Filas e suas 1001 faces ocultas

Visitava uma agência durante uma consultoria quando um fato inusitado ocorreu. De repente a fila triplicou. Passei a perguntar discretamente para estas pessoas quais serviços desejavam e o porquê de terem vindo todos juntos. Informaram que um funcionário da agência do correspondente bancário Correios pediu para que todos que estavam na fila na calçada fossem até lá, pois poderiam pagar suas contas sem fila e com ar condicionado. Ao observar o atendimento na fila daquele grupo e de alguns poucos sócios, passei a reafirmar algumas das percepções que venho construindo nestas quatro décadas. Assim, pela relevância e amplitude do tema FILA para as Singulares, compartilho abaixo alguns oportunos cenários.

1º Cenário: Não há bons clientes sobrando. Reafirmo algo já explicitado em nossos artigos. Não há bons clientes sobrando e para conquistá-los temos que “roubá-los” do concorrente. Assim, é ledo engano imaginar que haverá bons clientes na fila pagando seus boletos, impostos e faturas de concessionárias públicas. Raramente aparecerão na fila e há formas mais eficazes de encontrá-los.

2º Cenário: Onde houver pouca fila, crescerá a fila com não sócios. Não importa se você tem um, dois ou três caixas atendendo. Quanto mais caixas colocar visando agilizar a fila, mais a fila crescerá com não sócios. Este público procurará por lugares onde o atendimento seja próximo, rápido e não importa a bandeira da instituição. Os bancos de varejo agradecem as entidades mais desavisadas que acreditam que há riqueza nas filas.

3º Cenário: A riqueza de uma cidade tem a mesma sazonalidade, seja para seu cliente ou para demais cidadãos. Será previsível os ciclos de alta e baixa demanda pelos serviços dos caixas humanos, já que este volume de serviço depende de como está distribuída no mês a riqueza gerada pelo meio econômico daquela sociedade. Ou seja, seus sócios tendem a frequentar sua agência e exigir ótimos atendimentos das filas nas mesmas épocas onde há também enorme e natural concentração de não sócios na fila. Isto mina a qualidade de serviço percebida pelos bons sócios.

4º Cenário: Cada vez menos veremos bons clientes na fila. Sim, pois mesmo que não desejem, seus compromissos orçamentários tendem a gradualmente se automatizar. Mas isto não ocorre com a fila composta por não sócios, já que suas demandas não podem ser automatizadas. Além do que, eles coerentemente decidem que irão procurar sempre a instituição que tiver sempre a menor fila e de mais fácil acesso. Assim, a fila sempre crescerá em função de não sócios.

5º Cenário: Entender a fila para geri-la. Analisar a fila é uma engenharia reversa. Precisamos estudar por segmentos, horários, processos, tipo de clientes, crescimento, série histórica, receitas, tempo de autenticação etc. Portanto são frágeis as decisões estratégicas de apenas analisar a fila pelo alto ou baixo número de autenticações, pelas empíricas observações visuais ou analise dos números de reclamações. Assim sendo, somente após uma astuta analise técnica e imparcial dos dados históricos é que devemos adotar medidas mercadológicas para resolver distorções ou, quando possível, capitalizar comercialmente. Grandes bancos alocam um estagiário entregando a senha e entrevistando os frequentadores da fila para que obtenha reais dados a serem tabulados e julgados pelos líderes da agência. Não é prudente pedir para que os caixas façam este processo.

6º Cenário: Os não sócios na fila só pagam suas contas em dinheiro vivo. Isto acarreta uma elevada liquidez em espécie nas agências, elevando os custos das remessas ao Banco do Brasil com exposição de nossos funcionários neste processo, além de agravar a possibilidade de assalto já que tendemos sempre a ter muito dinheiro em nossas unidades. Deve-se analisar sempre se na fila não há pessoas de correspondentes bancários dos bancos unicamente para “pagar” títulos que eles mesmos emitiram para desovar seu excesso de caixa do dia. A este cenário se agrega o fato de ainda existir algumas de nossas agências sem porta giratória e/ou sem um segurança armado.

