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Crédito de vencimento único potencializa perdas únicas

Muitos, como eu, são fãs do sociólogo italiano Domenico de Masi, famoso pelo seu conceito de “ócio criativo”, no qual nos mostra que o ócio, longe de ser negativo, é um fator que estimula a criatividade. E eu, para meu deleite, tive a grata oportunidade de assistir há uma semana a sua esplêndida palestra. Assim sendo, nesta noite, pensando com meus botões (ócio criativo), passei a refletir sobre o cenário atual e seus inúmeros impactos não explícitos que podem vir a minar a grandeza do Cooperativismo de Crédito. E eis que voltou a minha mente com um brilho diferente, um antigo tema, o qual já havia me consumido horas de reflexões tempos atrás. Falo das soluções de créditos com vencimento único e dos seus efeitos na gestão do risco de crédito e na Singular.

Conceito de Crédito de varejo de vencimento único

São créditos estruturados para que seus contratos tenham uma única parcela a vencer em um prazo longo, usualmente acima de três meses. Entre eles destacamos o cheque especial, cartão de crédito e as contas devedoras de empresas. Estas linhas são muito diferentes dos tradicionais créditos parcelados, pois permitem que os clientes usem os limites da forma que melhor lhes aprouver, inclusive com liquidações a qualquer momento do limite usado, seja parcial, total, ou mesmo não o liquidando, mantendo o limite residual ativo. Seus contratos, na maioria, preveem a renovação automática dos limites, caso o cliente o tenha usado com parcimônia.

Onde o risco se eleva?

Estas enormes facilidades custam muito aos clientes que fazem uso das linhas de crédito de vencimento único, especialmente frente ao agravamento do cenário de estresse dos princípios socioeconômicos. Estes clientes, diante dos seus desregramentos que geram recorrentes urgências financeiras, não têm como se defender ou refletir sobre as elevadíssimas taxas e tarifas a eles aplicadas. Pela dinâmica destas linhas, a instituição não tem como validar o risco e a destinação do crédito a cada nova demanda de recursos do cliente, dentro do seu limite e prazo contratado. Percebe-se este risco pela precificação das taxas dos créditos de vencimento único. Senão, vejamos que, para os clientes Vips as taxas do financiamento do cartão de crédito da Caixa Econômica, tida como banco “barato”, é de 9,49% a.m. e de 12,15% a.m no HSBC, sendo que as taxas são ainda mais elevadas para clientes ditos de menor quilate. Ocorre que facilmente veremos valores elevadíssimos também nas taxas dos limites dos cheques especiais destes bancos e do mercado em geral, reforçando o estresse embutido nos créditos de vencimento único.

A Origem de tudo

Clientes que fazem uso do rotativo no cartão de crédito, pagando apenas o mínimo, realmente deveriam ser considerados como risco “E” (ou mais), haja vista existir sinais claros de que é frágil sua liquidez, e que muito em breve poderá se tornar uma estressante provisão, ao arrastar todas as suas dívidas. A mesma analogia deve-se adotar frente a clientes que fazem uso contumaz e desregrado do cheque especial. Já as contas devedoras de empresas devem ser analisadas com enorme senioridade e astúcia, haja vista que seu correto julgamento só pode ser efetivado por gerentes experientes que entendem a lógica comercial do cliente em questão. Além disso, a história demonstra que é necessário extremo cuidado no seu acompanhamento, em especial quando da aplicação da política de renovação automática frente ao perfil de uso recente deste limite, a qual, muitas vezes, usando “cheio”, apenas renova os limites, quando não os eleva para acomodar os juros devidos no período.

A receita que pode enganar

Vê-se com muita frequência que diante de uma redução drástica de resultados opta-se por elevar limites e taxas de juros do cheque especial. Algo fácil e de retorno rápido. Mas esquece-se que os sedentos usuários destes novos limites, agora mais generosos, são justamente aqueles com sinais claros de desregramento e que tendem a nos dar enorme estresse na provisão. Lembrando que a taxa de juros não será fator de freio do uso deste limite. Assim, esta ação simplista deve ser revista e coibida diante do cenário de crise que se avizinha, onde haverá necessidade de muita astúcia e coerência comercial para efetivar majorações de limites e taxas.

Como vimos, em um primeiro momento os resultados irão naturalmente aparecer, mas na sequência nota-se uma elevação da provisão, a qual não reflete o limite alocado em linhas de vencimento único, pois este será em volume muito maior, haja vista que clientes com uso desregrado de limites de vencimento único certamente já estão muito tomados no mercado e em nossa instituição. Vale aqui ressaltar a importância da releitura do nosso artigo “Risco “i” – Uma nova classe de risco para o Cooperativismo de Crédito”, para uma perfeita compreensão deste emaranhado cenário de estresse.

