O custo oculto do funding e do excesso de liquidez

Tenho por hábito reler alguns dos livros que mais me influenciaram, buscando aprender novas formas de refletir sobre o seu conteúdo, o que me leva, muitas vezes, a gostar mais (ou menos) da obra em questão. Mas nós, frente ao frenesi repetitivo de nosso cotidiano, tendemos a nos tornar pouco reflexivos sobre o que estamos fazendo ou mesmo sobre forma como orientamos nossos liderados. E, assim, não paramos para validar se são estas as melhores soluções para o momento ou para o projeto de médio e longo prazo da nossa Singular.

Reconheço em nosso modelo de negócio várias crenças e atitudes que mereceriam uma rápida e substancial reflexão visando rever seu modus operandi. Sendo que, na medida do possível, para muitas delas já explicitamos nossas ponderações através de nossos artigos enviados a milhares de leitores. Seguindo nossa linha de sermos proativos e úteis ao Cooperativismo de Crédito, passaremos adiante a abordar mais um intrigante tema, o qual, de forma “estranha” e “oculta” já afeta a maioria das Singulares, e mais potencialmente àquelas com excesso de liquidez.

Origem da reflexão

Devemos nos perguntar: quais seriam os motivos que levam uma empresa a comprar mais matéria-prima do que pode vender? Ou seja, porque muitas Singulares compram dinheiro em excesso, sem que haja uma estratégia comercial factível para sua venda a seus sócios?

Um dos mais fortes motivos que explicam a longa e elevadíssima liquidez de uma Singular é, sem dúvida, seu DNA de fundação e seu histórico de anos a fio focando em aplicadores. Esse, em tese, é também o perfil do quadro diretivo da instituição desde sua fundação. Algo historicamente até compreensivo, haja vista que anteriormente a LC 130 de 2009 o Capital Social “poderia” ser o único item das Sobras, o que fazia com que os sócios investidores vissem nas Singulares o maná dos Deuses quanto à rentabilidade para seus “investimentos”. E, após 2009, essas instituições mantêm esforços para que estes investidores não retirem essas suas posições investidas, e apliquem novos montantes, sem, contudo conseguir dar vazão destes recursos através do crédito de varejo.

Sugerimos outros oitos motivos para que uma Singular tenha excesso de liquidez:

  1. A adoção de uma política restritiva de crédito de varejo massificada;
  2. A não existência, em sua base, de sócios tomadores de crédito de varejo em volume necessário para demandarem este crescente excesso de liquidez;
  3. Liquidação de grandes créditos sem a devida recolocação destes recursos;
  4. A manutenção de ganhos expressivos nas aplicações, aos quais usualmente somam-se os bônus generosos na distribuição nas Sobras pelas aplicações;
  5. Formas constantes e mensais de aportes de Capital Social;
  6. Repasse de recursos públicos ou de bancos cooperativistas para fomentar o Capital Social;
  7. Crescentes sobras, acarretando crescentes aportes em Reservas, “fundos de expansão”, Fates;
  8. Incentivo ao Depósito a Vista pelo prêmio generoso pago nas AGO … .

A verdade parcial: muitos executivos que ora nos leem, veem suas Singulares já emprestando há anos o máximo permitido pelo seu PR (Patrimônio de Referência), e acham muito confortável a posição dos executivos que têm de gerenciar uma Singular com exagerado excesso de liquidez. Alerto que esse discreto sentimento de “inveja” não deveria existir, pois nesse outro cenário é enorme o estresse para viabilizar o fluxo de receitas e despesas financeiras, os quais são problemas distintos das Singulares com pouca liquidez. Mesmo que sua Singular tenha pouca ou nenhuma liquidez disponível para alocar no crédito, este artigo contém uma enorme importância para sua instituição, haja vista que por parâmetros legais e prudenciais, ela retém um percentual próximo de 30% de sua liquidez em aplicações junto a sua “Central”.

A solução tradicional para o exagerado excesso de liquidez: Por sua forma de gestão e histórico as Singulares com exagerado excesso de liquidez tendem naturalmente a atrair mais investimentos e novos investidores. Assim, nutrem uma cultura conservadora de risco que expurga qualquer risco mediano de crédito de varejo massificado, ou o fazem com um processo de garantia muito acima do praticado pelo mercado. Assim sendo, para dar vazão a sua crescente e exagerada liquidez, passam cada vez mais a concentrar seus empréstimos em valores generosos, prazos longos e com garantias reais hiper líquidas, como se quem fosse pagar a dívida fosse a garantia e não o devedor. Contudo, esta prática se demonstra comercialmente frágil, pois é rapidamente finita, e portanto, não é suficiente para desovar sua enorme e crescente liquidez.

