Lendo sinais sutis do mercado

Tenho conta há mais de 40 anos no HSBC (antigo Bamerindus), onde trabalhei por 30 anos até 2003. É natural que gradualmente perca meu nível de informação das estratégias desse banco, contudo, como cliente Premier há mais de 15 anos, considero minhas necessidades medianamente atendidas. Percebo que este banco de varejo e os demais insistem em nos enviar alguns discretos e astutos sinais, para os quais deveríamos observar, pois são úteis a nós cooperativistas de crédito.

1º Sinal – Fim da Fila: depois do HSBC tratar por quase 20 anos seu segmento Premier como se fosse uma sanfona velha que quanto mais se mexe mais desafina, hoje o vemos voltar ao projeto original de 1997, buscando carteiras de clientes pequenas para tentar resgatar a tão desejada percepção de um bom e diferenciado atendimento. Uma dessas ações seria a de não ter mais agências abertas para atender o público em geral, transformando-as em “escritórios VIP” para seus ótimos clientes PF e empresários. Mantendo nestas unidades, além dos gerentes, apenas o serviço de entrega de talão, cheques devolvidos e a retaguarda para seus caixas automáticos.

Mas se você for correntista comum do banco (sem ter o rótulo “VIP”) será atendido pelos caixas automáticos e pelo dito “seu gerente” em um “0800”. As agências tradicionais deste banco tendem a ficar vazias, pois não há mais a figura do caixa humano e nem as tradicionais filas, porém, em contrapartida, há agências regionais que se tornaram centrais de arrecadações focando em serviços de menor valor agregado. Se você desejar fazer saques acima de R$ 2.000,00/dia, que é o meu limite do caixa automático para clientes Premier, terá de se dirigir a esta agência que aqui rotulamos de “central de arrecadação”. Percebe-se que este banco, e seus “parceiros”, de forma astuta, inverteram o julgamento. Como não tem caixa humano não poderá atender a população em geral, como já o fazem a década através das suas agências VIP: PremierEstiloPrime etc. Assim, seus clientes, em especial os não “VIP”, terão de se ajustar as suas regras operacionais de severo controle de custo. Neste cenário, percebe-se que, em conceito, não poderá a lei obrigá-los a ter um serviço aberto a seus não clientes, já que estes estão sendo, na medida do possível, atendidos em suas “centrais de arrecadação”, e têm “boas” opções no mercado para trocar por um outro banco.

Mesmo que tardiamente, sinalizam que irão reduzir suas campanhas maciças para obtenção de novas contas populares, debruçando sobre a manutenção e exploração da riqueza da sua atual base de clientes. Ao mesmo tempo em que, em grandes centros, ampliam o conceito de agências “VIP”, atendendo em algumas “centrais de arrecadação” seus clientes “comuns” e a sociedade.

Por mais antagônico que pareça, mesmo pelo movimento acima descrito, acreditamos que, somente agora, veladamente, demonstram que a estratégia de concentrar o atendimento de seus melhores clientes em agências VIP não foi eficaz. Pois este nunca foi um dos maiores anseios dos seus melhores clientes. Algo reiteradamente explícito em meus artigos: “Bons e tradicionais clientes querem, além de ótimas e racionais soluções, colo, discrição e reconhecimentos, mas não rótulos e muito menos desejam ser alocados em agências pomposas localizadas a quilômetros de distância da agência que originalmente optou por melhor lhe atende quanto a sua logística”.

De forma também velada, vê-se neste contexto, algo já descrito há três anos em nossos artigos sobre a pobreza das filas: “A legalidade da Fila nas Singulares” e “Filas e suas 1001 faces ocultas”. Tema para o qual peço extrema atenção aos nossos líderes para que, assim, evitem transformar suas agências em tumultuadas e deficitárias centrais de arrecadação, absorvendo apenas os serviços de “arrecadação” da população ou serviços “recusados” de forma criativa pelos bancos concorrentes. Isto mina todo e qualquer plano de bom atendimento aos nossos sócios. É frágil a alegação de que deveríamos pensar em ser uma “central de arrecadação” da nossa sociedade. Isto pois, a rentabilidade real líquida será sempre negativa, além de ser comercialmente um desastre.

2º Sinal – Funding curto: percebo que para os clientes ditos “VIP” deste banco estão mantidos os limites de crédito, tanto no cheque especial, no pré-aprovado, quando no cartão de crédito, haja vista que estes são na sua grande maioria seniores e que ainda reconhecem seus limites como uma forma de nos rotular como clientes diferenciados. Ocorre que, para uma enorme casta de clientes não “VIP” (90% da carteira), o banco está enviado cartas informando que, conforme previsto em contrato está sendo retirado seu limite de cheque especial. Percebe-se que são limites de clientes que usam muito pouco ou mesmo nunca o usaram. Esta ação deve se ampliar para retirar destes clientes, em breve, seus limites pré-aprovados e até eventualmente os limites de cartão de crédito.

Qual é o sinal? Tudo leva a crer que a geração de funding deste banco está descompassada frente aos indicativos contábeis de alavancagem creditícia, e um dos grandes problemas é que os limites alocados de forma generosa, mas não utilizados, consomem contabilmente uma boa parte de seu saldo disponível para efetivamente conceder crédito. Assim, entendem que ao retirar de uma enorme massa de clientes os limites de cheque especial e pré-aprovados que não estão sendo utilizados, seria baixo o estresse no relacionamento, já que estas vantagens não seriam relevantes para esses clientes. E dessa forma, redirecionam esse funding parado para operações mais rentáveis que, em síntese, se resumem a emprestar de forma bem precificada, maiores valores e por mais tempo para seus bons tomadores de crédito.

De forma especulativa, podemos dizer que um dos motivos deste banco de varejo adotar essa prática não tão simpática de retirar limites dos seus clientes é a existência de uma redução de suas fontes de recursos para poder emprestar (funding). Além dos sinais dados pela retirada dos limites como vimos acima, há outros sinais como os dados para as mensagens da tela inicial do site para que apliquemos nossos recursos parados, ou mensagens quando acessamos nossos extratos para que os apliquemos em poupança.  As origens podem ser:

Vale ressaltar que a poupança vive um dos piores períodos quanto à rentabilidade. Isto é visto na redução real de seus saldos, o que obriga os bancos a buscarem suprir este buraco de funding através de captações mais caras, como é o caso do CBD, no qual facilmente já pagam 98% do DI para aplicações acima de R$ 30.000,00, sinalizando uma necessidade real de funding frente a uma carteira já instalada ou crescente. Alertamos que é falsa a noção que Crédito Imobiliário gera “fidelização”. Mais subsídios no artigo: “Crédito Imobiliário – Intrigantes pressupostos para o Cooperativismo de Crédito”.

Reflexão Final: acreditamos que a nossa tecnologia ou a demanda tecnológica de nossos bons sócios não seja tão elevada quanto as que vemos em bancos privados de ponta. Assim, sugiro que passemos a analisar este artigo como um marco na reflexão da finalidade das nossas agências, evitando o quanto antes que elas passem a ser sorrateiramente “centrais regionais de arrecadação”, minando nosso atendimento a bons sócios.

Lembro que as regras quanto à geração e alocação de funding em nosso modelo de negócio são muito mais fluidas e serenas que nos bancos de varejo, mas sugiro que a repensemos na íntegra, visando a aspectos de uma gestão eficaz em liquidez e na transparência que norteia a Governança.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 14/02/2015