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O risco oculto na renovação do cheque especial por Isaac Newton

Algumas de nossas grandes familiaridades na vida vêm de algum professor que nos influenciou quando ainda éramos crianças. Lembro-me muito bem do meu encanto ao ver o professor Macedo, quando na quinta série do ensino primário nos apresentou na aula de Ciências o Disco de Newton, uma descoberta no século XVII do físico e matemático inglês Isaac Newton. É um disco contendo as cores que compõe a luz solar e que demonstra que a luz branca do sol é composta pelas cores do arco-íris. Ao girar o disco cada vez mais rápido as cores fortes vão se diluindo até chegarem na cor branca, por se sobreporem em nossa retina. Acho que foi aí que despertou em mim a inquietude de me atentar para as coisas que podemos melhorar, tanto que na década de 1980 cheguei a obter sete cartas patentes por inventos das mais variadas aplicações.

Então, ao girar de forma frenética o Disco de Newton ficamos cegos quanto ao conteúdo original das cores vivas que lá existem. Será que não podemos estar um tanto quanto cegos quanto às reluzentes cores vermelhas que serpenteiam os riscos dos limites do cheque especial? Sim, pois tendem a ficar brancas pelo frenesi da gestão desta solução, ocultando riscos relevantes.

Revendo os preceitos do Limite do Cheque Especial: historicamente o limite do cheque especial foi uma solução que só era dada a ótimos clientes para, além de reforçar sua condição de clientes “Vips”, também poderia, em uma eventualidade, suprir algum descompasso pontual de caixa. Pois, por décadas, o cheque físico foi o único meio de movimentação “dinâmica” e às vezes ocorria a apresentação de algum cheque antes da data acordada. Lembrando ainda que, nessa época de hiperinflação, o limite do cheque especial era a única linha de crédito massificada “pré-aprovada” que existia e, neste contexto, sua taxa de juros não tinha a agressividade atual.

Ocorre que nestas duas últimas décadas com a “bancarização” de quase a totalidade dos brasileiros que conseguiram comprovar renda e obter condições de pagar um pacote de serviço mínimo, os bancos viram que o cheque especial é uma solução muito mais rentável do que o crédito parcelado, além do que, de certa forma, o cliente se auto gerencia e atende diante do frenesi da vida moderna por compras de serviços e de produtos ditos “socialmente corretos”. Cenário este potencializado pela severa carência de educação financeira deste público. Recomendamos a releitura do artigo postado em nosso site em 09/2015: “Crédito de vencimento único potencializa perdas únicas”.

A origem do risco oculto do Cheque Especial: a renovação do cheque especial é automática, e isso naturalmente é definido nos contratos. Entretanto, ainda vemos como ineficaz no Cooperativismo de Crédito as regras e processos formais que retiram este limite do cliente. E vemos nos grandes bancos, ano após ano, ações formais e processos que tornam estressante a vida de clientes que usam de forma desregrada o limite do cheque especial, mas que, por sua vez, tornam mais ágeis e protecionistas as ações legais da instituição. Portanto, por mais que acreditemos que nossos contratos são eficientes, nos parece que poderiam ser muito mais assertivos realmente nos “protegendo” nas ações frente ao cheque especial, como por exemplo: liberdade para: elevar limites e taxas, reduzir ou retirar limites, automatizar a transferência de limites para parcelados etc.

Um fato que pode parecer secundário, mas que é relevante, é o prazo de validade do contrato, bem como a antecedência que devemos avisar o cliente quando resolvemos retirá-lo. Pois, com contratos mais curtos, podemos gerir para que possamos apenas não os renovar, ao invés de retirá-los de forma “intempestiva”, o que pode gerar ainda mais desconfortos comerciais.

Onde nos ofusca o Disco de Newton quanto ao Risco do Cheque Especial? Há um risco que pode ser muito representativo em nossas Singulares (como nos bancos) que é o fato da renovação dos limites serem automáticas, independente se o cliente está com apontamento nos birôs de negativação (ou mesmo seu eventual aval), ou com risco de provisão interno acima de um patamar razoável (ex. acima de “C”). Isso significa que, em uma condição natural, um cliente estando “negativado” não teria acesso a esta solução. Contudo, por ser uma renovação automática não se faz essas consultas e, assim, o risco é dinamicamente aceito e a provisão é equivocadamente a menor possível. Um cenário nada prudencial.

