Ouvir artigo/Baixar arquivo MP3

 

Fujamos de empreendedores sem vocação para o risco empresarial

Superação é algo intrínseco a cada um de nós, e quando somos acuados pelo destino encontramos forças para superá-lo, visando nossa manutenção e melhoria de nossa vida social e profissional. Mas, nessas duas últimas décadas, estávamos vivemos em um mercado de extrema normalidade, o que nos deixou acomodados e pouco preparados para superar grandes percalços. Tanto que esta nova onda de crise socioeconômica nacional me faz lembrar quando, há mais de duas décadas, fui estudar no EUA. Saí do Brasil com uma inflação mensal acima de 50% a.m. e me deparei lá com uma inflação de menos de 1% a.a. Tudo lá era tranquilo. Havia bons empregos para todos os cidadãos e eram generosos os benefícios sociais do governo, entre outros tantos sinais de bonança. Quando regressei ao Brasil já estava acostumado com aquela tranquilidade advinda de uma economia estável, mas me deparei aqui com um cenário ainda pior do que havia quando deixei o Brasil. Algo que demorei meses para assimilar.

Percebo que este estado de torpor que presenciei no exterior é idêntico ao que muitos de nós vivenciamos nestas últimas duas décadas, pois ainda não queremos acreditar que existirá algo estressante e distinto do conforto que nos permitiu fazer e sonhar com grandes projetos. Era um cenário confortável, no qual para alguém vingar profissionalmente, bastaria contar quase que somente com seu esforço pessoal. Tudo parecia muito bem alinhado para fomentar aqueles que desejavam crescer, seja como CLT, concursado ou empreendedor, e até havia grandes sonhos para a emergente e estigmatizada geração “Y”. Ocorre que o jogo mudou, e todos nós teremos um árduo futuro, muito longe dos sonhos que havíamos edificado. Portanto, vemos se desenhar um crescente estado de penúria e depauperação em nossa economia e na política, e apesar dos indicadores serem menores do que há duas décadas, há sinais de que esta crise será mais complexa do que a anterior. Sim, pois lá, apesar de termos que tourear diariamente a inflação, o desemprego, um governo quebrado, “mal” intencionado e desacreditado etc., ainda havia três fatores favoráveis: as famílias não estavam endividadas; os empregos eram mais físicos que mentais e a informação a disposição da população era pouca e seletiva.

Origem de um problema oculto e complexo: neste novo cenário há algo “escondido” e que para muitos passa despercebido. É natural necessidade do nosso modelo de negócio de financiar empresários, com destaque para os pequenos e micro, ou até mesmo médios empresários, mas que ainda não têm ou não podem pagar um “gestor” financeiro para maximizar esta eficácia, apertando os fornecedores, credores e, é claro, as instituições financeiras com as quais irão se relacionar. Doravante vamos nos ater ao perfil usual dos empresários empreendedores micro e pequeno, pois demandam nossa atenção ao já perfazerem um bom e crescente volume de crédito e processos.

Aclimatização ao tema: vamos nos familiarizar com os fatos que nos levaram a escrever este artigo. O SEBRAE patrocina a GEM – Monitor de Empreendedorismo Global (sigla em inglês) a qual em 2015 detectou que 4 em cada 10 brasileiros aparecem como “empreendedores”, passando de 34% em 2014 para 40% em 2015. Em uma primeira análise, poderíamos avaliar como algo saudável, mas não é. Ocorre que, pela primeira vez desde 2009, houve um aumento na parcela de novos empreendedores que abrem seus negócios por necessidade, passando de 29% para 44% em 2015. Essa pesquisa identificou também que caiu de 71% em 2014 para 56% em 2015 a percentagem de empreendedores que montaram seus negócios por verem oportunidades de mercado. Dessa maneira, essa pesquisa explicita uma realidade nacional que devemos entender para continuar a conceder estes créditos, pois apesar do natural risco deste negócio, estas soluções ainda serão por décadas uma grande fonte de ganhos.

O elevado risco de apoiarmos quem empreende por necessidade: os empreendedores naturais são diferentes daqueles que empreendem por necessidade. Este último grupo, na sua grande maioria não tem o DNA do empreendedorismo, e empreendem forçosamente pela perda de emprego ou pela busca de reforço das finanças pessoais ou familiar. Tive por 10 anos uma empresa de serviço de locação de máquinas de lavar de alta pressão, vendida em 2002. E há 11 anos tenho minha empresa de consultoria, na qual apoio graciosamente o empreendedor e palestrante de sucesso, o Pipoqueiro Valdir. Também fui professor por duas décadas em faculdades de Marketing e Vendas, entre outras ações voltadas ao varejo massificado, Completando mais de 40 anos atuando neste mercado. Diante dessa experiência, pude aprender que é elevado o risco comercial de apoiarmos pessoas que estão como empreendedores por ser esta a única opção ocupacional.

Sim! Afirmo que isso é algo muito mais arriscado do que darmos créditos para aqueles que empreendem por terem naturalmente este “nato DNA”, e que entendem detalhadamente do negócio que pretendem empreender. Quando estamos diante de um nato DNA empreendedor, temos uma maior convicção de que há uma boa chance dele compreender o cenário comercial agressivo por onde trilhará, pois, sabe que ele é mais um neste processo, e que, portanto, não sonhará com fatos que não podem ser realizados. Já, os que não têm o DNA empreendedor nas veias, empreendem por pura necessidade, e comumente sonham baseados em um processo acadêmico ideal. Algo de enorme risco.

