Planejamento Estratégico 2009 – O sorriso do imperador

Sua Cooperativa em 46 a.C.

Em 46 a.C., o imperador romano Júlio César apresenta a seu povo o calendário solar “Juliano”, até hoje utilizado. Nele o ano tem 12 meses, com 365 dias e mais seis horas a cada quatro anos, quando acrescentaria mais um dia, sempre iniciando em 1° de janeiro e encerrando em 31 de dezembro.

Bem, mas o que isto tem a ver com o Planejamento Estratégico (PE) para 2009 de sua Cooperativa de Crédito (CC)? A resposta precede de outras perguntas. Qual é a coerência de  repensarmos formalmente no realinhamento de nossas estratégias comerciais no início do último trimestre do ano Juliano, este baseado na rotação solar? Por outro lado. Por que as pujantes empresas automobilísticas lançam em março de 2008 sua versão 2009? Por que já é mais importante o modelo carro do que seu ano de fabricação? Por que as empresas multinacionais fecham suas contas quadrimestralmente?  Reflitamos sobre estas colocações.

Muita coisa mudou. Há muito tempo que o mercado não é mais regido por sobressaltos anuais como se o dia 31/12/2007 fosse um divisor de águas e como o 1º de janeiro fosse outro tempo. Os Tsunamis comercias não escolhem dia, e seus clientes e concorrentes são indiferentes ao que o imperador Júlio César determinou em 46 a.C.

Convivo neste cenário há décadas e acredito que, mantendo o atual e previsível modus operandi do PE, teremos cada vez menos eficácia, seja na estratégia ou tática. Para muitos, já é notório que o PE tradicional vive uma perda gradual de credibilidade, relevância e aplicabilidade no dia-a-dia comercial da instituição. Tanto que algumas pujantes singulares já descartaram o modelo tradicional de PE. Certamente que tenho aqui sérios contra-argumentos racionais para contrapor esta linha de raciocínio, como mencionar aspectos estratégicos ou temas atrelados ao calendário Juliano: ano contábil/fiscal, IR, AGO, balizador de “Sobras”, etc. Mas diante da agressividade e impetuosidade do mercado isto é muito pouco para justificar este engessamento. O mercado não perdoará falhas primárias, e explicitará abertamente nossas imperfeições aos concorrentes.

PE de 2008 – Os esforços esquecidos na quinta gaveta

Há uma tendência de repetirmos para o novo PE, os mesmos passos do PE de 2008 e com as mesmas pessoas e temas: Pontos fortes e fracos; dados de mercado; BSC – Balanced Scorecard; IPP – Índice de Penetração de Produtos; ticket médio etc. e uma ou outra interação, seguido de belas apresentações e enormes relatórios. Percebo muitas vezes ações de PE que lembram muito o “Editar, Copiar 200X – Editar, Colar 200Y”, sempre com pequenas variações. Assim sendo, questiono aqueles que esperam resultados distintos do passado, sem que haja mudança na forma de pensar e agir.

Visando reforçar este meu ponto de vista quanto este “esquecimento/engessamento” do PE, vejamos:

CASO 01: No PE de 2008, fora prevista uma Selic media de 10% a.a. para este ano, contudo, observou-se sua trajetória crescente em 40% desde o início do ano. Isto impactou seriamente grandes grupos de negócios da sua CC. Por gentileza, responda: Seu PE de 2008 foi revisto em algum momento neste ano?

CASO 02: Tivemos em 12/2007 mudanças radicais na regulamentação de tarifas que afetaram também indiretamente as taxas e agrediram seriamente as previsões de receita de sua CC para 2008. Por gentileza, responda: Em algum momento deste ano sua CC se reuniu para rever os impactos reais sobre seu PE? E olha que aqui a severidade foi absurda, pois, já em 12/2007, o PE de 2008 – feito há menos de um mês – já trazia sérias inconsistências quanto à previsão destas receitas.

CASO X: Há outros casos relevantes, mas acredito que estes já são argumentos suficientes para explicitar minha preocupação quanto ao uso mediano desta importante ferramenta, mesmo que continue sendo desenhada para atender o calendário Juliano.

O esforço do PE consome caríssimos dias de nossas mentes mais estratégicas, as quais têm a missão de agregar enorme valor a sua CC. Missão dada é missão cumprida! Assim sendo, esta ação deveria retornar muito mais benéfico comercial a todos da singular, e servir de trilha, apresentando realistas formas de ação e acompanhamento. Em conceito, o PE é o melhor “mapa da mina” para sua CC.

