O enigma da CMC – Comissão de Manutenção de Limite

Apesar de sua opção política, o filósofo Heidegger, poderia ser um conselheiro dos executivos dos bancos de varejos, pois estes esqueceram uma de suas máximas “O Simples guarda o enigma do que permanece”. Ou seja, o óbvio para todas as instituições financeiras é fomentar a percepção em seus clientes de que realmente existe um bom relacionamento comercial entre as partes, ao ponto destas se sentirem serenas e satisfeitas com os valores e relevâncias envolvidos.

Acreditamos que o Banco Central (BACEN) deve interceder para que a ganância dos bancos seja suavizada permitindo uma mediana harmonia com a sociedade que depende destes serviços. Contudo, apesar do BACEN ser bem intencionado, fica notório que não dispõe de astúcia para editar regras, frente à criatividade dos bancos de varejo. Esta sua falta de malícia ficou explícita na fracassada tentativa recente de moralizar as tarifas bancárias. Algo socialmente inútil, pois os bancos deram um “balão” em 100% nas regras. (leia em meu site: A ineficácia das leis de tarifas).

Neste cenário de fraco controle e normatização por parte do BACEN, os bancos de varejo teimam acintosamente em buscar seus máximos resultados focando unicamente os tomadores de crédito, pela sua reconhecida dependência, seja via altas taxas, tarifas, vendas casadas, etc. Até então poderia se dizer que faziam fortunas agindo de forma dissimulada sobre este público. Mas veremos a seguir uma nova investida comercial dos bancos de varejo que merece nossa total atenção e dos técnicos de plantão do BC, do Procon ou mesmo da Promotoria Pública.

Conhecendo o fruto da bizarra criatividade

Você já ouviu falar de CLC (Comissão de Limite Concedido), ou CMC (Comissão de Manutenção do Crédito), ou ainda de CML (Comissão de Manutenção de Limite)? Nada mais é que algo conceitualmente incrível e de uma criatividade ímpar. Vejamos. Seu limite é de R$ 1.000,00 com taxa de 10% a.m. Neste mês você usou R$ 100,00 durante todo o mês. Pagaria apenas R$ 10,00 de juros? Errado. Bancos como: HSBC, Santander, Unibanco… imputam a você um custo por deixar a sua disposição o limite de R$ 1.000,00. Já que usou, irão cobrar mensalmente um “penalty”, que decidiram chamar de “comissão” visando ter “argumentos defensáveis”. É a tal CML.

Há várias formas criativas de cobrar esta “comissão” mensal. A mais comum aplica um percentual próximo de 0,3% sobre o TOTAL de seu limite caso o use no mês. Ou seja, além dos juros, ainda pagará no mês que usou o limite, mais R$ 3,00 (0,3% s/ R$ 1.000,00) a título de CML. É um castigo por você ter usado algo que eles alocaram em sua C/C, e que constantemente recebe majorações sem sua solicitação. Assim, neste mês, você pagou realmente 13% e não 10%.

Este percentual fica ainda mais absurdo quanto menos você usar o limite no mês – seja em valor e/ou tempo. Assim. Se no mês em questão usar por apenas 5 dias R$ 30,00 de seu limite de R$ 1.000,00, pagará algo próximo de R$ 0,50 de juros (10% a.m.). Mas a ele será acrescido a “comissão” de 0,3% do limite de R$ 1.000,00 (R$ 3,00). Perfazendo um custo total mensal de R$ 3,50 por ter usado R$ 30,00 por cinco dias. Atenção. Um “juros” absurdo próximo de 70% a.m. Imagine entrar no cheque especial por R$ 1,00 em um único dia do mês. Pagar-se-á mais de 300% a.m.

Os bancos estão em êxtase diante do potencial desta “comissão”, mas imaginavam que poderiam cobrar esta “comissão” de forma dissimulada, sem explicitá-lo a sua base. Contudo, ela afronta o bom senso pela sua incidência e pelos valores. Isto acaba expondo o banco junto a seus clientes, na mídia e com os Procon´s. Diante desta “saia justa”, alguns bancos, tentam dar uma conotação de legalidade e transparência a esta “comissão”. Após a implementar e cobrá-la, enviam a seus clientes mala-direta de conteúdo “vazio”, com data retroativa, tentando explicar algo inglório. Também alegam ser legal esta “comissão” e que as explicações estão disponíveis no site e na tabela de tarifa. Até pode ser legal, mas é frágil moralmente.

