Inadimplência não é perda

Concordamos que certos temas têm discussões efêmeras como o que vem antes: o ovo ou a galinha. Contudo, costumamos em nossas interações com clientes instigá-los apresentando-lhes algumas afirmações astutas sobre a gestão do crédito, sobre as quais suscitam ótimas discussões.

Afirmamos que:

Explanação de motivos: por mais que a inadimplência acarrete a provisão de valores e estes minem contabilmente nossos resultados, é equivocado dizer que houve perdas, ou se consumou um risco. As perdas só ocorrem na medida direta que o devedor e suas eventuais garantias, não possam cobrir o total da dívida. Já o risco é uma medida balizada fortemente pela inferência de quem o prevê, e sempre atrelado ao momento e a força da área de controle ou comercial da Singular, as quais tendem a ser uma sombra do pensamento não explícito dos seus executivos.

Lembrando sempre que em muitas Singulares, quando da definição da taxa, estas perdas foram previstas e muito bem precificadas. Portanto, estes valores com “perdas” são contabilmente um aparentes redutores do resultado, mas se estas “perdas” forem em um montante abaixo da perda total esperada para esta linha e safra, realmente este valor já foi recebido por nós já que estavam discretamente embutidos no pagamento de centenas de outros devedores desta safra e linha que honraram seus compromissos.

De forma didática, seria o mesmo que uma seguradora computar como perda o custo de reposição de alguns carros roubados, se este montante estiver abaixo do previsto pelo cálculo atuarial quando da definição do prêmio deste grupo de seus clientes. Se for uma perda esperada e esta foi tecnicamente precificada, então é apenas despesa, não perda, já que é menor do que a previsão de perda orçada no prêmio. Contudo, caso a perda fosse acima do esperado, haveria sim uma perda real, pois força um resultado negativo para a seguradora, já que as perdas foram acima do precificado quando da definição da engenharia financeira da solução.

Aqui cabe questionarmos se a precificação das taxas da Singular foi definida de forma técnica, permitindo que a totalidade de sua perda tenha sido previamente precificada por linha e safra, bem como foi acompanhada de forma distinta suas provisões, riscos e perda, para que esta perda nunca seja maior que a esperada. Em uma eventualidade de se ter perda real creditícia acima do precificado, precisamos investigar e propor correções à política de precificação de custos e perdas de crédito. Mas sem nunca esquecer que é prudencial acompanhar fatos novos em seu mercado, os quais podem estar empobrecendo acima do esperado a liquidez de um grupo específico de seus devedores.

Inadimplência é um paraquedas. Crédito sempre será um pulo de paraquedas.

Crédito adimplente: é o crédito que flui saudavelmente como se fosse um passeio de paraquedas em um dia lindo de sol sobre uma paisagem deslumbrante. Tem risco, foi ponderado, precificado, e, está dando tudo certo, permitindo que o resultado final seja uma ótima experiência.

Crédito Inadimplente: a inadimplência é um paraquedas que, se bem desenhado, dobrado e de feito com ótimo material, tem uma enorme chance de se abrir de forma saudável e automática, o que permite um passeio previsto por um curioso em um encantador desfiladeiro. Caso não abra, há ainda a chance de abrir o paraquedas reserva. Claro que este passeio é mais arriscado e fomenta chances de reais sobressaltos e inclusive de perdas.

Gestão macro da perda: é esperado que computemos na taxa a chance global de haver alguns créditos de uma safra creditícia que não serão honrados no vencimento. Contudo, há uma grande chance de que possam ser futuramente liquidados pelo devedor ou pela garantia. Portanto tende a restar alguns créditos que nunca serão honrados e serão computados apenas como uma perda contábil. Sim, pois se este montante de perda real contabilizada for menor que o precificado quando da definição da taxa para esta linha e safra, estamos diante de um ganho comercial e não perda. Já que ainda será positivo o ganho entre o montante previamente esperado de perda e o efetivamente contabilizado.
Pode parecer estranho, mas é tênue esta diferença, tanto que orientamos que releia este artigo várias vezes para que possa aprofundar sua criticas ou, quem sabe, concordar com esta nossa linha de raciocínio.

