DI. Estes recursos não geram funding e, assim, a riqueza gerada e depositada na Singular não é aplicada na região, gerando funding em outra região nacional muito provavelmente para bancos concorrentes que compram nossos papeis intermediados. Foquemos nas inúmeras vantagens do Depósito a Prazo. Ele, sim, é parceiro e alinhado com o projeto e princípios do cooperativismo de crédito. A poupança, como já escrito em vários artigos, deveria ter também minimizado seus esforços de captação pelos inúmeros fatores já explicitados, lembrando o que sempre oriento – o sócio quer poupar e não poupança. Assim sendo, o Depósito a Prazo é a melhor opção para o sócio e sua sociedade. Por fim, devemos lembrar que fundos de investimentos não são cobertos pelo FGCoop e que, frente à Governança e a abrangência desta resolução, essa informação deve estar em destaque nos materiais de comunicação aos sócios, inclusive quando da operacionalização da captação. Como também, conforme nosso entendimento, que seus ganhos nas Sobras são inexistentes, pois as receitas com taxa de administração ou performance, oriundas destes fundos de investimentos, são atos não cooperativos da Singular e devem ser 100% direcionadas para a aplicação total em FATES de atos não cooperativos.

4) Capítulo V – Do Capital e do Patrimônio

Arts. 19 e 22 – A exigência normativa de Patrimônio de Referência para início de atividade e enquadramento nos novos perfis previsto nos arts. 14 a 16. Nas vedações previstas no art. 22, mais profundidade na questão do rateio das perdas (inciso II) e a adoção de capital rotativo (inciso III). Nos parágrafos 1º e 2º normatiza-se quanto às regras de retiradas eventuais de Capital Social, com uma novidade terminológica: “os princípios de conveniência e oportunidade”.

Neste capítulo vemos três temas que merecem destaque. Capital rotativo, a “casadinha” creditícia para elevação de Capital Social e a devolução de Capital Social.

4.1 – Capital Rotativo: Vemos a restrição formal ao capital rotativo, o qual em algumas Singulares denominou-se capital resgatável. Ocorre que antes do advento da LC130/2009, pela baixa clareza da Lei 5.764/71, era praxe distribuir a totalidade das Sobras balizada pelo valor do Capital Social de cada sócio, o que permitia que o Capital Social fosse muito atrativo superando em muito o DI anual, fazendo obviamente que poucos sócios se interessassem em aplicar em Depósito a Prazo ou mesmo deixassem em Depósito à Vista. Contudo, nada mudava quanto à liquidez e funding, já que os valores são somados nestes cálculos e não individualizados.  Com o advento da LC130/2009 esta prática foi literalmente proibida, haja vista que o Capital Social não pode mais constar como item no rateio das Sobras. Isto obrigou que estas Singulares migrassem para o padrão atual, contudo inúmeros sócios tinham elevadas posições em Capital Social, que, de fato, eram valores que deveriam estar aplicados em Depósito a Prazo ou à Vista.

Assim, para contornar esse momento, optou-se por criar um Capital Social resgatável adotando inúmeras opções de resgates, inclusive, fazendo-as constar em estatuto. E visando a atender a legislação LC 130/2009 inclui-se no estatuto que caso algum destes valores fossem resgatados deste “colchão” de Capital Social, não poderiam mais regressar para esta “aplicação” com as mesmas características de resgate. Portanto, há ainda valores expressivos neste capital resgatável, que pela resolução proposta, deixam de compor o patrimônio líquido, podendo causar para algumas Singulares alguns recálculos de sua exigibilidade, enquadramento, funding, previsões de receitas em seus planejamentos estratégicos, e uma indefinição sobre como remunerar este Capital Social rotativo/resgatável etc. Isso a forçará a uma real necessidade de atuar como uma agressiva instituição financeira massificada para que possa gerar riquezas com receitas de intermediação financeira real e de oferta de serviços bancários, reduzindo, assim, suas receitas em centralizações financeiras e concentrações em ativos e passivos.

4.2 – “Casadinha” creditícia para elevação de Capital Social. Vejamos. Conforme já discutido em algumas entidades de auditorias, agora aparentemente será tema corriqueiro nas verificações destes profissionais, o fato de que fica terminantemente proibida a “casadinha” para elevação de Capital Social. Assim, fica explícito o fim desta prática que edificou e ainda edifica a quase totalidade das nossas grandes Singulares, em especial as originalmente rurais, as quais se resumiam em sempre pedir um novo aporte no capital frente a liberação de crédito, e, de forma mais generosa, frente aos repasses com taxas subsidias. As Singulares vão ter de ser imensamente criativas para obter novos aportes de Capital Social, e desde já sugiro ler alguns de meus artigos postados em nosso site onde tratamos de algumas destas soluções.

