Onde estão os Calcanhares de Aquiles dos concorrentes?

Conta-se que durante a guerra de Tróia, a mãe de Aquiles, visando fortalecer sua natureza mortal, o mergulhou ainda bebê nas águas do mitológico Rio Estige. As águas tornaram o herói invulnerável, exceto no calcanhar, por onde a mãe o segurou para mergulhá-lo no Rio. Daí a expressão “Calcanhar de Aquiles” significando ponto vulnerável.

O fato de sempre ter viajado muito nestas três décadas no mercado financeiro massificado, e mais recentemente visitado praças ditas menores para atender as cooperativas de crédito (CC), me permitiu acompanhar um discreto movimento mercadológico. Este importante movimento suporta as CC, quando divulgam aos seus associados aspectos que acreditam diferenciá-las dos bancos comerciais, em especial, o que enaltece suas habilidades em focar comercialmente o desenvolvimento de sua microrregião. Quem sabe este não seja um dos maiores diferenciais de uma CC, haja vista que os demais têm predisposição a irem lentamente se enfraquecendo diante do dinamismo do mercado.

Os grandes bancos comerciais têm pontos falhos – Calcanhar de Aquiles – e quase impossíveis de serem corrigidos, portanto, cabe às singulares apontar suas “flechas” para eles, tirando o máximo proveito desta realidade.

Quem e onde?
Os grandes bancos de varejo massificado podem ser um fraco concorrente das CC, se atuar em uma mesma região de uma singular, e esta região estiver distante de sua matriz. Um antigo e sábio dito popular explica esta variável comercial: “O gado só engorda sob os olhos do dono”. Ou seja, as singulares se beneficiam deste cenário, pois fazem um acompanhamento mais dinâmico de seu mercado local, seja em função de restrições legais quanto à área de atuação ou por disporem de limitadas estruturas operacionais.

Podemos reforçar ainda mais este contexto. Imaginemos um polvo com seus oito grandes tentáculos. Se seu cérebro optar por ir para uma direção, obriga avançar com um tentáculo e fazer com que os outros sete o sigam. Também que, quanto maior for seu tentáculo, menor será a sensibilidade e agilidade para identificar um ataque em uma extremidade e até mesmo reconhecer sua realidade e tendências. Novamente, ser gigante num Brasil de mercado tão eclético pode não ser um diferencial tão relevante. Costumo orientar que somos distintos 1.000 “Brasis” e que nosso mercado não é para amadores ou apenas teóricos.

Comunicação e linha cruzada
Por anos participei da definição de campanha e metas de milhares de gerentes de agências e de carteiras de um grande banco. Mesmo que haja um grande esforço em “acertar” na definição coerente das metas de cada carteira de clientes, o que se vê são formas puras para “implantar” ganhos de mercado e/ou “elevar a aderência”, colocando o gerente da unidade como único responsável pelo insucesso da unidade.

Portanto, os dirigentes de bancos de varejo ainda se equivocam pela pouca atenção na retenção e maximização de receita junto a bons clientes, e pela baixíssima sintonia com a realidade comercial de cada agência. Com um mercado tão comprador de crédito, gerando altíssimas rentabilidades, estas imperfeições ainda são possíveis, mas não esconde a baixa competitividade dos grandes bancos que atuam em áreas distantes de suas matrizes.

Por sorte das CC, os bancos comerciais têm grandes estruturas gerenciais em suas matrizes, as quais, de forma quase automática, tendem a julgar equivocadamente o que seja a verdade mercadológica nas praças de suas agências distantes. Muitas vezes se baseiam em números macros divulgados por instituições oficiais que podem carregar imperfeições técnicas. Outras se baseiam na história recente dos números da unidade. Assim, passam a definir metas para estas longínquas agências utilizando fórmulas matemáticas puras ou baseadas em modismos acadêmicos. Quando não as fazem por necessidade pontual de uma área/diretoria. Estes desvios de gestão são difíceis de ser cometidos pelas CC, seja pelo seu tamanho ou proximidade com suas unidades/mercado.

Tão importante quanto a métrica utilizada pelos grandes bancos para balizar as metas e estratégicas comerciais para suas longínquas agências, é a eficácia ao repassá-las. Usualmente as repassam para suas diretorias regionais, estas a suas gerenciais regionais, que por sua vez, como um “telefone sem fio”, as repassam aos gerentes titulares das agências, e estes seus subordinados. Assim sendo, os gerentes de agências longínquas recebem ordens que eram perfeitas, coerentes e claras enquanto estavam na matriz, mas que tendem a estar desalinhadas da microrregião onde compete a agência.

Reflexões e muletas
Mesmo que sejam grandes bancos concorrendo na região de uma singular, seus dirigentes devem ter muito discernimento ao considerá-lo como um “grande” e “real” concorrente. Não raro, muitas vezes, os concorrentes diretos de uma CC é sua baixa agressividade comercial, que pode ser agravado conforme o modelo de gestão adotado ou pela não adequação de alguns dogmas cooperativistas à realidade de seu mercado.