Nossos líderes devem se esforçar para ter uma leitura translúcida deste complexo tema, evitando se deixar levar por oscilações de números brutos da inadimplência que pouco ou nada explicitam quanto a real inadimplência, perda, provisão, risco e outros temas correlatos. Temos inúmeros artigos sobre o tema em nosso site, mas orientamos a releitura: “Inadimplência nas Singulares. A Sra. Senioridade deseja ser ouvida”.

Precificação do Risco na Taxa: crédito tem risco e este faz parte ativa de nosso modelo de negócio. Se não quisermos risco, temos que zerar nossa carteira de crédito, e retirar a palavra “crédito” de nossa denominação.
Percebemos que é relevante entender o risco projetado na composição da taxa, que será edificado pelas perdas efetivas, contudo, muitas vezes é relegado a um segundo plano. Ele representa a precificação da projeção da perda real, ou seja, dos valores para os quais não há qualquer chance de cobertura pelo devedor ou por sua eventual garantia.

Observando que a inadimplência enquanto apenas provisão contábil é ainda algo saudável e para o qual não há nem mesmo precificação. Devemos observar também que a precificação na taxa do custo de perda real pode não guardar correlação direta com inadimplência e até, quem sabe, nem mesmo com a provisão. Assim, pode ter uma enorme inadimplência, e quase nada de perdas em uma linha creditícia, em especial pela adoção de uma política mais austera de acompanhamento e cobrança. Ou por outro lado, em créditos massificados de maior risco onde as taxas são bem maiores, perde-se muito, mas nada que possa assustar se estiver abaixo do que fora precificado quando da definição na taxa.

Vale frisar: Se houver garantias que suportem a provisão, mesmo que parcialmente, não temos perda real, ou seja, foi uma inadimplência que perdurou por um determinado prazo e que nos obrigou a rotulá-la de risco gradual até “h”.

Contudo, somente haverá perdas reais nos casos em que houver créditos para os quais não há mais real possibilidade de recuperação, e a somatória destas perdas ultrapasse o precificado na taxa originalmente aplicada nesta linha. Portanto, novamente orientamos que é prudente ter estes valores de perda reais menores que o precificado na taxa destes créditos.

Importante: Percebe-se que alguns de nós temos aversão exacerbada ao risco no crédito massificado, o que nos faz manter a totalidade de nossos empréstimos atrelados a garantias reais ou concedidos para aqueles que conhecemos ou que representam nosso grupo de convício social ou profissional. Grupo este normalmente identificado com o estatuto original da Singular. Mas é premente que, para mantermos nossa competitividade e nossa perpetuação, devemos buscar formas mais oxigenadas de ofertar soluções creditícias massificadas e aprimorar muito mais nossa forma de precificá-las, em especial quanto à perda potencial esperada.

Reflexão Final: precisamos diuturnamente melhorar nossa compreensão sobre o que seja precificação de perda, e o monitoramento oxigenado das variáveis como: inadimplência, provisão, perda esperada, perda real, risco etc. Nem que seja necessário primeiramente alinhar internamente em sua Singular cada um destes intrigantes conceitos.

Não há crédito sem risco. Mitigá-lo com mais garantias é o sonho de todos analistas presentes em um comitê de crédito. Mas este cenário está cada vez mais difícil. O Sr. Mercado sinaliza há anos que o crédito de varejo massificado é o melhor canal de ganhos de uma instituição, mas sabemos que ele já é um lugar comum. Portanto nos resta aprender a ser ainda mais coerente na precificação astuta e dinâmica das projeções de perdas nestas linhas massificadas, bem como acompanhar nossos créditos e suas garantias, definindo e desmembrando nossas inadimplências e perdas, no mínimo, por linha e safra creditícia.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 30/07/2014