Interessante: Por pura sorte do modelo PE Juliano, a crise mundial se explicitou dois meses antes do PE de 2009, e certamente será pauta de boas discussões. Caso chegasse “atrasada” (ex. dezembro), provavelmente não receberia nem 1/3 da atenção, quando muito. E de arrasto, esta crise tende a nos fazer rever um desconfortável filme de alguns anos atrás, onde um cenário de alta da Selic escondia a baixa competitividade de algumas CC, em especial daquelas que detinham alta liquidez.

Assim sendo. Com a objetividade que trato todos os assuntos, aconselho que sejamos realmente críticos do modelo atual, e o repensemos rapidamente. Só assim, evitaremos que novamente, tenhamos mais um processo caro e “trabalhoso” para criar uma bela apresentação e relatório, este muito parecido com o do ano anterior, a ser também guardado na quinta gaveta da mesa de um gestor.

Por onde começar a melhorar o PE de 2009?

As CC são entidades simples. Então não deveriam ser conduzidas com a “complexidade” de grandes empresas ou bancos de varejo, mesmo que sejamos tentados a complicar por termos aprendidos termos “bacanas” e belas ferramentas em cursos de especialização ou com algum parceiro.

Apregoo menos teoria acadêmica (e seus novos modismos) e mais foco em um plano de ação comercial. Este deve ser simples, factível e que respeite os recursos da CC e a realidade do seu micromercado. Qualquer coisa fora desta linha, é perda de esforços e de recursos.

De forma prática, aconselho utilizar grande parte deste tempo do PE para criar um plano de metas e ação comercial básico, sem: elucubrações pitorescas que estimam crescimentos irreais, que usam como “prerrogativas” a inércia total do mercado e uma paixão doentia e repentina dos associados pela singular, onde agora passam a concentrar todos seus negócios. Ou ainda uma mudança radical na capacitação comercial do quadro funcional, somente por que assim está definido no PE de 2009. Tudo isto agravado pela usual adoção de números “oficiais” obtidos, sem qualquer crítica quanto a sua composição e qualidade. O mercado não tolera estas imperfeições e punirá a sua maneira.

PE – Sua eficácia potencial

Não há dúvidas que todo PE é sempre bem vindo, pois permite balizar ações para o dito “médio” e “longo” prazo. Contudo, já explicitei acima que o modelo atual de PE Juliano não atende com eficácia as CC. Entendo que esta afirmação é forte, e que muitos adeptos desta prática anual podem ficar desconfortáveis, em especial aqueles especialistas no seu trato, na sua plástica e na organização deste modelo de PE Juliano. Portanto apreciaria que antes de julgar a não procedência do conteúdo deste texto, o leia na íntegra, e de forma realista o contextualize na sua Central ou Singular.

Assim sendo, oriento que sejamos mais suaves quando o defendemos como uma ferramenta de suporte eficaz para as CC. Assim, poderemos ter tempo e propensão para aprendermos novas formas de projetar e gerir nosso negócio no curto prazo, focado em algo mais realista e centrado em nosso cenário comercial. Reforço esta minha mensagem citando Maslow, que nos ensinava que: “Se a única ferramenta que se tem é o martelo, tudo se parece com um prego”, e outra citação de domínio público: “Provavelmente quem descobriu a água, não foi o peixe”.

Ou seja. Com a rapidez do acesso as informações, do dinamismo do mercado, dos desenhos de crises e oportunidades, dos diversos micromercados onde atuam as CC, seria prudente adotarmos mecanismos de gestão mais oxigenados que espelhasse de forma “online” nosso cenário e facilitassem nossa competitividade. O ano fiscal Juliano passaria a ser apenas mais uma referência temporal disponível ao modelo.

Há um relevante detalhe que pode passar despercebido de quem adota o tradicional PE Juliano. É que a direção/gestão da CC despende dias precisos para conjeturar sobre o mercado no(s) próximo(s) ano(s), deixando de atender com maestria seu mercado durante este período. E quando voltam, tendem a estar perigosamente “entorpecidos” comercialmente, pois suas mentes desenharam por dias um cenário muito fortuito para um próximo período, onde tudo de bom irá ocorrer. Lembremos que planejar é algo necessário, mas é uma abstração da realidade, pois nos obriga a viver no mundo das ideias e de cenários imaginários. E pior. Que nada disto foi acordado com o mercado.

Outro aspecto que reforço e que merece muita atenção é o de literalmente não se perseguir o PE quanto suas ações comerciais, mesmo após ter despendido tantos esforços. Esta constatação, sem uma justificativa plausível coloca em cheque sua utilidade, o esforço em confeccioná-lo, e principalmente a crença na sua utilidade como uma eficaz ferramenta de suporte.

