Investidores – O equívoco da Rentabilidade Comercial Zero

Quando você não pode explicar uma coisa com facilidade é porque você não a entendeu muito bem” (Albert Einstein). Essa ponderação desse diferenciado homem sempre parece a melhor explicação para alguns temas, sobre os quais ainda tenho dúvidas, mesmo que os tenha estudado por mais de quatro décadas, como é o caso do tema deste artigo. E o mais desafiador é aceitar, de forma pacífica que essa instabilidade dos conceitos é o que nos move a sempre voltar a estudá-los.

Um desses temas para os quais as respostas prontas tendem a carregar vícios de origem é quando analisamos a rentabilidade de nossos clientes de instituições financeiras. Em uma primeira análise é simples obter a rentabilidade de um cliente. Basta vermos quanto ele nos pagou e retirar nossas despesas. Ocorre que em nosso modelo de negócio temos uma variação não comum no resto de mercado. Vamos entendê-las utilizando três macro preceitos: Serviços, Crédito e Investimento.

Definição de Serviços: é aquilo que oferecemos com base em nossa estrutura física e lógica, que não tem a ver com a concessão de crédito e captação de investimentos. Mas, para uma melhor compreensão do que seja Serviços nesse contexto, devemos considerar, além dos serviços tradicionais da conta corrente, os serviços ofertados a nossos clientes fornecidos por nossas coligadas ou parceiros terceiros, como: seguros, consórcio, cartões, repasses… .

O que seria a Rentabilidade Líquida de um cliente de serviço? Em conceito será definida pela diferença do preço pago pelo cliente e o custo total apurado das soluções adquiridas.

Definição de Crédito: São os recursos emprestados a nossos sócios que tem como origem a nossa própria fonte de disponibilidade financeira (funding), alicerçada por uma mescla de fontes: Capital Social, Reserva, Depósito a Vista e a Prazo…

O que seria a Rentabilidade Líquida de um cliente de crédito? Em conceito é a diferença dos juros pagos pelo cliente em um ou mais empréstimos e o custo total apurado, incluindo o risco provisionado, para lhe disponibilizar esses montantes.

Definição de Investimento: são os recursos excedentes de nossos clientes que são depositados em nosso produto massificado de captação, usualmente o Depósito a Prazo (RDC).

O que seria a Rentabilidade Líquida de um cliente investidor? Aqui começa a novidade que, em conceito, só existe no modelo de instituições financeiras. Ocorre que, frente a um cliente investidor, vê-se uma total diferença quando comparado aos Serviços e Crédito, já que nessas tradicionais soluções o cliente paga pelo uso das mesmas, o que permite uma lógica racional quanto à definição de sua rentabilidade. Já diante do investidor é a Singular que paga ao cliente. Ou seja, nós compramos esse “estoque” do cliente investidor e o vendemos com ágio para nossos clientes tomadores de crédito. E isso muda tudo quanto à definição de rentabilidade líquida.

Importante: Por ser a rentabilidade de um cliente investidor uma abordagem que requer uma ponderação distinta das feitas para os tópicos de Serviço e Crédito, iremos doravante focar nossas ponderações sobre esse intrigante tema. Assim, ajudaremos a formar seu juízo de valor e avaliar se seu atual sistema gerencial e suas decisões poderiam ser mais eficazes.

Reflexões: por que é tão difícil definir a rentabilidade de um investidor

1) Clientes apenas investidores tendem a ter rentabilidade zerada, pois é comum o sistema de gestão não compreender ou dar métricas a essa especificidade. Em especial porque essas métricas levam em conta o desencaixe do cliente, o que não ocorre com o investidor.

2) Clientes investidores que possuam outras soluções de serviços podem ter rentabilidade positivas unicamente pela compra dessas soluções e não pela sua posição investida. Nesse caso, esses clientes são taxados de baixa rentabilidade.

3) Não pode a Singular desdenhar clientes investidores, mesmo que tenha um interessante volume no colchão de liquidez, pois são clientes muito ariscos, raros, informados, e hiper cobiçados pelo mercado.

4) Reflitamos quanto à posição de rentabilidade de clientes de uma agência, que utilize um sistema de gestão que não compute qualquer tipo de rentabilidade aos seus investidores.

