Depósito à Vista julgado em Segunda Instância – PF e PJ separados nas Metas

Com a repercussão do recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), mais de 200 milhões de brasileiros se tornaram, em pouco tempo, doutores quanto à procedência ou não da prisão em segunda instância. Essa onda de superficial aprendizado os faz acreditar que podem julgar um complexo cenário, ainda que sabidamente não tenham base técnica para tanto. Mas esse grave equívoco no julgamento de uma multidão de pessoas pode servir para nos alertar que podemos também, devido a sua aparente simplicidade, estar definindo os temas relativos às metas com vieses que destoam da realidade, como as metas de Depósito à Vista (DPV) que não são apartadas por PF e PJ. E isso muda tudo! Vamos aos fatos.

Relevância do DPV: Sabe-se que é equivocada a crença de que essa fonte de recursos gera, de forma gratuita, dinheiro para emprestar (funding), ainda que esses depósitos sejam sempre bem vindos, mesmo para Singulares com excesso de liquidez. Por outro lado, há uma relação direta de aderência à instituição daqueles sócios que nela concentram seu fluxo financeiro (faturamento, salários, aposentadorias…), haja vista que ela é útil a eles. Portanto, indiretamente, essa concentração de sua liquidez é, no médio e longo prazo, mais relevante do que a rentabilidade ou números de soluções demandadas. Isso, pois, a rentabilidade tem fortes imperfeições quanto a sua acurácia na lógica e na matemática aplicada na sua obtenção. Em especial, quando visa definir a rentabilidade de venda de soluções de terceiros, a qual sempre é computada como se nenhum valor lhe devesse ser debitado pelo uso da Singular, seja pela sua estrutura física, pessoal, sistêmica, história etc. Já o número de soluções, algo da moda acadêmica de duas décadas atrás, está cada vez menos eficaz, já que, ao analisarmos detalhadamente esse tema, vemos que o número de soluções não é um sinal efetivo de aderência ou rentabilidade. Diante dessa exposição de motivos, passemos a analisar o Depósito à Vista como item da meta.

Distorção de realidades: É praxe vermos a definição das metas de Depósito à Vista aglutinando as posições de PF e PJ em um único número, o que equivocadamente tenta tornar como de um mesmo universo essas duas realidades tão antagônicas, o que, definitivamente, não são. O Depósito à Vista oriundo de PF tende a uma normalidade histórica, com oscilações tendendo a sazonalidades e eventos administráveis. E essa junção de dados (Depósito à Vista de PF e PJ) não permite gerir as distorções desses dois mundos, o que, cada vez mais, será um sério problema.

Contudo, essa aparente normalidade do Depósito à Vista de PF não ocorre com a PJ, sobre a qual, apenas nos últimos anos, as Singulares avançaram de forma mais efetiva. Nele se vê uma enorme popularização das “maquininhas de cartões” e “seus serviços agregados”, já que essas foram muitíssimo bem recebidas pelos empresários. Eles compreendem que suas transações serão cada vez menos em espécie, e que, de forma geral, essas “maquininhas” favorecem que seus recursos sejam automaticamente depositados em sua conta corrente, além do que, se desejarem, esses recebíveis podem ser descontados de forma descomplicada e ágil. Mas, como em todo mercado muito promissor e rentável, nossas Singulares e o resto do mercado, inclusive inúmeras fintechs, querem entrar, manter ou crescer suas posições e, para tanto, fazem ações hipercriativas, julgadas por muitos como descompassadas comercialmente.

Sabe-se que, como consequência desse dinâmico cenário, há inúmeras vendedoras dessas “maquininhas” e de suas facilidades que assediam diariamente um mesmo empresário com inúmeras soluções, cada vez mais tentadoras, inclusive com cashback para alguns serviços. Assim, esses empresários rapidamente obtêm novas informações estratégicas, o que torna quase impossível uma instituição financeira mantê-los “fieis” por muito tempo, caso os tenha conquistado preferencialmente pelos serviços atrelados a sua “maquininha”. Um leilão digital está ocorrendo e a qualidade dos serviços fica em segundo plano. E isso, por si só, já torna o volume de Depósito à Vista vindo de PJ uma montanha russa em qualquer instituição. Algo que antevi no artigo de 03/2019: “Adquirência. O que podemos aprender com Uber, 99 e Cabify?”

Perda de métricas de monitoramento: O simples fato de uma Singular não adotar esses cuidados quanto à distinção de Depósito à Vista de PF e de PJ, independente de esse tema estar pontuado nas metas, pode resultar em uma análise favorável pelo crescimento bruto, em especial pelo enorme crescimento desses recursos oriundos das “maquininhas”. Mas isso mascara a realidade e retarda a reação para mitigar perdas ou concentrações, postergando uma eficaz gestão de algo tão sério e que já deve estar apresentando seus sinais de enfraquecimento comercial. O fato de não termos métricas distintas para Depósito à Vista de PF e PJ pode dissimular essa realidade em nossa Singular, e, portanto, mesmo com elevação desses saldos, esse não deveria ser um motivo para desdenhar essa possibilidade. É importante frisar que cresce a dependência de quase todas as Singulares do Depósito à Vista vindo de “maquininhas”; “adquirência”; “travas”… , para fazer frente ao funding para a carteira de crédito com recursos próprios e ganhos na centralização. Diante de tanta sinalização de que haverá tempos “bicudos” pela frente quanto à gestão eficaz dos Depósitos à Vista de PJ, é mister, desde já, adotarmos métricas de monitoramento mais realistas, e nos distanciarmos de controles que nos induzam leituras otimistas. E esses monitoramentos devem prever oscilações também com base em variações observada nos anos subsequentes e/ou potencializadas por novos e agressivos concorrentes.