Risco no PE – Cada vez mais sofisticado academicamente

Os PE das CC se sofisticam perigosamente a cada ano, e sempre incluindo novos termos acadêmicos, de preferência em inglês, pois grafá-los em português tiraria sua “eficácia” e “glamour” e certamente colocaria em risco a propositura do seu conceito. Conceito este que, pela sua óbvia coerência com a realidade, muito provavelmente já era praticado com simplicidade e eficácia, há mais de 50 anos, no dia-a-dia de grandes comerciantes, como o “seu Joaquim da rede de padarias” e pelo Sr. Samuel Klain, dono das Casas Bahia, de quem sou fã, e recomendo a leitura de sua bibliografia antes de iniciar o PE de 2009.

O Sr. Samuel, sem nenhuma necessidade de rotular academicamente suas ações comerciais, e não tendo nenhum conhecimento teórico, fez simplesmente o óbvio. Como mascate, de porta em porta, dia-a-dia, identificou necessidades e valores subjetivos no seu varejo e as atendeu de forma simples e com o que tinha. Tão simples que hoje assusta àqueles que só agem se estiverem 100% calçados em teorias acadêmicas, balizadores teóricos, pesquisas mercadológicas etc. Em conceito, as CC são também algo muito simples, e pela urgência de ganhar músculos comerciais, precisam de ações práticas e ajustadas a cada um de seus micromundos. Temas estes usuais em minhas consultorias e treinamentos.

Contudo, na prática, o que se observa, é que todos os novos modismos acadêmicos de gestão, trazem desenhos que “pretendem” realmente simplificar as correlações entre grandes vertentes do negócio: cliente, mercado, produto, aderência, rentabilidade… E, em um ambiente despreparado comercialmente, estes modismos teóricos ganham ares de profundos conhecedores da realidade comercial (ex. CRM). Um ledo e terrível engano. O sucesso permeia pela coexistência deste cenário, mas somente se conduzido pela astúcia advinda da experiência e da vivência comercial. Como diz um sábio dito popular: “Se você não sabe negociar, não monte um negócio” ou “Só haja comercialmente, após cheirar seu mercado”.

Neste quesito de “onda” acadêmica de gestão, lembro-me de um forte movimento que presenciei em meados da década de 90. Reengenharia, ou como alguns passaram a chamá-la, “Reenganaria”. Pois, este modismo de primeiro mundo chegou como a solução da lavoura, mas não estava “sintonizado” com nossa realidade. Depois de um traumático e caríssimo processo, deixou enormes estragos por onde passou, quase quebrando saudáveis instituições. Conceitualmente era algo tão infalível que não havia como dar errado. Mas deu. Poderia citar outros como Transfer Balance, Security Card, …

Tendência do PE 2009 – Mais plástica e teoria e menos eficácia comercial

O ramo de serviço não precisa de tanta teoria. Precisa de atitudes coerentes, agilidade, persistência e principalmente de gente com muita satisfação em servir e vontade de sorrir. As CC não devem perder muito tempo no belo desenho, nas teorizações e nas métricas de sua implementação. Devemos despender mais esforços no plano comercial básico. Algo vivo e útil no dia-a-dia.

Importante: Pelo que estudo e conheço das CC brasileiras, não será na teoria acadêmica que elas encontrarão as respostas que tanto precisam. Lá, pela fácil exposição, há um excesso de destaque a belos e “ditos novos” conceitos e/ou rearranjos de preceitos, em especial aqueles “importados” de outros países e/ou de mercados distintos do Cooperativismo de Crédito brasileiro. O mercado de varejo não dará a mínima aos belos teoremas dos livros, as teses acadêmicas, as discussões acaloradas dos pensadores ou as belas apresentações, salvo se estiverem 100% a ele ajustadas.

SOBRA EFICAZ – Uma reflexão profunda e necessária neste PE

Este assunto poderia ser tratado em um texto próprio, mas estou convencido que será muito útil para o modelo de negócio CC tratá-lo dentro deste texto maior. Vamos lá. Um dos inúmeros temas relevantes do PE de 2009 será a projeção das sobras. Assim sendo, gostaria de compartilhar uma oportuna e profunda reflexão, e que pode realmente ser de extrema grandeza se bem conduzida, ou mesmo demonstrar elevada incoerência na análise tradicional das sobras.

Imaginemos que sua singular teve um milhão de sobras em 2006 (AGO de 02/2007). E de dois milhões em 2007 (AGO de 02/2008). Em uma análise simplista, tal qual usualmente fazemos, entendemos que foi um resultado fenomenal. Crescimento de 100% em 12 meses.