Contudo, vale aqui ressaltar que, havendo repasse oficial para composição de cota capital a ser vendida para sócios, veremos que 99% dos que comprarem estes créditos de repasse serão os tomadores de crédito em data muito próxima da liberação do crédito. Esses tendem a ser os mesmos clientes que nestas épocas de dependência creditícia compram nossos consórcios, seguros elementares etc.. Mas quem compra os outros 1% dos créditos de repasse para compor Capital Social? Sim, são os emocionalmente envolvidos sócios fundadores da Singular. Os clientes investidores, exceto aqueles que tomam crédito subsidiado com juros menores do que os cobrados no repasse, só se interessarão por essa linha de crédito para elevar seu Capital Social se a Singular “necessariamente e momentaneamente” tiver de se comprometer a pagar os juros devidos, além de adotar a remuneração pela SELIC cheia aos juros ao capital, e tiver um formato de liberação de capital que permita eventuais saques totais ou resgates parciais de formas mais fluidas que as estatutariamente definidas. Algo sempre possível, pois a redação estatutária do resgate ao capital sempre tem uma frase final que permite esta liberdade de resgate diante do julgamento pontual de um ano comercial.

Diante deste claro cenário, veremos um “congelamento” quase generalizado dos capitais sociais de nossas Singulares, implicando em menor competitividade e fortaleza para as Singulares, bem como uma corrida para alocar o máximo de recursos das Sobras em Reservas, tirando um dos maiores diferenciais do cooperativismo de crédito, que são as Sobras distribuídas em valor minimamente atrativo. Contudo, ficará evidenciado que deverá ser reinventada com ainda mais criatividade a prática de promover “sorteios” através de bilhetes pelo número de Capital Social “comprado” voluntariamente, visando à elevação do Capital Social. Lembrando que “casualmente” novamente veremos que 90% dos compradores destes “bilhetes da sorte” são tomadores de crédito. Esta constatação torna tácito que os sócios não têm atitude de “dono” frente a sua Singular como alguns querem discursar. Caso contrário, estariam empenhados em aportar sempre de forma voluntária cada vez mais Capital Social para fortalecer “sua” entidade. Também foi tratado em vários de nossos artigos, já postados em nosso site, os motivos racionais desta atitude generalizada dos sócios, totalmente avessa aos aportes no Capital Social.

4.3 – Devolução do Capital Social: Vê-se que as regras de resgates eventuais visando a tornar o Capital Social como uma “previdência privada” deverão ter um enorme esforço para que possam ser atrativas e detalhadas nos estatutos sociais, bem como mais transparentes em sua comunicação explícita aos sócios. Na prática percebemos que sempre que as Singulares explicitam de várias formas o saldo que seus sócios têm em Cota Capital, dando vez aos preceitos da transparência da Governança, mais se verifica a descapitalização da Singular, pois quem tem saldos elevados em cota capital são tomadores assíduos de crédito de varejo e racionalmente decidem por sair da sociedade para fazer um rápido “caixa” para uma atual necessidade, sem juros. Assim, não seria prudente a regulamentação balizar a devolução em x% ao ano, ou qualquer outro percentual. X% pode ser um número bom em épocas de bonança, mas terrível frente a um projeto de expansão, de estresse nos resultados, ou diante do mercado mais agressivo e recessivo que se desenha. E a isto devemos adicionar o fato de que cada Singular tem uma grande onda de sócios fundadores chegando ao mesmo tempo frente às prerrogativas de sacar seus grandes capitais sociais, como tratado em nosso artigo: “Singulares e o envelhecimento de seus bons sócios e líderes.” Assim, devemos nos perguntar: Sendo justo devolver estes valores a estes sócios mais velhos, conforme a instituição se comprometeu com estes sócios que normalmente são o grupo fundador da Singular, como fica o projeto de perpetuação da Singular que deve ser maior que os interesses de seus sócios, ou, como fica a necessidade momentânea de fazer recursos diante de uma instabilidade ou necessidade de evoluir em estrutura para perpetuar o projeto?

Observa-se neste capítulo, em seu artigo 22, inciso III, que o legislador determina boas práticas quanto a redação de resgate de Capital Social que deva estar formalmente aprovada no estatuto, redação esta que certamente passará a ser detalhadamente auditada. Mas, argumento que pela prática vemos que os estatutos foram redigidos para épocas de bonança e que poucos deles preveem redações textuais e métricas para saques eventuais de cota capital, as quais, nestas condições de estresse financeiro ou estratégico, possuem um desgaste institucional muito acima do desejado. Sabemos que o tempo de interesse dos sócios frente a sociedade é muito menor, e que certamente irão exigir estes valores de forma integral e rápida. Isto é o mesmo que tirar os pneus internos do rodado traseiro de um caminhão para pagarmos um de seus donos que deseja sair da sociedade. O caminhão tem de ser eficaz para pagar um de seus donos, e não é dilapidando-o que o projeto irá se perpetuar.

Assim, propomos que em épocas de bonança como a que estamos vivendo, e tendo a Singular apresentado números crescentes, estes obtidos após pagar juros cheios ao Capital Social, os estatutos sejam revistos, esquecendo-se os movimentos do passado, adaptando-os para um cenário mais complexo, de sócios informados e naturalmente muito mais urbanos. Isso permite que haja realmente um projeto de transformar o Capital Social em uma previdência privada e não uma mera poupança de saques rápidos como ainda se vê. Lembrando sempre que nas totalidades de estatutos que conhecemos, há uma enorme válvula de escape para épocas de crise, quando reza que dependendo do momento e do projeto de perenidade da Singular, o resgate poderá sofrer total impossibilidade ou irá acontecer de forma gradual a ser definida ano após ano. Mas essa é uma opção estressante, portanto sugerimos que estejam previsto as regras métricas de saques lentos de Capital Social que atendam 90% das situações das condições mais corriqueiras, tornando os saques lentos e previsíveis sem que estressem os pilares de patrimônio e funding da Singular, além de não colocar em xeque os projetos mercadológicos expansionistas da instituição. Sugiro relerem o artigo postado em nosso site: “Capital Social estratégico”.

