FGCoop – Onde fica nosso protagonismo?

A população brasileira aprendeu nas últimas décadas que a inflação corrói seu padrão de vida, por reduzir de forma sorrateira seu poder de compra. E, para complicar ainda mais a vida de nós, cidadãos, essa inflação não é levada em conta quando o governo atualiza suas políticas de arrecadação de impostos. Isso pode ser observado quando ele não corrige adequadamente a tabela do IR (Imposto de Renda), que está desatualizada desde 1996 em 96% frente ao IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo), conforme indica o Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).

Para termos noção dessa defasagem na tabela de IR, hoje, quem ganha mais de R$ 1.903,00 já paga esse imposto. Se fosse aplicado o IPCA desde 1996, esse valor de isenção subiria para R$ 3.689,00. E, assim, os efeitos em cascata dessa não correção da tabela de IR pelo IPCA têm uma abrangência enorme, pois afetam também a dedução por dependente, que deveria ser de R$ 4.446,00 e hoje é de R$ 2.275,00. E, da mesma forma, afetam o teto para dedução com educação, que deveria ser de R$ 6.961,009 e hoje é de R$ 3.739,00. Como se vê, essa não correção dos patamares do IR pelo IPCA afeta fortemente a classe menos favorecida e assalariada, fazendo com que pague mais impostos.

Ação governamental: Esperava-se que o governo atualizasse de forma dinâmica a tabela de IR, ao menos pelo IPCA, mas isso não ocorreu porque resultaria em uma enorme perda de receita. Ou seja, essa correção é algo impensado diante de um cenário de queda de arrecadação e de má gestão.

Por outro lado, para contextualizar um exemplo de correção acima da inflação, apresentamos o caso da Prefeitura de Curitiba, cidade onde resido, que, em 2019, elevou o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) em 8% para as residências, frente a uma inflação de 3,75% medida pelo IPCA em 2018. Como se vê, é fácil para os agentes públicos lidarem com a correção de seus compromissos e obrigações, desde que essa ocorra sempre a seu favor, seja omitindo-a ou superestimando-a.

Mas você deve estar se perguntando: o que o cooperativismo de crédito pode aprender com esse cenário, onde uma entidade governamental resolve unilateralmente se beneficiar corrigindo (ou não) os tetos dos tributos que lhe são devidos?

Primeiro devemos ter em conta que essas correções (ou não correções) podem impactar nossos pontos de controles e negócios. Assim, para que se compreenda melhor um desses impactos, vamos contextualizar um tema onde a nossa decisão pela não correção já afeta discretamente no médio e longo prazo o nosso modelo de negócio.

Correção do FGCoop (atualizado em 07/2020): Estamos tratando da não correção do valor de cobertura dos depósitos de até R$ 250.000,00 de nossos associados pelo FGCoop (Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito) desde sua constituição em 03/2014. A simples correção desse valor pela variação do IPCA até 06/2020 seria de relevantes 37,86%, o que resultaria em uma cobertura de R$ 344.660,42. É importante frisar que a manutenção dessa não correção do patamar de R$ 250.000,00 por mais alguns anos irá impactar ainda mais a eficácia original perseguida quando da sua criação em 03/2014, que era de garantir um montante que equivalesse à época a R$ 250.000,00. Portanto, seria prudente imaginar que essa grandeza de valor fosse perseguida no decorrer do tempo, visando manter a coerência original quanto à relevância do valor a ser garantido por esse Fundo.

Esse cenário fica ainda mais complexo se a inflação medida pelo IPCA ficar acima da comportada média de 3,7% a.a., vista nos últimos dois anos. Seja qual for desses cenários, e se esse valor de cobertura de R$ 250.000,00 não for revisto, muito em breve estaremos com uma defasagem de mais de 50% do valor real de compra originalmente coberto. O que coloca em xeque a utilidade original dessa importante ferramenta.

A coerência da correção do FGCoop pela SELIC (atualizado em 07/2020): Sabemos que esse Fundo se presta para cobertura preferencialmente dos nossos depósitos à vista e a prazo, mas reconhecemos que, na prática, seu efeito comercial verdadeiro é sobre o depósito a prazo, pois essa solução requer que a instituição corrobore de várias formas sua solidez e segurança a seu mercado. Isso é algo que raramente se vê com o depósito à vista, o qual também tende a ter saldos muito menores, dinâmicos e até eventualmente negativos, para os quais o FGCoop não tem função.

Partindo dessa premissa de que o FGCoop é útil principalmente para “emprestar confiança” a nossas instituições frente a captação de depósitos a prazo, e que esse foi o pilar original para definição dos valores de proteção, podemos inferir que o valor de R$ 250.000,00 de sua cobertura, para se manter eficaz frente a seu propósito original, deveria ser corrigido pela média que esses saldos em depósito a prazos são naturalmente atualizados. Ou seja, deveria ser corrigido a 100% da SELIC. Caso contrário, teremos em nossas carteiras comerciais um saldo em depósito crescente pela correção dos seus ganhos, e, “inexplicavelmente”, com o passar do tempo, muitos deles vão perder a garantia dos R$ 250.000,00 originais unicamente em função dessas correções, e não em virtude de novos aportes.