Mas aqui ocorre um erro crasso de gestão que pode vir a sucumbir uma singular. Vejamos. Em minhas consultorias oriento meus clientes que é básico para um eficaz Plano de Ação Comercial, “re+conhecer” o que “CABE” em cada associado. Pois eles, na sua individualidade, são nossas menores fontes de receita e despesa. Algo de fácil assimilação pelos meus clientes, pois se utiliza uma métrica óbvia e nada acadêmica. A nova realidade traduzida pelo método do que “CABE” em cada associado demonstra facilmente, por aglutinação, o potencial total da CC em gerar bons negócios com sua base instalada.

Resumindo: Sabendo o que “CABE” individualmente em cada associado, podemos saber o que “CABE” na base atual. Assim, determinamos qual é o real potencial de rentabilidade líquida deste público, partindo da premissa que a singular será eficaz comercialmente junto a sua base. Consequentemente, esta rentabilidade líquida potencial da base anualizada nos dá a “SOBRA EFICAZ”. E esta será o denominador para se calcular se a sobra apresentada em 2007 é consistente ou não diante a realidade do potencial da rentabilidade líquida instalada na singular. “SOBRA EFICAZ” é o objetivo a ser perseguido, e não um número qualquer sem balizador técnico, tal qual a sobra do ano anterior.

Agora voltemos à simulação anterior, onde sua singular teve 2 milhões de sobras em 2007, contra 1 milhão em 2006. Imagine que após um levantamento técnico do que “CABE” de negócios em sua base, constatou-se que o potencial de rentabilidade líquida da totalidade da base de sua singular é de 13 Milhões/ano (SOBRA EFICAZ).

Isto explicita que sua singular entregou na última AGO apenas 15% do potencial de rentabilidade líquida que a base pode oferecer (2/13). Sendo mais didático. Imagine que sua singular é um caminhão para treze toneladas, e está levando apenas duas toneladas. Certamente ela não está sendo eficaz comercialmente, seja por não conseguir olhar toda a carroceria pelo retrovisor, ou acomodar mal a carga, ou ainda estar levando grandes isopores (clientes ou negócios “tranqueiras”). Pode ser que muito em breve sua singular não tenha rentabilidade líquida para pagar a mensalidade do caminhão – custo operacional, ou reservas (sobras) para substituí-lo por um mais novo e eficaz.

Assim, o crescimento das sobras em 100% (2006/2007) já aparenta uma séria incongruência na sua sustentação técnica. Ou seja, ao invés de estarmos comemorando um “enorme” crescimento em 2.007, deveríamos sim estar em alerta total e severamente atentos ao futuro comercial de nossa singular. Aconselho que doravante, internamente, os números brutos de sobras, e suas evoluções percentuais sejam analisadas com muito mais cautela e tecnicismo. Este assunto é muito mais importante do que “descobrir” que 60% da sobra de 2007 foi oriunda da concessão de crédito massificado – seus juros e suas TAC, que deve ser o que ocorreu em sua singular.

PE 2009 – Conclusão

Ano após ano ficamos encantados diante a mesma sinfonia, mesmo que algumas vezes com arranjos diferentes ou com públicos pagantes cada vez menores. O PE tradicional é como se ficássemos guiando uma carreta carregada serra abaixo, e de repente, saíssemos da posição de motorista para passageiro para assistir a um DVD motivacional que nos ensinará como devemos dirigir em uma nova e linda estrada de seis pistas que está sendo projetada para daqui a alguns anos. De real mesmo, só temos a carreta carregada serra abaixo. Voltemos para o banco do motorista e entreguemos nossa carga com total segurança. Esta é a nossa missão. Depois, se der tempo, com segurança e total atenção ao mercado, iremos “sonhar” com o ideal.

Atenção: O PE é um norte desconhecido de um mercado que é dinamicamente alterado e que não segue o engessamento do calendário Juliano. Portanto, devemos estar atentos para não baixarmos a guarda nenhum dia no ano, em especial no final do ano, onde os ânimos, para o bem e para o mau, estão à flor da pele, seja do mercado, acionistas, clientes e funcionários.

Sugestão final: Que os gestores de cada singular, alinhados à sua realidade, façam uma revisão serena da prática dos seus modus operandi de PE e, se possível, ponderem quanto a sua real utilidade.

Obs: em meu site, há outros textos correlatos ao PE que podem dar-lhe ainda mais subsídios, como: “Planejamento Estratégico 2008 – 11 reflexões” e “2007 – Revendo para Competir”.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 22/10/2008