Por fim, quanto ao resgate ao Capital Social, vemos algumas Singulares mais antigas, consideradas grandes, com um discurso e ações visando “congelar”, e se possível reduzir seu Capital Social. Vê-se que suspenderam todas as ações tradicionais de elevação de Capital Social, sejam elas a tradicional “casadinha”, “sorteios”, majoração do Capital Social estatutariamente etc., inclusive levando cada vez menores Sobras a distribuir, ou até as distribuindo em Conta Corrente para não elevar seu Capital Social, entre outras ações. De uma forma macro, adotam estas ações, pois ao remunerar o Capital Social e este estiver crescendo, maior será o custo da Singular.

Se a Singular estiver obtendo ótimas Sobras, estes valores tenderiam naturalmente a ser alocados para compor o Capital dos Sócios etc. Assim, adotam uma política de colocar um percentual expressivo das Sobras destinadas a Reserva, ou criando novos fundos de “expansão” para reduzir as Sobras, ou ainda elevam sobre maneira os valores aportados no FATES etc. Vale aqui ressaltar que FATES, Fundos de “expansão” e Reserva não tem custo, alavancam em muito o valor emprestado, permitindo elevada receita sem custo financeiro. Este processo é rentável, mesmo que não haja tomadores para estes recursos e a Singular venha a aplicar este excedente na Central recebendo 100% do DI. Segundo esta “engenharia desconstrutivista” do Capital Social, não nos causará estranheza se, em muito pouco tempo, já adotarem soluções para que o sócio retire facilmente seus saldos em cota capital, mantendo o mínimo estatutário (R$ 30,00, por exemplo). Algo que, mesmo em mercados e cenários distintos, segue a prática de no máximo um sócio ter apenas 600 Euros em Capital Social haja vista ele ser remunerado estatutariamente em um elevado percentual. Se crescer demasiadamente torna inviável a gestão dos custos financeiros da Singular. Assim, com esta ação de manter apenas o mínimo estatutário, tendem a atender diretamente os sócios mais antigos com maiores saldos, e concomitantemente, tornam o resgate do Capital Social como se fosse uma benesse comercial da Singular.

Sabemos dos estudos de “Normas Internacionais de Contabilidade” quanto à forma de considerar o Capital Social no balanço, mas não temos certeza do impacto em nossos demonstrativos. Cremos que o órgão regulador será prudencial para não deixar agredir nossos pilares tradicionais, que eles mesmos nos fizeram constituir para que tivéssemos uma gestão prudencial. Mas se estas Singulares mantiverem estas ações de “esquecer” da importância do Capital Social, seja por cópia de modelos como o alemão, ou por definirem ser esta uma estratégia vitoriosa para a Instituição, como as reflexões apresentadas neste parágrafo, poderemos em breve dizer que, as vantagens sociais e comerciais para os sócios destas instituições, salvo alguns tributos e algum outro pífio ganho, serão parecidíssimas se estivesse mantendo uma usual conta corrente em um banco de varejo massificado. Este cenário irá se agravar na medida em que estas Singulares de forma discreta e crescente adotarem medidas para “esquecer” a relevância do Capital Social. Uma política interna equitativa de forças e interesses seria a mais desejada.

5) Capítulo VII – Da governança corporativa

Arts. 26 a 28. O art. 27 contém o valor no qual uma cooperativa clássica deverá adotar a Governança com a segregação entre Conselho de Administração e Diretoria Executiva. Também que a Cooperativa Plena terá que adotar a Governança a partir de 2017 (artigo 53). Neste artigo se defini que quem representa a cooperativa (§ 2º) são os membros da diretoria. Também deixa a critério do Bacen a definição sobre quais cooperativas deverão adotar Governança. No art. 28 tem-se a definição mais contundente das atribuições do Conselho de Administração como colegiado, em destaque a fiscalização da gestão dos diretores (inciso III) e a convocação da assembleia geral (inciso IV).

Algo nos chama a atenção. A Governança é um tema ainda novo no segmento cooperativista de crédito para o qual o Banco Central do Brasil tem dado muito foco. Aparentemente ele acredita que se formalmente implementada no prazo regulamentar, a Governança que instalamos em nosso modelo de negócio contribuirá para evolução do SNCC. Agora novamente a Governança ganha novos e mais amplos rumos. A Governança não se limitará às Singulares de livre admissão e de empresários. A nova determinação basear-se-á no valor de ativos. Perguntamos: Será que a normativa e sua imposição a partir de 2012 para as Singulares de livre admissão e empresários contribuiu para o crescimento do setor? Valor de ativos é uma métrica coerente e sem vícios de origem? Quanto é muito, quanto é pouco em um indicador para adoção de uma prática como a Governança? Lembrando que as empresas comerciais e a indústria financeira vêm edificando há anos sua Governança e ainda não são eficazes.