Nunca podemos subestimar a criatividade e a gana dos bancos por resultados a qualquer custo, mas esta ação demonstra desespero, chegando a ficar cômico e infantil qualquer um de seus discursos quanto à ética, a moralidade (Compliance) ou a responsabilidade social. Sem dúvida, agora, esticaram drasticamente o elástico do bom senso. Acredito que seria muito mais coerente e defensável se os bancos quisessem cobrar um “penalty” (juros/tarifa/taxa) sobre o uso de cheque especial durante algumas horas durante o dia, visando permitir saques e pagamentos do cliente. Este, ao final da tarde ou na compensação noturna, cobriria seu limite em parte ou no todo. Ou seja, se o cliente usou um recurso do banco por algumas horas (minutos) é defensável que pague um valor por este serviço, pois a existência do limite permitiu honrar seus compromissos. Nossa!!! Acabei alimentando o mostro com esta ideia.

Este é o ponto. Boa criatividade precede de coerência

Falo de criatividade com conforto, pois esta foi minha especialização nos EUA, além de já ter sete invenções patenteadas e ter trabalhado por anos na área de desenvolvimento de produtos de um grande banco. Vamos lá. Acredito que o ciclo de criatividade dos bancos está chegando a um patamar insustentável. Contudo, não vemos ações dos legisladores visando entender este modelo de negócio antes de redigir suas leis. Isto possibilita que qualquer instituição dê um “balão” nos normativos. O BACEN precisa acordar e fazer algo astuto, estruturado, e hiper criativo jogando rapidamente um balde de água fria sobre esta modalidade de “comissão”. Ela não premia de nenhuma forma o relacionamento comercial. Apenas faz com que os tomadores de crédito PF carreguem de forma sufocante o piano da lucratividade destas instituições, sem que desfrutem de uma excelente contrapartida em soluções. Será que os executivos dos bancos não percebem que estão tentando matar a vaca para acabar com os carrapatos.
Prezados! Onde estão as necessárias ações serenas junto aos tomadores de crédito permeadas pela Santa Constância, visando lucros ponderados, mas sustentados e de longo prazo? Cadê a sensatez quanto à coerência e consistência comercial.

Alguns aspectos ditos “Técnicos”

Internamente os bancos orientam seus funcionários de que o motivo desta “comissão” é técnica, alegando que é ensinamento da crise financeira mundial. Se todos os clientes tomarem seus limites num mesmo período poderá haver um problema de solvência/substância. Ou seja, ao invés do seu gerente conversar com você orientando sobre o limite que ele lhe alocou, você é que deve pedir-lhe para reduzi-lo, pois desta forma você pagará menos “comissão”. Comercialmente, algo de uma insanidade atroz. Portanto, nesta linha insana, se você achar que seu limite está exagerado, ou o usa apenas parcialmente ou eventualmente, peça a seu gerente para baixar ou retirá-lo, evitando assim pagar menos ou não pagar esta “comissão”. Como diz aqui no Sul. “Esta é para acabar”.

Atenção: De uma forma indireta, esta “comissão” ressuscitou a TAC–Taxa de Abertura de Crédito, adorada pelos bancos. O interessante é que para alguns bancos esta receita é comissão, e não tarifa ou taxa. Portanto não está postada em sua tabela de tarifas. Mas se lá constar, ela estará disposta tão distante das tarifas de Conta Corrente, e tão “discreta”, que você demorará mais de 30 minutos para achá-la dentre as outras 300 tarifas postadas na agência. Mas isto se agrava se tentar olhar uma tabela de tarifas de um banco de varejo via site em PDF, na tela do computador. É tarefa para guru em plena meditação, além de requerer conhecimento mínimo sobre o uso desta ferramenta de visualização do Adobe. Sem esquecer que o cliente terá que ter este software instalado e atualizado. Não acredito que a grande maioria dos clientes tenha habilidade, desejo e tempo para procurar as explicações sobre esta “comissão”. Eu fiz esta consulta, e afirmo que não é fácil.

Outro aspecto técnico. Estes bancos “reeditaram” seus contratos de Cheque Especial com sua base, de tal sorte que o novo contrato de 23 páginas foi “revisto” para atender estas “melhorias”. Se você deseja lê-lo, fique a vontade, mas primeiro tente achá-lo e após, não se esqueça de ter assessoria de um contador, um advogado e um economista, além de ter um cartucho novo em sua impressora.

Conclusão
Acredito que os bancos devam buscar sua rentabilidade pela venda eficaz de suas soluções, e não atreladas unicamente a um produto (crédito massificado) ou um tipo específico de cliente (tomador de crédito). Fica notória que cada ano que passa, de forma assustadora, esquecem algo que friso em meus treinamentos e consultorias: O relacionamento comercial é uma paga justa por um tempo justo. Torço para que os ensinamentos do Sr. Joaquim da padaria e do Sr. Samuel Klein das Casas Bahia sejam assimilados pelos dirigentes de bancos. E que lembrem. A teoria acadêmica e a criatividade são apenas subsídios para tomadas de decisão, e nunca suas balizadoras.

Não esqueçam: “O Simples guarda o enigma do que permanece” (Heidegger).

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 11/01/2009

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