Crédito “Flex” – A solução também para o microempreendedor

A sociedade brasileira sinaliza que o empreendedorismo é algo nato, o que é facilmente verificado pela imensa quantidade de microempreendedores (ME). Eles já são parceiros de vários setores empresariais, fazendo ótimos negócios haja vista o respeito mútuo às suas particularidades. Estes setores empresariais percebem o amadurecimento do microempreendedor (ME), seja na sua crescente consistência funcional, capacitação técnica, apoio de entidades de fomento ou pelo governo através de sua desburocratização e desoneração fiscal.

Várias fontes oficiais demonstram a pujança do ME, em especial quanto a sua representatividade na riqueza nacional como fonte de emprego e renda para uma enorme parcela de nossa sociedade. O IBGE informa que no Brasil há mais de 10 milhões de pessoas na economia informal urbana, e que apenas 5% destas têm acesso ao crédito formal. Ou seja, em conceito, explicita uma grande oportunidade para as Instituições Financeiras (IF). Por outro lado, sabemos que os ME ainda não dispõem de soluções financeiras ajustadas a suas realidades. Neste cenário fortuito, é de se acreditar que IF devam iniciar um consistente e orquestrado esforço buscando entender e atender este distinto e rentável público.

Mas há uma premissa para que as IF aproveitem esta oportunidade comercial. Elas devem entender que o modelo de negócio do ME tem um dinamismo e formato distintos das soluções hoje ofertadas. Estas já atendem com maestria uma sociedade dita “normal” e que foi bancarizada nestas últimas décadas – os assalariados e as empresas formais. Diante da falta de opção, os ME usam estes “engessados” produtos e serviços financeiros, que acarretam estresses na gestão de seus empreendimentos.

Algumas IF já fazem piloto nesta linha com interessantes aprendizados e resultados, sinalizando que a efetiva prática neste mercado lhes transfere segurança e rentabilidade. Percebem que para que esta parceria seja duradoura e rentável precisam conviver (viver+com) com os ME para compreendê-los.

Muitas destas experiências se dão através de parcerias operacionais com entidades do terceiro setor que promovem o fomento do empreendedorismo, repassando capital das IF e rateando receitas e possíveis prejuízos. São entidades que estão familiarizadas com a realidade dos seus ME parceiros e que se propõem apoia-los de forma proativa. Normalmente, utilizam em seu processo a pessoa do agenciador de crédito para uma microrregião. Este passa a agir fazendo todas as funções de uma “micro agência”: Capta, “analisa”, libera, cobra, expande etc. Em alguns modelos, a entidade passa a ser um correspondente bancário, fazendo 100% dos procedimentos atrelados ao repasse do crédito, e eventualmente lhes ofertando outras soluções financeiras.

A pergunta que se segue é: O que deve mudar na forma de agir das IF para atuar com eficácia neste nicho? Estes ME demandam soluções financeiras atreladas à agilidade e características do seu pequeno empreendimento. São pessoas físicas em pequenos arranjos produtivos e comerciais que atuam normalmente no mercado como uma pequena PJ, mesmo que eventualmente na informalidade. Esta flexível estrutura operacional e comercial faz os ME serem hiperdinâmicos e maleáveis, portanto precisando de parceiros com estas mesmas características. Sem dúvida é um novo modelo de negócio para as IF, mas um dos maiores e mais promissores nichos ainda não entendidos e não atendidos por elas.

Crédito “Flex”

A prática nos permite afirmar que o crédito será o alicerce do relacionamento comercial do ME com sua IF. Esta modalidade de crédito deve ter novas características que permitam suportar o negócio do empreendedor e não apenas a tradição, formalística e processos da IF. Cabe reforçar que os ME não dispõem de tempo para operacionalizações bancárias e de estrutura para concessão de garantias formais. Mas então há risco nesta operação? Sim, nesta e em qualquer outra. O risco de inadimplência sempre é uma variável direta na precificação da taxa de juros. Uma inadimplência de 3% pode ser alta se na definição da taxa a estimou em 2%. Já se a estimativa de inadimplência foi de 5%, e só se verificou 3%. Foi um excelente resultado.

Lembremos que as IF precisam ter na base tanto investidores como tomadores. Só que suas bases atuais de tomadores já apresentam sinais críticos de saturação, sinalizando que é hiper arriscado avançar na concessão de crédito sobre eles. Portanto o risco junto aos ME é algo coerente, aceitável e necessário para a perpetuação de qualquer IF massificada.

Se conceder crédito para ME pode sim ser algo rentável, é de se esperar que as IF estejam dispostas a atendê-los, desde que estes empreendedores reconheçam que esta parceria comercial terá uma paga justa por um tempo justo, e que pode até ser aparentemente cara. Isto nos faz observar um detalhe discreto que tende a ser determinante neste universo. Os ME têm ciência da sua pouca opção de crédito no mercado e da fraca força diante as IF. Portanto, na crença da viabilidade de seus empreendimentos, facilmente estão dispostos a pagar um sobre preço nos juros e tarifas para terem acesso ao crédito e a uma IF.