Vale aqui ressaltar que temos sérias dúvidas se a sugerida segregação total dos membros da diretoria executiva será produtiva. Nossa consultoria pesquisou no portal das grandes e tradicionais instituições financeiras brasileiras como: Bradesco, Itaú, Santander, Banrisul e Banco do Brasil. Em todas elas vê-se explicitamente a figura de um ou mais diretores fazendo parte do Conselho de Administração, como é o caso do Vice-presidente do Conselho do Banco Itaú – Sr. Roberto Egydio Setubal que tem assento também como Diretor Presidente na diretoria executiva do banco.

Acreditamos que esse elo contribui para um entendimento mais detalhado dos negócios da instituição. Temos dúvida se esta segregação é a melhor maneira de sermos vanguardistas como propõe nossos legisladores. Não vemos benefícios práticos às cooperativas de crédito nessa ruptura conceitual, abrupta e desnecessária no nosso modelo de gestão, o qual tem permitido sucesso nas Singulares por décadas, mesmo que ainda sejamos pouco expressivos no SFN. Por conhecermos muito dezenas de Singulares de vários sistemas afirmamos que, mesmo nas bandeiras líderes, é salutar manter um elo entre o Conselho de Administração e Diretoria Executiva, mantendo a correta normativa de não possibilitar o acumulo das duas presidências em um líder. Os preceitos da “velha” Governança, que em nosso modelo tem apenas três anos, ainda está sendo digerida e acreditamos que a proposta de apartar os dois focos de poder é desnecessária, tempestiva e só trará malefícios ao nosso modelo, que ainda engatinha sobre um modelo mais formal e agressivo proposto pela LC130/2009, o qual ainda está no processo lento de digestão operacional, apesar de “acatado” legalmente.

Em meus recentes artigos escrevi sobre a tendência de copiarmos modelos do exterior como se fossem padrões infalíveis para o Brasil. Tive a oportunidade de visitar o modelo alemão de cooperativismo de crédito. Não há dúvidas que são maduros, mas diante da história e da cultura local são valores sacramentados, ou seja, praxes mercadológicas e sociais que não são ideais para o Brasil. Sem considerar que muitos dos ensinamentos repassados já são motivos de revisões, pois em alguns pontos já apresentam fragilidades, em especial quanto aos baixos benefícios a seus sócios diante da proposta original. Assim, vemos nesta nova proposta de legislação a indução para que o conselho de administração possa fiscalizar atos dos diretores executivos, tal qual se observa no modelo alemão, onde deixou de existir o Conselho Fiscal. Estamos engatinhando e querem nos impor o uso de chuteiras para dançarmos o lago dos cisnes. Precisamos respeitar nossa cultura e nossos mil “Brasis”. Podemos e sabemos customizar regras e conceitos externos para que sejam motivos de maior competitividade de nossos esforços comerciais. Por que copiar com tanta sede os modelos externos se ainda nem ao menos deglutimos coisas tão óbvias como os conceitos da Governança e da livre admissão?

Temos problemas tão mais urgentes que seria um risco pedirmos para que nossos líderes passem por mais um estresse para entender todos os processos e acomodar todos os interesses diante desta nova propositura. Nossos líderes precisam se dedicar ao seu mercado, pois lá se valida a competitividade e as superações norteadas com o crescimento sustentado de sua Singular. Não estaremos mais na bonança que vivemos diante da LC 130/2009 que nos apresentou a Governança e nos deu anos de mercado comprador para a implementarmos, mesmo que formalmente. Agora os tempos são outros. Estamos diante de uma crise de demanda, a inflação é crescente, os custos se elevam vertiginosamente e só o que vemos nas mídias é a apresentação a população de desgovernos e corrupção de quem deveria ser nosso exemplo. Não vejo espaço para que nossos líderes se distraiam com melhorias em sua gestão que não sejam simples e úteis. O que não atende estas prerrogativas deve ser revisto, mesmo quanto à regulamentação. O que adianta atender ao legislador em algum pedido fora do razoável, se concomitante perdemos mercado e colocamos em xeque nosso modelo de negócio. Na crise, sejamos simples, óbvios e fujamos para frente.

Apenas como comentário final, veremos cooperativas atualmente com Governança, que passam a ficar liberadas dessa exigência, ou até, muitas, em especial as de Capital e Empréstimo que captam Depósito a Prazo, poderão vir a ser obrigadas quase que de forma linear pelo Banco Central a adotarem Governança, caso desejem manter a captação neste produto.

6) Capítulo IX – Da desfiliação da cooperativa de crédito singular

Arts. 37 e 38 – Esses dois artigos demonstram explicitamente a preocupação do Banco Central com o processo de desfiliação e um possível aumento em Singulares solteiras, as quais atualmente já dificultam o trabalho de sua supervisão. Está ainda mais especifico e pontual quando do pedido de desfiliação ou processo de desfiliação por parte da cooperativa central de crédito.