5) Imagine que você é o titular da agência e está sofrendo forte pressão da diretoria para elevar a rentabilidade de sua unidade. Você agora atende um de seus bons clientes investidores e observa que a rentabilidade dele é pífia. Há uma tendência de que sua atenção a esse cliente investidor (agora, e nos próximos dias) seja menor do que a devida, unicamente pelo critério equivocado de rentabilidade que seu sistema lhe fornece e pelo qual será avaliada sua unidade, e consequentemente sua carreira e emprego.

6) Se uma agência paga em média 100% do DI (ex.) para suas captações e têm muito mais funding do que precisa para atender a sua carteira de crédito, pode ser que, se seu sistema gerencial não for astuto quanto à rentabilidade, esse custo de captação “acima do necessário” impacte a rentabilidade da unidade. Ou seja, se um bom investidor tirar sua aplicação, eventualmente pela lógica do sistema de gestão da sua Singular, pode ser que melhore a rentabilidade da sua agência por não ter mais que arcar com esse custo de remuneração do Depósito a Prazo “desnecessário”. Algo incoerente e que precisamos ponderar para ver se não ocorre conosco.

7) As metas focadas fortemente pela rentabilidade da carteira ou unidade tendem a ser um descompasso em Singulares onde o sistema de gestão não é astuto o bastante para entender a relevância do cliente investidor para nosso modelo de negócio.

8) Em uma posição gerencial equivocada, como vemos em algumas Singulares, é raro vermos bons investidores ranqueados nas 50% maiores posições de bons clientes.

9) A avaliação de viabilidade de uma carteira/agência tende a ser por rentabilidade, e se essa tem um equívoco na sua obtenção dos clientes investidores, como aqui explicitamos, muito provavelmente os gerentes não farão tanta questão de buscar bons e estáveis investidores, priorizando clientes tomadores de crédito, para os quais se vende serviços de menor quilate e todos pagam pacote de serviço. Isso, em conceito matemático, viabiliza a unidade.

Importante: recomendamos a releitura do artigo postado em 16/10/2016 em nosso site “As imperfeições nos custos para o repasse de funding interagências”.  Nele verá que podem haver distorções na maneira como a sua Singular precifica o repasse de funding entre suas agências que, eventualmente, captam menos (ou mais) do que precisam para atender a sua carteira de empréstimos. Mas, de forma geral, entre tantas outras ponderações, verá nele que o custo do funding é um compendio de vários integrantes, entre eles o Depósito a Prazo. Portanto, na definição de ganho do spread líquido devemos ponderar qual é a parcela dele que é composta por esse tipo de captação. Mas não há como carimbar esse dinheiro. Dessa Forma, o ganho do spread líquido deve ser “duplicado” gerencialmente e repassado também como rentabilidade do investidor, e esse raciocínio deve ser expandido também na composição de lucro e funding de cada agência.

Reflexões Finais: a beleza da vida é viver sem termos total certeza de muitas verdades. Ou seja, ainda hoje, já passados mais de 40 anos de vivência no mercado financeiro massificado, alguns temas aparentemente simples ainda me causam estranheza. De forma recorrente me deparo com verdades que já foram minhas e que hoje as refuto por não mais guardarem a relatividade que as fizeram merecer destaque em minha mente. E um desses aprimoramentos mentais é a necessidade de revermos a forma como encontramos a “rentabilidade” dos clientes investidores. Isso, pois, a revisão desse tema pode transformar fortemente o conceito de rentabilidade líquida de clientes, unidades e até mesmo da Singular. Podendo, inclusive, colocar em xeque indicadores como o ROI (Retorno sobre o investimento), entre tantos outros.

Recordemos sempre da frase de Albert Einstein. “Quando você não pode explicar uma coisa com facilidade é porque você não a entendeu muito bem”. Rentabilidade Líquida do Investidor é algo que sua Singular deveria rever, ou minimamente revalidar, para que possa ser capaz de explicá-la sem sobressaltos a seus executivos e profissionais das unidades. Esse é o momento de realinharmos nossos entendimentos para melhor percorrer cenários econômicos mais complexos.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/06/2017