7º Cenário: Por que alguém ainda não teria conta em um banco? Se um cidadão tiver uma mínima condição econômica é raríssimo encontrar um deles sem conta em banco. Assim devemos nos perguntar por que uma pessoa precisa ir à fila de uma agência bancária de um banco “x” tendo conta em no banco “y”. A exceção de alguns que podem: não ter acesso a internet, desejar fazer um depósito na conta de um de nossos sócios, querer liquidar um compromisso para o qual seu banco não dispõe de convênio etc. Fora destas exceções, fica difícil imaginar algum motivo saudável desta sua ida a uma agência que não seja de seu banco ou bancos parceiros. Por outro lado, fica fácil elencar motivos não saudáveis desta ida a um banco distinto do seu, como: boleto atrasado e só pago neste banco, o cidadão com débitos no seu banco e qualquer crédito lá será utilizado para amortizar sua dívida, não dispor de conta em banco por estar com o nome com restritivos etc. Neste contexto de estresse, caso lhes proporcionemos na fila um atendimento de média qualidade e agilidade, é previsível que, mesmo assim, estes estressados não sócios estejam propensos a nos trazer problemas de imagens já durante a espera na fila ou depois de sair de nossa unidade, sejam via Procons ou exposições televisivas. Isto está sendo potencializado pela agilidade e acessibilidade das mídias sociais e pelas leis de proteção ao cidadão, as quais serão policiadas pelos Procons que naturalmente tendem a ser geridos como um braço político da situação.

8º Cenário: Quais de seus clientes usam em demasia a fila? A quase maioria de nossos procedimentos a disposição dos clientes estão automatizados, mas sempre haverá bons e rentáveis clientes que desejam utilizar da fila e assim devem ser atendidos. Contudo, sempre haverá o grupo de maus clientes ou de menor rentabilidade que devem ser, diuturnamente, orientados a usarem os processos automatizados. Caso contrário, frequentarão a fila e agravarão nossos estresses e custos, além de consumir o precioso tempo de nossos funcionários da área de atendimento e venda.

9º Cenário: Não somos uma central de arrecadação. Além dos estresses apontados neste artigo é questionável entender como fonte de receita o recebimento na fila de compromissos de não sócios, como: pagamento de contas de concessionárias públicas; títulos emitidos por outro banco etc. Vale ressaltar que as receitas repassadas pelos cedentes tendem a ser cada vez menores, em especial pelas concessionárias e entidades públicas. Estas já sinalizam remuneração zero, pois sabem que iremos aceitar esta proposta, já que é incoerente não disponibilizarmos estes serviços aos nossos correntistas. Este cenário de perdas se agrava brutalmente se estes recebimentos na fila forem de não correntistas. Assim, com a elevação dos custos, em especial da mão de obra, estrutura física e tecnologia agravado pela queda de receita com os serviços não automatizados de “arrecadação”, será cada vez mais sofrível o resultado comercial e financeiro de um caixa humano que fique dedicado a fila, em especial quanto mais atenderem não sócios.

10º Cenário: A receita com não sócios. Muito provavelmente não dispomos de sistema tão aguçado para apartar as receitas oriundas de não sócios em nossas filas, inclusive quando estes pagam títulos ou tarifas de DOC/TED em nossas agências, ou geram receitas em nossos correspondentes bancários, ou eventualmente compram soluções vendidas também a não sócios como: poupança, consórcio, seguros, câmbio etc. Portanto, é de se analisar se o valor alocado na rubrica: Ato não cooperativo explicita a totalidade destes serviços. Esta lisura deve ser aprovada pelo conselho fiscal, haja vista ter como missão fiscalizar a legalidade das operações da Singular.

11º Cenário: Espaço nobre da agência para atender fila. É prudente repensar se não estamos alocando uma área nobre de nossas unidades para atender a fila, seja ela de pé ou sentada. Bem como se não estamos projetando investimentos para ampliação de nossas unidades (ou novas) unicamente para acomodar a crescente fila. Algo que vai contra a tendência de mercado.

12º Cenário: Os caixas automáticos devem ser melhores explorados. Percebemos que em muitas Singulares eles são pouco usados e não recebem recorrentes incentivos como uma excelente solução para as filas, passando, em muitos casos, a ser um centro de custo pela baixa demanda. São equipamentos caríssimos e de elevado custo de manutenção. Deveriam ser geridos quanto a sua produtividade da mesma maneira que fazemos com nossos funcionários. Eles têm que se pagar, agregar valor e dar lucro. Partes destes equívocos remontam de seu fraco lançamento e da não alocação de uma pessoa para orientar o seu uso. Concordamos que a existência dos caixas automáticos são sinais de modernidade e que ele amplia os canais de atendimento e expande nossos horários, mas se mal geridos são apenas um grave erro comercial.

13º Cenário: internet banking é um enorme aliado na redução de filas. Sabiamente os bancos já endeusaram este canal, mas é ainda fraco seu uso e incentivo nas Singulares, mesmo quando estas já dispõem destes serviços em bom nível. Parte se explica pela pouca afinidade ou segurança frente a este canal por parte dos nossos formadores de opinião, como nossos executivos, gerentes das agências e demais funcionários da Singular. É comum os vermos, muitas vezes, frequentando a fila para fazerem operações que poderiam ser muito bem realizadas em canais ou processos automatizados. Além disto, muitos destes preferem utilizar dinheiro ou talão de cheque frente às facilidades dos cartões magnéticos. Precisam ser exemplos.