Para reforçar o texto acima, também é indiscutível que os ME possuem sapiência para perceber que suas atividades lhes permitem ganhos muito acima dos juros cobrados pelas IF. Imaginemos didaticamente a seguinte cena: Um vendedor de coco na praia compra diariamente cocos dos pequenos caminhões que ali entregam. Se ele tivesse dinheiro, cada um custaria R$ 0,50, mas como não tem, pagará amanhã R$ 0,70. São juros de 40% ao dia. Ele vende o coco a R$ 1,00. Ganha, líquido, 60% ao dia. Pensemos neste modelo e o ampliemos para outros milhares de micro empreendimentos. Assim, seria prudente que as IF e seus gestores revissem seus paradigmas ajustando-os a esta realidade. A atividade do ME tem uma dinâmica, giro, margem e risco impensáveis por qualquer estudante de doutorado em administração. Algo único.

O crédito “Flex”. Para que possam empreender e crescer, os ME terão obrigatoriamente que acessar o crédito massificado. Contudo sinalizam abertamente que há outros tópicos tão ou mais relevantes do que a taxa de juros quando do acesso ao crédito, como: agilidade, prazo, limite, fácil processo, flexibilidade na forma de pagamento, automação, discrição, repactuação e “inadimplência” pré-contratadas, agilidade na renovação etc. Os ME esperam que as IF, direta ou indiretamente, lhe cobrem um “pedágio” por lhe ofertar crédito massificado com características ajustadas a sua realidade. Esta falta de “jogo de cintura” das IF pode ter sido um dos motivos do baixo sucesso dos esforços de crédito junto aos ME no Brasil. Neste cenário, estas linhas de crédito, seus juros e demais tarifas ficam descoladas da legislação oficial do microcrédito. Por fim, fica latente a enorme oportunidade do uso do modelo do crédito “Flex” no atendimento de outros profissionais e empreendedores, como os autônomos: médicos, contadores, taxistas, produtores rurais etc. Pergunte-me como?

Como o “microcrédito” irá rentabilizar a IF?

Ao reforçamos a premissa de que a taxa de juros é apenas um dos vários fatores determinantes para a tomada do crédito e não o mais importante, podemos fazer uma reflexão de que, o critério para uma taxa de juros ser considerada cara ou barata por um ME depende da: sua percepção pessoal, da taxa usual praticada pelas soluções de crédito “genéricas” já a sua disposição, da sua urgência, do seu custo de oportunidade, da margem de lucro de seu negócio etc.

Há uma vantagem competitiva para a IF que ofertar aos ME um leque de soluções de crédito flexíveis (O crédito “Flex”). Os ME são reconhecidos pelo dinamismo e praticidade com que buscam soluções. Dificilmente irão cotar tarifas e taxas, pois seu negócio o absorve quase que totalmente. Onde um ME ancorar sua solução de crédito, gradativamente fará sua “feira” de soluções bancárias.

Na prática, este cenário nos sinaliza que estamos diante de um público único, mas muito representativo da forma de agir dos brasileiros. A forma de pensar deste público não é nada acadêmica, mas que deve ser estudada, pois é um polo de grandes negócios para os bancos de varejos massificados. Mas será que este cenário não é também de oportunidades para as Cooperativas de Crédito (CC)?

Cooperativas de Crédito & Microempreendedor

As CC por serem, em conceito, IF criadas para fins sociais, distribuição de renda e desenvolvimento regional, crédito barato etc., ficam um tanto alheia aos esforços mercadológicos de atender os ME. Apesar de, na prática, a seu modo e interesse, já atuarem fortemente junto a pequenos e médios empreendedores preferencialmente dos segmentos rurais, saúde e comercial.

Seria oportuno que as CC repensassem seus paradigmas quanto a este tema. Acredito que há reais oportunidades neste nicho ainda pouco assediado – ME, em especial para as CC de Livre Admissão. Isto demandará muita astúcia, aprendizado e suor. A seu modo, são rentáveis e podem compartilhar a atual plataforma comercial e tecnológica das CC, permitindo o necessário ganho de escala e fomentando seus baluartes sociais.

Fica então a sugestão para que as CC sejam mais agressivas e rápidas neste nicho, buscando elevar gradualmente sua base de rentáveis associados ME. Sempre será oportuno adotar pilotos para analisar e definir a melhor forma massificada de atuação, visando automatizar o atendimento, em especial os vinculados aos procedimentos creditícios, estes sempre com riscos bem precificados. Estes ME, ainda “esquecidos” pelos bancos, poderão permitir uma cativa e crescente carteira de crédito regional, além de expertise para crescer de forma sustentada em um enorme nicho que é a cara do Brasil e dificilmente documentado em tratados acadêmicos.

Por fim, percebo que a correlação do assunto CC & ME traz desconfortos e descrença quanto a sua oportunidade e praticidade para alguns dirigentes de CC focados em públicos mais seletos, o que respeito. Contudo, temo que no médio prazo, sozinhos, estes seletos públicos não suportem a viabilidade destas CC.

Conclusão: este vasto tema não se esgota neste breve texto. Mas certamente nos traz reflexões oportunas para que, desde já, iniciemos esforços para aprender a atender e viabilizar economicamente estes ME.

À disposição para parcerias focadas na gestão, rentabilidade e aderência da base e na prospecção de novos associados rentáveis.

Grato pela leitura. Se desejar repasse a seus pares que também tenham interesse no tema: Cooperativa de Crédito.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 15/05/2007