Vejo como procedente esta preocupação do legislador, pois até então as Centrais tinham força de um voto por filiada. Agora, podem haver movimentos orquestrados de algumas grandes Singulares, mesmo de bandeiras distintas, para constituírem uma nova Central e até uma Confederação, ou mesmo para filiar-se em grupo a um sistema menor ou não atuante na região, ou mesmo desejarem ser independentes.  Assim, o legislador determina que estes movimentos só deverão ocorrer se os argumentos apresentados forem tecnicamente procedentes, e entre eles, não imagino que o legislador irá dar guarida as alegações políticas, as quais naturalmente povoam as Centrais e Confederações. Assim, será mais complexo vermos a eventual saída de uma forte Singular ou um grupo forte delas para um “novo” sistema ou central, o que enfraqueceria a Central, fortalecendo o grupo dissidente. Caso este movimento venha a ocorrer, não podemos, em uma primeira análise, achá-lo coerente já que enfraquece nosso modelo de negócio, apesar de reafirmamos que as fusões atuais não ocorrem com a visão de pujança do sistema e sim unicamente como uma solução derradeira e intempestiva para um problema de fraqueza comercial ou de estrutura de uma Singular. Dessa forma, evitando-se assim, não macular a marca ou o modelo de negócio em uma microrregião.

7) Capítulo X – Da auditoria externa

Arts. 39 a 42 – Manutenção das regras para auditoria externa, ressalvando a necessidade de parecer das demonstrações financeiras para cooperativas singulares no encerramento do exercício social (art. 41, inciso II).

Vê-se de forma prudencial que o normativo apenas ratifica as atribuições da auditoria externa. Contudo, como se viu nos debates do último Concred em Manaus, e ainda ouve-se nos bastidores, existem orientações e induções para que as Singulares utilizem a entidade de auditoria cooperativa (CNAC), o que pode em breve acontecer para uma grande bandeira. Devemos observar que nesse momento existe apenas uma entidade de auditoria cooperativa, o que, atualmente consideramos mais um risco do que solução para nosso modelo. Vejamos um provável cenário decorrente deste monopólio de auditoria. Caso alguma Singular venha a ser auditada por essa entidade de auditoria cooperativa e esta não aponte itens críticos de controles e de gestão, mas no decorrer de alguns dias ou meses, surjam sérios vícios anteriores de controle e gestão não identificados nesta auditoria. Como fica o crédito e julgamento da empresa de auditoria cooperativa, sendo que, neste cenário de monopólio, não há substituto para tal serviço? Assim, em cascata, fica a dúvida. Se uma Singular vier a incorporar esta entidade deficitária, quais serão as bases de informações que podem ser consideradas realmente fidedignas? Ou até mesmo poderíamos conjecturar se a própria incorporadora é verdadeiramente saudável como rotulado por esta mesma entidade de auditoria cooperativa, já que foi ela, pelo monopólio, que a avaliou?

Entidades de auditoria, sejam elas cooperativas ou não, são falíveis como todo e qualquer prestador de serviços, assim, é prudente, enquanto não estiver maduro nosso sistema cooperativo de crédito, que tenhamos competitividade e ofertas de serviços similares de auditoria. Não nos esqueçamos da enorme empresa de auditora Arthur Andersen que minguou no mercado após ter um grupo de seus ótimos auditores “errado” no caso Enron nos Estados Unidos no início dos anos 2000. Diante desta exposição de motivos, nos parece coerente afirmar que em um mercado capitalista todo monopólio é pernicioso, e caso ele venha a existir, que se restrinja a entidades com funções eminentemente reguladoras ou de segurança pública. O cooperativismo de crédito está muito jovem para que possamos validar se a qualidade de serviços de um ou de outro de seus prestadores de serviços já pode ser rotulada formalmente como de qualidade, dando-lhe um potencial monopólio. O uso da terminologia “cooperativa” na designação do prestador do serviço é relevante, mas não o suficiente para obter qualquer vantagem ou rótulo de qualidade em um mercado de serviço tão competitivo e dinâmico. Serviços são pessoas, pessoas não têm métricas, apenas preceitos e padrões de atitude e comportamento, os quais certamente irão oscilar por infinitos motivos, tanto para cima ou para baixo.

8) Capítulo XII – Das disposições complementares

Arts. 46 a 58 – O Banco Central notificará as Singulares com seu enquadramento (art.52) e as mesmas terão o prazo de 90 dias para manifestar a concordância ou solicitar a mudança da categoria indicada. Após a manifestação contida no art. 52 a Singular (art.53) terá o prazo de três anos para adequação do PR (art. 53, inciso I) e a adoção da estrutura de Governança corporativa a partir de 2017 (art. 53, inciso II).

Devemos inicialmente nos perguntar: Como validamos a qualidade da implementação e gestão dos processos de Governança “ativados” por determinação legal após 2012 nas Singulares de livre admissão e de empresários? Por viver intensamente este mercado trabalhando pelo Brasil para inúmeras Singulares de vários segmentos e bandeiras, afirmo que, apesar de termos uma plástica ideal em muitos organogramas, vemos que na prática do cotidiano, o conceito desejado pelo órgão regulador não tem a eficácia desejada. Em alguns casos até temos uma hierarquia e definição de conselhos com pressupostos de boa funcionalidade, mas ainda muitas pecam, por como exemplo, na real transparência e busca de legitimidade dos sócios.  Agora, diante de uma nova legislação, veremos que mais Singulares terão de adotar Governança, e até, quem sabe, algumas das enquadradas em 2012 podem não mais precisar da Governança. Veremos que, para atender unicamente ao regulador, teremos novos custos, ascensão apenas formal de gestores seniores a diretores executivos, desvio de atenção comercial para a implementação do processo, pouco tempo para mudar a cultura e atitude dos líderes, pouco tempo para formar diretores, etc. Precisamos ser realistas e definir o que desejamos: Se é um processo de gestão denominado Governança ou um processo de gestão natural, lícito e competitivo, que inclusive atenda a bons preceitos de Governança, previamente “customizados” para a realidade do cooperativismo de crédito brasileiro.