Assim, cabe a nós, frente aos empreendedores natos, ofertarmos soluções creditícias parceiras e proativas, nos antecipando a nossos concorrentes. Já devemos ser cuidadosos comercialmente com aqueles que empreendem por falta de opções ditas como “seguras”, como ser empregado CLT ou concursado público. Não resta dúvida de que concordamos que precisamos aguçar nossa percepção frente aos riscos advindos dos empreendedores natos, haja vista que pouco se pode balizar o crédito frente as suas receitas ou formalizações, mas sim através do conhecimento subjetivo de nosso gerente quanto ao negócio e a capacidade de gestão e empreendedorismo do seu cliente pequeno e micro empresário. E para tanto, precisamos ter na linha de frente gestores astutos para analisar o crédito, seu uso, seu acompanhamento, seu retorno e, em especial, muita experiência nas visitas comerciais, para que possam ter pareceres creditícios relevantes. São créditos rentáveis e que precisam mais de gestão pessoal – presença – do que processo e sistemas.

Ao seguirmos esta necessária onda creditícia de conceder bons créditos para natos empreendedores, nos capacitaremos para um crescente êxito na arte de aprender a lidar com esse específico público e seu natural risco. Portanto, estamos diante de um negócio, e não de uma ação “filantrópica”, muitas vezes cara e descompassada para nós, como é uma boa parte do microcrédito. É óbvio que os gerentes destes clientes devem saber que eles detêm, até o momento, lisura socioeconômica e que empreendem com destreza para gerir os riscos e as oportunidades de seu negócio, possibilitando gerar riqueza para nos pagar ou conosco investir. Portanto, nesse cenário, isso é mais relevante do que as planilhas, planos de negócios ou a boa vontade do empreendedor, ou mesmo a garantia eventual que este poderá nos dar, pois quem irá nos pagar e nos rentabilizar por anos não serão nossa crença no empreendedorismo, mas, sim, nossa crença na capacidade de gestão do negócio daquele empreendedor que irá nos dever ou investir conosco.

Estudo de caso do estresse pela falta de DNA: vejamos esta usual história que criei há anos para didaticamente explicar o cerne deste artigo. Imaginamos que você é o gerente de uma agência e chega até você a proposta para financiar uma van para transporte escolar de R$ 100.000,00. Você analisa o cadastro do proponente e conclui que ele tem condições de pagar, a garantia é a própria van, e está propenso a liberar o crédito. Mas… aqui mora o perigo! Sendo o bem financiado, o gerador de renda para pagar o financiamento, devemos investigar se, além do mercado de vans na sua cidade estar crescendo substancialmente, o devedor é um profundo conhecedor prático deste modelo de negócio. Pois, pode ocorrer, diante do boom de empreendedorismo por necessidade, que ele não tenha o DNA nato de empreendedor e apenas tenha optado por esse caminho sem conhecer quase nada desse mercado, ou por estar desempregado e deter uma pequena reserva ou mesmo por ter ouvido falar que era uma boa opção de empreendedorismo, influenciado por pessoas de sua confiança.

Qual será o futuro deste crédito dado a um empreendedor por necessidade (sem DNA nato de empreendedorismo)? Tende a ser penoso, pois ele não conhece profundamente os trâmites claros e escusos deste mercado de van escolar em sua cidade. Outros fatores corroboram com seu futuro fracasso, como algo discreto e perigoso. Por exemplo, estes empreendedores sem DNA empreendedor adotam recorrentes esforços acima do coerente para viabilizar seu empreendimento, para inclusive reafirmar aos seus próximos que são bons “gestores”, o que mina suas poucas reservas financeiras e enfraquece sua autoestima. E, desconhecendo o negócio, tendem a aplicar preceitos acadêmicos ou aqueles vivenciados enquanto era CLT, os quais não se aplicam ao empreendedorismo de varejo.

A sábia estratégia da espera: se seu mercado está sinalizando de forma discreta um descompasso comercial, o empreendedor com DNA nato não irá avançar com recursos próprios, muito menos através do endividamento. Ele se prepara para crescer e voltar a atacar seu mercado de forma assertiva quando mais sinais sutis e acessíveis de recuperação puderem ser por eles observados. Enquanto isso, estando “líquido”, diversifica seus investimentos procurando ganhos fáceis e rápidos, em especial, mantendo uma boa reserva em aplicações seguras e bem remuneradas, para que sempre se mantenham “líquidos” para que assim, quando decidirem, possam avançar rapidamente no mercado, seja na busca de sua expansão orgânica ou pela compra de posições de concorrentes debilitados. Se endividados, cortará rapidamente seus custos, revisará sua proposta comercial e parceiros, mas com grandes chances de se manter competitivo em seu mercado.

Reflexões finais: a recessão atual explica porque quatro em cada dez brasileiros estão sendo rotulados como “empreendedores”, portanto não há o que comemorar. A realidade é bem outra. Temos que reaprender a dar crédito para pequenas e micro empresas, já que estas soluções devem fazer parte de nosso cardápio. Para tanto para que tenhamos sucesso nesta necessária empreitada será necessário sermos eficazes em alguns pilares: gerentes astutos e habilidosos para fazerem visitas comerciais eficazes a este público; saber precificar, defender e acompanhar esses créditos.

Lembrando sempre que naturalmente os números correspondentes ao crédito desses empreendedores tendem a ser um dos mais nervosos quanto ao risco, mas se eles estiverem bem geridos, precificados e sendo bem acompanhados será indiscutível o sucesso comercial dessa ação.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 28/03/2016