Diante desse cenário, as Singulares com exagerado excesso de liquidez passam a procurar “novas” e “criativas” formas de aplicar seus excedentes financeiros no mercado. Normalmente buscam soluções “supostamente” ditas seguras e rentáveis, pois o eventual teto de 100% do DI não lhes é mais rentável em função do pouco resultado frente às taxas elevadas pagas na captação, as quais se aproximam do ganho em uma tradicional centralização financeira através de sua Central/Banco.

Contudo, é certo acreditarmos que há, sim, riscos reais de perda para a Singular em qualquer aplicação que prometa pagar mais do que pagam os mais seguros títulos que são os emitidos pelo governo (Selic/“DI”). Nestes últimos anos nosso modelo de negócio vivenciou desfechos sofríveis protagonizados por Singulares com exagerado excesso de liquidez, que buscaram no mercado aberto soluções mais ousadas que pagavam acima do DI (Selic). Esse foi um dos temas de nossas minuciosas ponderações de 14 páginas sobre a consulta pública quanto a nova regulamentação do Cooperativismo de Crédito. Material postado em nosso site.

Importante frisar que estas Singulares correm um risco não mensurável na ponta captadora, pois um dia terão que devolver esses investimentos a seus sócios, e podem perder parte deste principal aplicado em soluções “criativas” e de “risco”. Perda de principal é algo usual e esperado que ocorra na carteira creditícia ofertadas a seus sócios, pois nestas taxas de juros há uma precificação do risco. Algo que não ocorre na aplicação do excesso de liquidez no mercado não compatível com a métrica adotada na captação (DI). Fica a dúvida. Temos conhecimento frente à complexidade que são estas aplicações estruturadas, ainda mais diante de um cenário econômico tão volátil, que sinaliza agravar-se nos próximos anos?

Outra situação comum é vermos estas Singulares com exagerada liquidez serem assediadas para fusões com Singulares menos líquidas, para que ajustem suas carências. Uma delas, carente de recursos e supostamente sabendo emprestar, a outra, com excesso de recursos e receosa para conceder empréstimos. Na prática essa combinação não é tão racional e saudável como se vê desenhado nos projetos de incorporação, e o que se vê após dois ou mais anos são resultados que demonstram esta incompatibilidade. Tema este complexo e que será detalhado em um novo artigo.

Reflexões extras sobre o excesso de liquidez:

  1. Se nosso negócio é comprar e vender dinheiro entre nossos sócios, incentivando a economia local. O que ocorre que faz com que a Singular não observe este preceito cooperativista?
  2. Um dos princípios do cooperativismo de crédito é realocar as riquezas poupadas na Singular na sua região de ação através de créditos concedidos aos seus sócios, visando o desenvolvimento regional. O excesso de liquidez, muito além do prudencial de 30% que fica depositado na Central/Banco, fere este preceito, pois será canalizado para comprar provavelmente papéis de “bancos concorrentes” (DI). Estes bancos emprestarão estes recursos em outras regiões (ou na mesma região da Singular), crescendo, assim, as nossas custas ou desatenções? É isto mesmo que queremos?
  3. O que faz a Singular ser conservadora no risco de crédito de varejo massificado, mas aceitar correr riscos crescentes nas aplicações externas de seu generoso excesso de liquidez, muitas vezes sem a devida astúcia para tanto, como vivenciamos recentemente em nosso mercado?
  4. Os ganhos com aplicações no mercado oriundos das aplicações externas e estruturadas do excesso de liquidez serão consideradas nas Sobras? Imaginamos que automaticamente seriam considerados, mas caso tenhamos perdas frente ao ganho balizado pelos títulos DI? Certamente estas perdas, ou “ganhos” abaixo dos títulos do governo, irão compor as Sobras. Seria penalizando-a? Como lançá-las? Há Fundo Garantidor?
  5. Você saberia mencionar nos próximos 12 meses o impacto na liquidez e no funding de sua Singular que representaria cada 0,25% de variação da Selic (DI), especialmente quanto aos custos, receitas e riscos? E como isto afeta seu Plano de Ação e Planejamento Estratégico?
  6. O que sua Singular fez de prático e efetivo para nestes últimos anos reverter o crescimento de sua exagerada e excessiva liquidez?
  7. Diante de uma crescente Selic (DI), como sua Singular analisa os potenciais impactos positivos e negativos deste artigo?