Não podemos descartar algo que em breve deverá ocorrer ou já se iniciou. Singulares com Governança sendo liquidadas ou incorporadas por gestão deficitária para não macular a marca da bandeira ou o próprio cooperativismo de crédito.

O que isto irá nos ensinar? Que cultura não se muda por decreto. Não bastam pesquisas ou processos concluídos para validar se temos ou não Governança. Temos, sim, que exigir de nossos líderes e de sua equipe de seniores uma atitude proativa, legal, competitividade comercial e, em especial, um aprendizado constante e criação de substitutos a sua altura. Se pudermos definir alguns processos como sendo início do noivado com a Governança já será algo relevante. Neste contexto o órgão regulador deveria ser mais prático e menos teórico, pois não será com cópias de ótimos preceitos como a Governança, auditoria cooperativa, ou de práticas de modelos do primeiro mundo que o cooperativismo de crédito terá o seu devido espaço no mercado. Regulamentação são bem vindas quando balizam limites prudenciais diante de uma inconteste realidade comercial.

Neste capítulo, o artigo 50º menciona que deverá ser exposta nas unidades de negócios uma norma explicativa clara e destacada quanto a forma de rateio das perdas. Realmente este é um dos temas mais intrigantes que já presenciamos, pois distribuir Sobras é mentalmente complexo, mas algo saudável. Já o rateio das perdas, pela resolução, deve estar explícito, ou seja, foi aprovado em uma assembleia que, de preferência, seguindo os preceitos da Governança e pela complexidade do tema, tenha sido uma AGO e não AGE. Rateio de perdas deveria seguir uma métrica formal e legal que balizasse 80% das perdas a distribuir, pois, assim, teríamos regras claras de operação nestes cenários, evitando penalizar este ou aquele grupo por ter menor ou maior representatividade política ou econômica. Nesses momentos de estresses, o que precisamos é de regras previamente definidas para serem rigorosamente seguidas. A prática demonstra que são cenas desgastantes e quase dantescas que minam desnecessariamente nosso modelo de negócio.

Acreditamos que a resolução poderia nos ajudar imensamente se, juntos, construíssemos um compêndio métrico para balizar as perdas. Hoje o que se vê é uma forma intempestiva que em muitos casos agride demasiadamente os sócios que acreditaram na Singular e ali aplicaram suas economias, e/ou adotam saldos médios ou outra métrica pouco defensável para aquele cenário, que por hora parece ideal, mas que inviabilizará a recuperação da instituição.  Não podemos imaginar que haverá tão fácil convergência na distribuição das perdas como nas de Sobras. São dois mundos totalmente antagônicos. Havendo regras claras de balizamento todo o sistema seria beneficiado.

Por fim, a Lei 5.764/71 – artigos 80 e 81 – rezam que há a possibilidade de se ratear as despesas operacionais antes do fim do exercício para suavizar perdas ou gerar Sobras. Contudo, essa prática é corriqueira no rateio das Centrais e raramente vista nas Singulares, haja vista que a grande maioria já adota tarifação por serviços. Assim, essa normativa também não é uma boa prática para a distribuição de perdas em uma AGO, devido a enorme complexidade do tema e seus feitos na perenidade da Singular.

9) Outras ponderações: Remuneração Variável dos Diretores Executivos

Há uma carência de discussão e de normatização de um tema complexo e que tem muito a ver com a transparência defendida pela Governança. Observamos que não é comum vermos em Singulares a prática de ganhos variáveis para seus diretores executivos e até conselheiros. Fato este tão usual nas empresas S/A com Governança. Certamente por estas empresas entenderem que estes profissionais devem perseguir desafios traduzidos por agressivas metas quantitativas. Ao atingi-las há um projeto formal previamente acordado quanto à meritocracia. Nas Singulares o que vemos para raros diretores executivos é um “PPR” turbinado que, em muitos casos, é a mesma métrica a ser paga como produtividade aprovada pelo sindicato dos trabalhadores.

Ao nosso entender, sendo diretores executivos, devem ser premiados se atingirem suas agressivas metas, ou questionados e até trocados pelo conselho de administração se não forem efetivos. Claro que este julgamento precede um enorme aprofundamento no que sejam metas comerciais. Algo que fora tratado em nosso fórum de metas e plano comercial realizado em 10/2014 em Belo Horizonte com 50 profissionais do cooperativismo de crédito de todo o Brasil. Mas, precisamos validar este prêmio aos diretores executivos, contudo, sem expô-los socialmente. Senão, vejamos.

Um antigo gerente geral ganhava R$ 15.000,00 como CLT, sendo que hipoteticamente seu custo para a Singular era o dobro pelos encargos diretos e indiretos. Ele ainda ganhava anualmente mais dois salários em média por resultado. Assim, o custo anual para a Singular deste profissional era de R$ 30.000,00 * 14 = R$ 420.000,00. Diante da Governança, ao ser alçado a diretor executivo, ele, além da propensa visão mais profissional de sua missão, responderá com seu patrimônio pessoal frente a algum equívoco legal à lisura da Singular. Portanto, novos ônus que devem ser valorizados na proposta do conselho quanto a sua remuneração. Imaginamos então que o conselho lhe proponha os mesmos R$ 420.000,00 anual que era seu custo como CLT, o que deverá ser aprovado em assembleia. Passamos, então, a ter este agora diretor considerado como “marajá”, em especial em cidades pequenas, onde se localizam muitas das sedes de nossas Singulares, ao ponto de alguns deles já considerarem a opção de sair do cargo em função dos riscos e desgaste pessoais.