Depósito à Vista de PF esquecido: O que se observa em muitas metas que aglutinam Depósito à Vista PF e PJ é que o mero crescimento do montante global já é motivo de comemoração, sem observar as peculiaridades da composição e crescimento de PF e PJ. Outro fato é a crença de que, em conceito, é muito mais sereno manter e elevar paulatinamente o Depósito à Vista de PF. Ledo engano. A estratégia para manter e incrementar esses valores demanda algo muito complexo, com grande influência do quadro comercial. Lembrando que os clientes PF são muito mais sensíveis ao atendimento humano do que os PJ, os quais são cada vez mais racionais. Diante desse recente “tsunami” que foi o crescimento de Depósitos à Vista de PJ, muito provavelmente nossas Singulares esqueceram-se de monitorar a qualidade e a perda do Depósito à Vista de seus clientes PF. E muito disso, pela adoção dos preceitos questionáveis de rentabilidade e índice de penetração de produtos, que, como comentado, podem ser sinais de uma aderência cada vez menos efetiva à instituição. Esses motivos serão esmiuçados em um próximo artigo.

Meios de pagamento X Depósito à Vista: É de praxe adotarmos metas de Depósito à Vista suportadas por duas ações: uma seria a difícil arte de conquistar ótimos correntistas; outra, mais coerente, é a que faz a Singular olhar com extrema atenção para a sua base de correntistas visando maximizar a utilização dos meios de pagamento que esses têm à disposição. Entre esses meios de pagamentos destacamos a adquirência, o recebimento de boletos e cheques, pagamentos de fornecedores e impostos, serviços de débito automático de terceiros ou de liquidação de soluções internas, incluindo o débito do cartão de crédito, seguros, integralização de cota capital etc. Isso sem esquecer, é claro, da portabilidade do salário, do recebimento da aposentadoria e de rendas agrícolas, alugueis, pensões, entre outras. Como se vê, é coerente admitir que quanto mais eficazes forem os meios de pagamentos disponíveis aos sócios, maiores serão as oportunidades da equipe comercial para convertê-los em uma elevação gradual e serena de Depósito à Vista. Isso, pois, para cumprir esses compromissos, os sócios precisam antever constantes créditos em suas contas correntes, gerando, assim, um ciclo virtuoso frente aos desafios comerciais de elevar esse saldo.

Sinais estratégicos da variação do Depósito à Vista: Antes de passarmos para as reflexões finais, faz-se é oportuno registrar que a análise astuta das variações do Depósito à Vista é um eficaz termômetro quanto à saúde de uma Singular. E ele será mais saudável, quanto mais esse saldo crescer de forma serena, gradual, sem concentrações em valores ou datas, e, especialmente se obtiver um elevado e profícuo grau de saturação do real potencial de Depósito à Vista de cada um dos sócios da Singular, de tal sorte que transite por essas contas correntes o efetivo valor do faturamento, renda, salário, aposentadoria etc. Isso, certamente, é um sinal positivo de que essa Singular tem condições efetivas de estar competitiva no médio prazo. Esse esses mesmo raciocínio se aplica a novos sócios.

Seguindo essa linha de raciocínio, orientamos a análise dos saldos médios do Depósito à Vista de uma Singular, Agência ou Carteira, sempre pelo seu saldo médio trimestral ou semestral, comparando-o com os respectivos períodos dos anos anteriores e cuidando para deduzir desses saldos médios mais recentes o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Assim, mitigam-se os efeitos da inflação no crescimento vegetativo desse saldo, já que esse índice oficial mede a inflação, a qual afeta todo o mercado. Portanto, diante desses cuidados, evita-se o efeito dos equívocos que advém do uso da posição desse saldo em uma data específica, que normalmente é a do último dia útil da campanha de vendas/metas.

Reflexões finais: Sabemos, eventualmente, mais sobre o que seja prisão em segunda instância do que os relevantes detalhes que compõe os Depósito à Vista de nossas PF e PJ. E isso, com o passar dos anos, tende a ser uma cara e inglória fatura. Portanto, se possível, é prudente que as metas de Depósito à Vista, estejam já separadas em 2020, já que ele e os subsequentes serão muito mais complexos e precisamos estar comercialmente preparados para superá-los. Logo, é mister que nosso pessoal comercial tenha orientações certeiras para gerir cada um dos mapas da mina do Depósito à Vista (PF e PJ).

Por fim, é gratificante obter os feedbacks dos participantes do “6º Workshop de Planejamento e Metas”, ocorrido em 10/2018, onde esse e outras dezenas de temas foram debatidos, informando que eles já lapidaram suas metas para 2020, dando a devida eficácia e acurácia necessárias a esse importantíssimo tema.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 21/11/2019