A complexidade funcional do vencimento único

A quase totalidade de nossos clientes, inclusive empresários, tem rendas mensais para honrar seus compromissos, porém, é notório que os compromissos mensais, incluindo impostos, luz, escola etc, são muito mais palatáveis e de fácil liquidação. Já a necessidade de honrar de uma única vez uma dívida total de um contrato de vencimento único, com vencimento de vários meses, e que vem sendo majorado de juros elevadíssimos, já seria algo de difícil liquidação para um cliente normal. Imaginemos, então, para um cliente com fortíssimos sinais históricos de desregramento financeiro, independente da classificação por letras de “A” a “H”, levando em conta que estas guardam sérios desvios de conceitos quando aplicadas no crédito de varejo massificado. Os impactos do risco naturais dos créditos de vencimento único não são tão formais ou técnicos como muitos desejam acreditar. Afirmamos que os estresses dos desdobramentos não formais destes créditos serão os maiores responsáveis pelo agravamento do risco de crédito em sua Singular frente ao varejo massificado de crédito. Assim sendo, é de suma relevância que suas subjetividades sejam ponderadas com senioridade e astúcia pelos responsáveis por monitorar estas linhas hiper rentáveis, pois naturalmente sua elevada rentabilidade deve promover um risco de igual magnitude.

Pente fino em suas receitas com juros. Aconselhamos fazer uma análise criteriosa na representatividade dos últimos 24 meses do crescimento das receitas com juros de créditos de vencimento único, frente às receitas totais, e de preferência separando-as por clientes PF e PJ, já que certamente terão comportamentos distintos, mas não necessariamente menos nervosos. Esta mesma análise deve ser feita em relação as provisões, buscando na origem seus motivos para identificar serem ou não de créditos de vencimento únicos, em especial do cheque especial, já que este, até “estourar”, absorve sorrateiramente e por um bom tempo muitos compromissos financeiros do cliente. É importante frisar que este é um dos itens que devem ser ponderados com extrema senioridade nas metas e na validação de rentabilidade de clientes, carteiras e unidades.

As pedaladas nos vencimentos únicos

As renovações automáticas dos vencimentos únicos fazem estas linhas terem prazos “infinitos”. Isto pode levar algum gestor menos atento a acreditar que elas são ótimas fontes de renda, mas que devem ser geridas com uma astúcia típica de guerrilha, pois a parte fraca desta relação pode ser a instituição financeira que, por vir de um período de bonança, com poucas provisões, não tem os calos mentais que deveriam balizar ações para estes novos períodos de estresses socioeconômicos. Vemos que muito dos manuais de crédito rezam de forma muito branda as renovações automáticas, sendo muito mais reativos que proativos. Nesta linha, vemos que os contratos que firmamos com nossos clientes ainda são frágeis diante de cenários de estresse que certamente irão se avolumar. Tema este tratado detalhadamente em julho deste ano quando do nosso 2º Workshop de Crédito e Cobrança em Belo Horizonte, no qual participaram mais de 100 gestores líderes de nosso modelo de negócio de várias bandeiras.

Amplitude da análise

Percebamos que nosso modelo de negócio só passa a atuar fortemente nesta última década frente aos créditos de vencimento unido, sendo que enquanto ainda aprende viverá a sua primeira e grande crise socioeconômica. Este é um tema extenso, complexo e deve ser estudado e gerido diante da característica de cada Singular. Sua perfeita análise suscitaria estudar com muita maturidade outros temas correlatos como: a precificação destas taxas e tarifas em cenários turbulentos com resultados “efetivos” as Singulares, mas sem sacrificar em demasia a saúde financeira dos sócios; as formas de capitalizar a elevação e a redução de limites com vistas a um perfeito relacionamento comercial; a trava perigosa e às vezes o desnecessário congelamento de liquidez diante de limites não usados; outras formas astutas de evitarmos a elevação de provisões e perdas, além de atacarmos outras fontes desnecessárias de estresses.

Reflexões finais: somos favoráveis a uma política agressiva na alocação e acompanhamento dos créditos com vencimentos únicos, mas salientamos que devem ser geridos com muita senioridade, e balizados por ações parcimoniosas, discretas, astutas, sutis e sem sobressaltos. Pergunte-se: Minha Singular é astuta e proativa na gestão dos seus créditos de vencimento único?

Deixo ao final destas reflexões, fruto de um profícuo período de “ócio criativo”, uma frase oportuna e de amplo espectro do escritor inglês Joseph Conrad: “Como faço para explicar a minha mulher que, quando fico olhando pela janela, estou trabalhando”.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 01/09/2015