Isto é, o valor de compra efetivo da aplicação não cresceu com novos aportes, mas, sim, unicamente, pelos ganhos remuneratórios acordados com a Singular. Portanto, não nos parece justo comercialmente que, com o passar do tempo, as riquezas de nossos aplicadores fiquem descobertas por não corrigirmos o patamar de cobertura desde 03/2014, mesmo que seja pelo conservadoríssimo IPCA (37,86% – R$ 344.660,42) ou coerente SELIC (77,88% – R$ 444.714,10). Sim, pois a lógica da sua criação e a engenharia de nosso modelo de negócio sinalizam que a correção deveria ser pela SELIC, mantendo assim a relação original que se pretendia cobrir com a criação do FGCoop, que é o depósito de nossos investidores.

Importante:

01: Vale ponderar que os valores que compõem o FGCoop são estatutariamente aplicados em Títulos Públicos, os quais remuneram algo muito próximo da SELIC. Portanto, seu saldo é corrigido pela SELIC, enquanto o valor base de cobertura está congelado há quase cinco anos, denotando um descompasso entre seu custo, volume e possível eficácia em sua utilidade.

02: Logico que, para manter a coerência do FGCoop, nossos custos irão naturalmente subir, mas, corrigindo de forma cíclica e gradual esses custos, os impactos em nossos resultados serão melhor absorvidos do que se o fizermos de forma abrupta dentro de alguns anos. Sua não correção demonstra um ponto de atenção quanto à gestão da cobertura, que é o fator maior desse Fundo.

03: Naturalmente, pela correção dos valores investidos menores que R$ 250.000,00 desde 03/2014, e pela entrada de novos e pequenos investidores, veremos que o valor nominal coberto ficará cada vez maior que o previsto em 03/2014, já que será a soma desses valores corrigidos desde 03/2014 que figurará como o valor “total” de uma eventual cobertura em uma Singular. Contudo, o que temos, de fato, é uma massa de investidores que gradualmente alcançam ou ultrapassam o patamar de R$ 250.000,00 unicamente pelas suas naturais correções de 77,88% pela SELIC de 03/2014 a 07/2020, “inflando”, assim, o valor contábil total de cobertura, a um patamar muito maior do que o previsto quando da criação desse parâmetro de valor.

04: Instituído em 1995, o FGC (Fundo Garantidor de Créditos) dos bancos oferecia uma garantia de R$ 20.000,00 a seus clientes. Em 2006, esse valor passou a R$ 60.000,00 e, em 2010, chegou a R$ 70.000,00. Desde 04/2013, passou a R$ 250.000,00 e mantém esse patamar até hoje, potencializando o mesmo efeito nocivo descrito acima, quanto a não cobertura corrigida.

Contudo, juntos aos bancos nada podemos fazer. É outra história, que foi construída sobre outros alicerces e valores. Entretanto, fica a pergunta: seria coerente, diante dessa perda de relevância da cobertura do FGCoop, esperarmos os bancos elevarem seu patamar para, então, nos movimentarmos nessa mesma direção? Falamos tanto em sermos protagonistas disso e daquilo, não seria uma boa opção mercadológica nos anteciparmos a essa correção, visando obter dividendos para nossa segurança e para a nossa coerência comercial?

Reflexões Finais: A manutenção sem reajuste por quase cinco anos do patamar de R$ 250.000,00 do FGCoop tira gradualmente sua utilidade original e nos leva a refletir, como líderes do nosso modelo de negócio, se podemos reclamar da não correção da tabela do IR, já que não nos movimentamos para corrigir o FGCoop que efetivamente está sob nossa gestão.

Se desejamos manter a eficácia original do FGCoop de 03/2014, devemos prever que o valor de cobertura seja dinamicamente corrigido, minimamente pelo IPCA em 37,86% (R$ 344.660,42) ou coerentemente pela SELIC em 77,88% (R$ 444.714,10).

Essa correção coerente para R$ 444.714,10 favoreceria que nossos produtos de captação ganhassem um novo patamar de atratividade em função dessa garantia, pois há sinais em algumas Singulares de que suas captações estão “naturalmente” limitadas ao atual patamar de R$ 250.000,00 garantido pelo FGCoop. Esse tema foi mais bem detalhado no artigo “ICI-Coop – Índice de Confiança na Instituição Cooperativista de Crédito” de 01/2019.

Por fim, um FGCoop sempre atualizado protegeria ainda mais depositantes e nos permitiria ter em nosso modelo algo efetivo e racional onde realmente fôssemos protagonistas.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 05/02/2019 – ATUALIZADO EM 07/07/2020