Pergunto se será fácil aprovar, em especial diante da crise econômica que se aproxima, um ganho público de R$ 420.000,00 anual para um funcionário que até então tinha uma vida social normal, discreta, na qual seu salário de R$ 15.000,00 lhe dava o mesmo padrão de vida com muito mais discrição social. Claro que o status de ser Diretor pesa, mas na prática, em alguns casos, vê-se que o processo e hierarquia continuam na mesma, e que a mudança é apenas de nomenclatura no crachá e uma sala mais pomposa. Para tanto, basta observar que a vaga que este profissional CLT ocupava, em muitos casos está vazia ou foi excluída do organograma.

A discussão desse tema é vaga quanto à forma de aprovar o ganho dos diretores executivos, permitindo que se faça a aprovação de um lote que inclui a remuneração do quadro diretivo como um todo. O que, em tese, suaviza a exposição acima tratada. Mas, o que diz o quesito transparência da Governança? É transparente aprovar a remuneração de um diretor sem explicitar individualmente seu ganho em uma assembleia? Como faríamos com ganhos extras por atingimento de metas destes diretores? Será que bastaria criar uma conta de provisão contábil que estaria a disposição do conselho até 31/12? Como fica na visão dos conselheiros, a possibilidade de seu bom diretor ter ganhos anuais 4 ou 10 vezes maior que o próprio salário de presidente? Esta é uma mudança lenta de cultura, a qual pode estar emperrando que tenhamos ótimas remunerações para diretores diferenciados. Isso pode também estar dificultando a vinda de ótimos profissionais do mercado que estejam lotados como diretores de grandes S/A, as quais lhes pagam fartos prêmios de produtividade.

Por fim, é importante ressaltar que o capítulo II – artigo 6º inciso “b” – menciona, esquecendo as Singulares atuais, que para as novas constituições de Singulares deve haver entre outras coisas: “… definição da estrutura de incentivos e da política de remuneração dos diretores…”, portanto de forma explícita pede que, havendo diretoria executiva, seja prevista a forma de bonificação gradual por resultados destes diretores e não, como muitos querem, que deva se manter uma política tal qual se aplicava a estes profissionais enquanto eram regidos pela CLT. A implementação da Governança precede que tenhamos uma maior agressividade comercial, seja para manter razoável a receita frente aos custos indiretos que ela traz em seu bojo, seja para que possamos crescer de forma sustentada e controlada frente a um mercado hiper-agressivo.

Este item da nova regulamentação deveria ser repetido em outro local da sua redação, eventualmente no tópico de Governança, contudo, sendo o mais claro possível quanto a forma de dar transparência, e quanto ao nível desta transparência, para que possamos ter diretores capacitados e motivados, sem expô-los em demasia socialmente. A LC 130/2009 é vaga quanto a esta recomendação, e se vê que a 5.764/71, escrita há mais de 40 anos, trata da literal ortografia “diretor” nos moldes antigos das Singulares, sem qualquer referência ao advento de diretor executivo estatutário, figura esta que só veio a surgir em após o advento da LC 130/2009.

10) Outras ponderações: Concentração em Depósito a Prazo e sua exigibilidade

Em função da normativa que busca uma melhoria substancial nas regulamentações do cooperativismo de crédito, propomos que, seguindo as regras de não podermos ter mais de 33% de nosso Capital Social concentrado em um único sócio, passemos a perseguir que tenhamos balizadores para evitarmos concentrações excessivas em Depósito a Prazo em um único cliente.

De forma prudencial, as Singulares teriam um prazo de dois anos (ex.) para reduzirem e manterem suas concentrações e suas captações ao máximo de 33% em um único sócio aplicador, para assim, reduzindo gradualmente até cinco anos (ex.) chegarmos aos mesmos limites de 15% do Patrimônio de Referência concentrado em um sócio devedor. Sabemos que este produto é uma excelente fonte de funding, mas se gerido de forma desatenta, a gestão da carteira de crédito poderá ficar em destaque pela falta de liquidez da noite para o dia. Algo grave para um Singular, em especial se já adota a Governança.

Sabemos da limitação de Basiléia frente ao montante que uma Singular pode captar e que tem como base o Patrimônio de Referência da Singular, contudo esta normativa não faz qualquer menção a concentração de captação, o que, a nosso ver, a deixa frágil.  Portanto, já que a normativa tem um capítulo exclusivo para Governança, seria prudente fazer um aditivo onde se definira de forma gradual o percentual passível de concentração nas captações em um único sócio quanto ao Depósito a Prazo, a forma de seu cálculo em função de que base de saldo médio, o prazo para início das auditorias e suas eventuais orientações diante de um eventual desenquadramento.