O custo do excesso de liquidez: Vê-se em uma primeira análise, que racionalmente é fácil definir o custo financeiro do excesso de liquidez, pois basta sabermos o custo financeiro das fontes de funding – dinheiro para emprestar – que poderemos definir o ganho da aplicação do excesso de captação no mercado. Mas veremos abaixo que, independente de não termos aqui considerados os demais custos pertinentes a estas captações, suas sazonalidades etc, há outro aspecto relevante e discreto que é usualmente esquecido por nós quando definimos o custo/ganho do seu funding ou o custo/ganho promovido pelo seu excesso de liquidez aplicado no mercado. Vamos entendê-lo:

O custo oculto do excesso de liquidez

Após essa exposição de motivos acreditamos que o leitor tenha ainda mais facilidades para acompanhar nossa inovadora e controversa linha de raciocínio, a qual guarda em seu âmago um conceito racional e simples que muitos esquecem.
Vamos pensar uma pouco: Se você é um empresário, por lei pagará em um ano 13 salários para cada um de seus funcionários. Sendo 12 durante o decorrer do ano e um extra como 13º salário. Ou seja, apesar do salário ser mensal há um extra a ser desembolsado anualmente pelo empregador, valor este que certamente consta em sua planilha de custos.

Mas vamos analisar sua Singular. Ela capta em depósito a prazo durante o ano pagando ganhos mensais (salário), e depois, balizado por esta mesma aplicação, dá a este investidor um bônus anual nas Sobras (13º Salário). Portanto, é racional considerarmos que contabilmente foi o CNPJ da sua Singular que pagou em dois momentos os ganhos a este investidor (remuneração pelo DI e o bônus nas Sobras). Ou seja, vemos aqui uma correlação direta entre os salários pagos pelo empresário e a remuneração feita pela Singular a seus aplicadores. Ambos arcam com os custos.

Então, devemos nos perguntar:

Apelo visual desta propositura quanto ao custo oculto do excesso de liquidez: Visando uma ainda melhor e mais simplificada explicação didática da abordagem principal deste artigo, enviamos em anexo o PowerPoint, que você poderá ir clicando e vendo que é unicamente de responsabilidade do CNPJ da Singular pagar bônus extras nas Sobras para os depósitos a prazo e depósito a vista, os quais são dois itens importantíssimos na formação da liquidez e funding.

Reflexões finais: tendo como base as explanações de motivos deste artigo, sugerimos que sua Singular reveja os custos de seus funding e de sua liquidez, pois, todas as nossas instituições, indiscriminadamente, retêm uma parcela de aproximadamente 30% de sua liquidez em suas Centrais/Bancos. E este relevante montante deve ser detalhadamente revisto quanto a seus custos, oportunidades, riscos, reflexo nas Sobras etc.

Vimos neste artigo que o excesso de liquidez é um grande problema e deve ser gerido de forma mais assertiva e definitiva por muitas Singulares. Devem evitar medidas paliativas, de curto prazo, e todas as demais que não ataquem o cerne do problema. Ou seja, elas precisam urgentemente ser eficazes na compra e venda de dinheiro e não apenas na compra. Todo excesso é prejudicial.

Caso considere procedente a linha de raciocínio traçada neste artigo, sugerimos que sejam rapidamente revistos seus custos de funding e o excesso de liquidez. Assim, acrescentando a eles os custos da Singular, quando seu CNPJ é debitado na AGO para fazer frente ao bônus entregue na distribuição de ganhos, aos sócios com sal médio em depósito a prazo e a vista no ano anterior.

Não descarte a possibilidade de passar a identificar prejuízo para o CNPJ da sua Singular quando comparado o que se ganha com o excesso de liquidez e o quanto se paga aos detentores de depósitos a prazo em sua Singular. Mesmo assim, lembre-se que há um percentual de sua liquidez que deverá ser retido na centralização como forma prudencial de segurança da instituição. E para este montante não há muito o que fazer, apenas reconhecer seu devido ganho (e eventual prejuízo) como exposto neste artigo.

Lembremo-nos que na AGO, a Singular perde patrimônio ao repassar parte de seu patrimônio em forma de “bônus” aos sócios com saldo médio em depósitos a vista e a prazo. Assim, se para o empresário o 13º é custo, também é custo para a Singular às despesas com as Sobras a serem creditadas no patrimônio dos sócios, seja em suas cotas capitais ou suas contas correntes.

Importantíssimo: a AGO é de fato um evento formal correlacionado ao ano anterior a sua realização no que se refere a distribuição das Sobras aos associados, e não um evento isolado.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/04/2015