Há outro agravante nesta contextualização que precisa ser analisado. Caso o cliente não estoure seu limite ou o use de forma a cobri-lo de tempos em tempos, ele não irá agravar sua provisão interna na Singular em função do uso deste limite. E isso é ainda mais efetivo se esta for a única forma de crédito que utiliza conosco.

Vamos pensar um pouco: diante das exposições de motivos acima, sua Singular teria conforto em facilmente responder as questões abaixo com a coerência que o tema requer?

  1. Há clientes com limite de cheque especial com apontamentos em birôs externos ou em provisão acima do aceitável (ex. “B”)?
  2. Sua política de crédito permite que haja concessão ou principalmente renovação de limites de cheque especial para clientes com apontamentos externos ou riscos acima de “B” (ex.)?
  3. Quantos clientes tem acesso a limites de cheque especial, mas que, conforme o manual de crédito, não deveriam tê-lo por estarem com apontamentos externos ou risco acima de “B”?
  4. Sua política de crédito aceita que na eventualidade de se pedir aval para a concessão ou renovação de cheque especial, este tenha apontamentos em birôs de negativação externos?
  5. Qual é o limite alocado e utilizado frente a carteira de cheque especial de clientes com apontamentos externos ou risco interno acima de “B”?
  6. Como está normatizado no contrato a forma de retirarmos o limite de cheque especial? Pois estando pouco coerente, pode transformar esta ação em algo inseguro e estressante.
  7. Há sistema para informar aos gestores de clientes dias antes do vencimento destes contratos com apontamentos, para que possam adotar ações gerenciais para retirar estes limites de forma harmoniosa?
  8. funding na Singular para realocação em um uso eventual, como ocorre no uso do limite de cheque especial para um crédito parcelado onde a necessidade de funding é efetiva?
  9. O estatuto da Singular define de forma claríssima que este mau uso pode ser motivo de exclusão do quadro associativo?
  10. Havendo a decisão por ser mais efetiva frente a exclusão de limites de clientes com negativação externa ou risco acima do desejado (ex. “B”), sabe-se de antemão quanto esta ação irá reduzir a receita financeira direta (e indireta), bem como seu impacto na provisão?
  11. Há uso do limite de cheque especial para cobrir parcelas de crédito parcelado? Isso representa um descompasso gerencial e de gestão e provisão de risco, pois liquidamos um crédito utilizando outra linha que não se presta para esta finalidade. Tema amplamente debatido em nosso artigo de 02/2012: “Risco “i” – Uma nova classe de risco para o Cooperativismo de Crédito”, onde encontrar outras intrigantes 29 formas que ocorreram o risco “i”.
  12. Etc.

Reflexão Final: ao entrarmos no frenesi da concessão de limite de cheque especial, certamente podemos ter perdido um pouco da visão quanto aos seus riscos mais ocultos, tal qual ocorre ao olharmos para o disco de Newton, que apesar de ter várias cores, inclusive um vermelho brilhante, apenas vemos o branco, como se uma calmaria estivesse ali controlando o cenário.

Sem dúvida o limite de cheque especial é uma solução “útil” ao cliente que nos é hiper rentável, mas isso não pode nos fazer acreditar que sua gestão é um primor. É hora de reduzir a rotação de nossa previsibilidade quanto à gestão da solução de cheque especial, para que passemos a gerir cada uma de suas cores com a atenção que cada uma delas merece.

O que nos orientaria o brilhante cientista Isaac Newton ou mesmo meu querido professor Macedo? Pediriam que o óbvio fosse feito antes de girar o Disco. Ou seja, devemos entender cada detalhe das cores que iremos utilizar, antes de ficarmos em estado de torpor pelos sinais formais do cotidiano, que rotineiramente nos leva a olhar os números e indicadores, mas não aquilo que é essencial. Que neste caso é entender os segredos das inúmeras facetas daquilo que os compõem.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 14/11/2016