Como há algumas Singulares muito concentradas em Depósito a Prazo, como sugestão, podemos definir uma gradual regra de migração para parâmetros desejados de concentração neste produto de captação. Portanto, sugerimos que também adotássemos a regra que reza que, havendo concentração acima dos patamares a serem definidos, este excedente não poderá compor a base de funding para operações de crédito.

Quanto à exigibilidade mínima nas captações de depósitos à vista e a prazo. Ponderamos que deveríamos definir o percentual sobre o saldo médio de Depósito à Vista e a prazo que devem ficar retidos em uma centralização financeira para fazer frente as normais oscilações de captações e da carteira de crédito. Hoje se percebe vários métodos de vários sistemas, onde, inclusive os percentuais não são uniformizados, contudo nenhum deles segue uma normativa, pois ela inexiste para o Cooperativismo de crédito. Algo nos moldes dos compulsórios dos bancos, que, além de serem ferramentas de política monetária, também tem a função de monitorar estes depósitos e suas aplicações no crédito. Assim, é prudencial, aqui novamente invocando a Governança, que tenhamos um prazo e balizadores para que as Singulares tenham um ainda maior controle sobre seus compromissos com saques e concessão de créditos.

Ainda quanto à Governança e à exigibilidade aqui descrita, vale ressaltar que em função de inclusão de novos produtos na cesta de ofertas a seus sócios, como o cartão de crédito que também aporta limite pré-aprovados de forma massificada, vê-se que algumas Singulares não o reportam como sendo compromissos de créditos assumidos de forma pré-aprovada, só considerando os valores realmente financiados nesta linha creditícia. Algo que cresce e que deveria ter um prazo para normalização operacional.

11) Outras ponderações: Definição de retenção de funding frente aos pré-aprovados

Cada vez mais teremos linhas pré-aprovadas a nossos sócios, sejam limite de cheque especial, créditos parcelados pré-aprovados, conta devedora para empresa, cartões de crédito etc. São linhas que, em uma sazonalidade podem ser demandadas automaticamente sem que a Singular tenha feito as devidas provisões de funding para atendê-las. A praxe é alocar o limite e administrar pelo uso médio. No nosso entender seria prudente aplicarmos deflatores sobre o disponível a emprestar na carteira de crédito, visando a considerar uma boa parte deste limite dinâmico como se estivesse utilizado. Assim, teríamos uma gestão mais prudencial e com melhor Governança, permitindo a revisão da política de alocação de novos limites e dos já alocados, resultando em uma mais eficaz aplicação dos recursos disponíveis para funding.

Em cooperativas muito líquidas, este tema é mais facilmente conduzido, mas em Singulares que trabalham sempre próximo do seu limite de concessão de crédito, esta normativa pediria mais atenção em ações descompassadas de alocação de limites para sócios que não os usam ou o fazem muito esporadicamente.

12) Temas que deveríamos debater mais abertamente: Apesar dos temas abaixo serem de incumbência do legislativo, entendemos serem merecedores de debates:

Observação: em função da reforma ortográfica, a palavra “assembleia” não tem mais acento.

Reflexões finais: Sou grato pela oportunidade de expressar a você, leitor, e aos reguladores meus pontos de vistas de forma clara, sem, contudo imaginar serem minhas ponderações dogmas do futuro, mas, sim, minha visão atual dos valores acumuladas nestes 54 anos de vida, 39 de mercado de varejo financeiro massificado, sendo que destes, os últimos 10 anos foram de intenso trabalho junto ao cooperativismo de crédito.

Ao compartilhar graciosamente estas minhas reflexões com nossos pares gestores reguladores e com mais de 12.000 leitores do cooperativismo de crédito reafirmamos nossa crença em um grande futuro para nosso modelo de negócio. Compartilhar é cooperar.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/01/2015

Informação aos legisladores:

Dados do autor desta proposta:

Ricardo Coelho, 54, 39 anos de experiência no segmento financeiro, é graduado em Economia (FAE), especialista pela Buffalo University/NY/USA, com pós-graduações em Administração, Marketing, Gestão Imobiliária e MBA em Gestão Avançada de Pessoas. Participou dos seminários cooperativistas de crédito de Mondragon (Espanha), Dejardins (Canadá) e Montabaur (Alemanha). Por 20 anos foi professor universitário de cadeiras como: Gerenciamento de Clientes, Marketing de Serviços, Comportamento do Consumidor e Criatividade. Vem através da Ricardo Coelho Consult trabalhando fortemente nos últimos 10 anos para a melhoria do modelo de negócio das cooperativas de crédito, a qual atende, em média, mais de 50 Singulares e algumas Centrais. Autor de aproximadamente 200 artigos sobre gestão estratégica das Singulares, todos postados em nosso site. Responsável pela Revista Visão Comercial para o Cooperativismo de Crédito enviada graciosamente para 5.000 gestores de nosso modelo de negócio e já na quarta edição.

Dados do apoiador técnico desta proposta:

Marcos Silva, bacharel em Ciências Contábeis com pós-graduação em Controladoria pela FECAP/SP e especialização em Gerenciamento de Produtos & Serviços pela FGV/SP, com experiência em controladoria de instituições financeiras. Experiência de mais 10 anos em cooperativas de crédito com foco na estruturação, acompanhamento e planejamento estratégico em singulares e centrais. Professor Universitário nas disciplinas de Contabilidade Geral, Administração Financeira e Orçamentária. Diretor Executivo da Sicoob Paulista.