Os dirigentes das CC devem atentar para que seus gerentes de unidades não usem a existência de um “grande banco” como muleta para não crescer ou buscar novos e bons negócios. Se há um ou mais bancos de varejo na praça, é por que há riquezas para ser dividida ou prospectada. Ainda quanto às muletas de quadro comercial de uma CC, ouço corriqueiramente desculpas para justificar um fraco empenho e desempenho comercial, como: O grande banco tem mais tecnologia, mais tradição, mais agilidade no crédito, maiores limites, maiores salários, etc. A força de venda tem que entregar produção com os recursos que dispões, superando os percalços. Em tese, há pessoas qualificadas na CC estudando como superá-los. Se fosse fácil não precisaríamos ter contratado pessoas com esta qualidade. Fazer muito, tendo muito é fácil, qualquer um faz. O jogo é superar-se.

O estresse
Resultados comerciais consistentes são obtidos por gente motivada. Assim sendo, é de se esperar que seja estressante a carreira profissional destes gestores de agências distante das matrizes. Estas agências seguem o layout, sinalização, tecnologia etc. das demais unidades localizadas nas grandes praças. Contudo, perdem por não ser-lhes permitido uma gestão dinâmica local. O sistema decide e barra qualquer tentativa de ajuste de soluções. As auditorias passam a ser sistêmicas e 100% punitivas.

Estas agências terão que “entregar” produção local a qualquer custo, pouco importando se receberam metas destoadas da realidade local. Isto desencadeia diariamente uma pressão psicológica quanto à demissão incondicional. Estes têm clareza que serão avaliados sempre como matrículas e como centro de custos/despesas. Sabem que para seu empregador, o fechamento de uma unidade distante por “inviabilidade” econômica, com demissão do quadro local, nada afeta a “potência” e “percepção” de grande banco.

Os profissionais de agências longínquas, por questão de segurança do empregador, são “convidados” a mudar de unidades em períodos certos. Reconhecem que estão perdendo o poder de decisão, seja pela gradual redução de alçadas, pelo crescente engessamento sistêmico, etc. Esta constatação vai lhes tirando o glamour de ser gerente de agência, em especial de uma cidade pequena. Passam gradativamente a ter uma posição mais focada em controles/ acompanhamentos/ normativos/ auditorias internas e apenas figuras decorativas no relacionamento com a clientela realmente rentável da praça. Suas unidades tendem a ser mais uma agência reativa a riqueza local, uma tiradora de pedidos, um grande “correspondente bancário”.

Estes gestores tendem a ter baixa interação junto ao nível social da comunidade que comanda e/ou direciona a riqueza local. O que é um diferencial competitivo facilmente verificado junto aos diretores e gestores das singulares. Assim sendo, em conceito, estes gerentes de agências longínquas, passam a ser um escritório “órfão”, não tendo os mesmos diferenciais comerciais de uma singular. A existência deste cenário apresenta “calcanhares” expostos que podem ser entendidos e flechados pelas CC.

Coerência comercial
Claro. As CC devem respeitar todo e qualquer banco de varejo que se instala na sua região. Contudo, é equivocado acreditar que serão terríveis os estragos em função da existência de uma agência de um grande banco, em especial se esta estiver longe de seu quartel general. Isto é natural da agressividade do mercado e uma situação hiper previsível quando da criação de qualquer CC.

Recentemente presenciei duas CC competindo acirradamente pelo mesmo mercado. O mercado sempre estará nos surpreendendo, nos testando, seja para nos amedrontar ou nos fazer crescer. Assim, cabe a singular fazer com eficácia sua lição de casa, que é compreender muito bem a sutileza de seu mercado, disponibilizar soluções comerciais óbvias e capacitar seu quadro para: entender para atender; ter muito prazer em ser útil; gostar realmente de trabalhar na CC e querer matar um leão por dia.

Contudo, é relevante observar que o aqui exposto pode vir a acontecer com grandes CC, ou em CC menores que estejam fortemente atreladas a estruturas superiores, como: Gerências Regionais, Centrais Estaduais e Confederação, haja vista que o modelo “sistêmico”, em alguns momentos se aproxima muito da gestão macro de grandes bancos de varejo. Portanto, potencializando seus mesmos benefícios e deficiências.

Conclusão
O futuro das CC depende cada vez mais de encontrar novos “Calcanhares de Aquiles” nos concorrentes, atacando-os de forma eficaz. A melhor forma de defesa é o ataque. É infantil acreditar que os bancos de varejo massificados não as consideram concorrentes diretos. Contudo, o resultado do ataque será pífio se premissas básicas de mercado não forem rapidamente potencializadas ou mesmo implementadas. A perpetuação das CC precede de respeitar o mercado e não regras e atitudes que podem estar desalinhadas ao seu dinamismo. O mercado é soberano e ele, sem aviso, determina o que será descartado.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 28/01/2008