14º Cenário: Biombos para evitar assaltos. Já a várias leis municipais obrigando a instalação de biombos em frente aos caixas visando evitar os comuns assaltos quando da saída das agências. Esta legislação é bem vinda, pois além de permitir discrição no atendimento, evita a má impressão de termos guichês vazios em dias de muito movimento na fila, permite o redesenho do local onde os caixas atendem e a realocação comercial mais eficaz destes caixas em dias de pouco movimento. Em nossas consultorias, em função dos enormes benefícios diretos destes biombos, orientamos a imediata instalação destes dispositivos, mesmo que não haja a necessidade legal.

15º Cenário: Emissão de títulos para nossos clientes empresariais. Um dos sérios problemas da fila que está sendo suavizado pela tecnologia é a fila originada pelos serviços que prestamos na emissão e recebimento de títulos de cobrança de nossos clientes empresariais. Dependendo do volume e da data de concentração do vencimento destes títulos, eles podem vir a concorrer com o agravamento da fila, em especial se estes sacados forem clientes de uma classe menos favorecida, sem banco, ou terem por hábito pagar estes boletos atrasado. Assim, há um direcionamento formal da fila para nossa Singular que emite o boleto, pois nele consta a orientação: “pagável preferencialmente no banco x”, ou “após vencido só será recebido pelo banco x”. Este impacto na fila é facilmente esquecido em uma grande negociação de cobrança de títulos.

Importante: Se observa a relevância deste tema quando, mesmo tendo implementado seu próprio sistema de compensação, algumas Singulares, alegando conforto pelo uso de uma grande rede de agências, continuam utilizando a emissão de boletos de cobrança através do antigo banco, o qual fazia sua compensação. Esta decisão coloca em xeque a viabilidade econômica da compensação própria.

16º Cenário: Os bancos estão diminuindo ou fechando agências deficitárias. Fique atento caso ele tenha adotado uma estratégia distinta próximo a você, pois são movimentos pontuais e espaçados que não deve ser considerado algo recorrente. Muito em breve, em função do início da crise que se apregoa, seus movimentos serão guiados pela gestão fria dos custos frente às receitas, muito mais que ações focadas em um cenário futurista. Assim, veremos uma volta rápida a suas linhas mestres de gestão, que são norteadas por encerramento e redução dos tamanhos de agências, automatização e a diminuição gradual do quadro funcional que agregue pouco valor comercial ou que desempenham atividades que possam ser automatizadas ou terceirizadas.

17º Cenário: Leis de fila nos correspondes bancários. Por enquanto as onerosas leis de fila e de segurança bancária não se aplicam aos correspondentes bancários, os quais são diretamente terceirizados dos serviços de baixo valor agregado dos bancos de varejo. Assim esta válvula de escape foi muito bem aproveitada pelos bancos e também recentemente por algumas Singulares que optaram por obter receitas extras com parceiros externos, os quais podem sim estar prestando um péssimo serviço à sociedade como sendo uma extensão da Singular. Se desejar obter novas reflexões sobre este tema, aconselhamos ler um artigo de alguns anos postado em nosso site “Correspondente Bancário – Agora adulto – O que muda?”.

18º Cenário: Fila pra clientes com necessidades especiais: A fila ou a senha exclusiva para pessoas com necessidades especiais deve sempre ser bem gerida, pois como exemplo se vê o mau uso do estatuto do idoso por algumas empresas ditas espertas que os contratam para usá-los como “boys de luxo”. O idoso só deveria ter prioridade se os compromissos que for honrar na agência o tiver como sacado ou interessado final. Outro exemplo é a prioridade para pessoas com crianças de colo. Se esta colocá-la no chão, perde a razão de ter um atendimento agilizado e diferenciado. Há outros exemplos, mais estes dois já denotam o mau uso destas justas prerrogativas. Estes detalhes devem estar claramente sinalizados na agência e de conhecimento de seus profissionais.

Reflexões finais: fila é um intrigante tema e esta redação não o esgota, mas deixa claro que  nossos líderes devem ser proativos e ecléticos na adoção de estratégias para navegar sobre cada um dos temas acima descritos. Em breve enviaremos o artigo complementar “A legalidade das Filas nas Singulares”, o qual visa sugerir formas ainda mais assertivas de gerir este intrigante tema.

Sejamos ótimos “filósofos” – Doutores em fila.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.