Como agir frente a um dragão que eu nunca vi

É relativamente fácil levar um carro a um mecânico e vê-lo conectar alguns cabos e rapidamente detectar o defeito. Mas, agora, imagine que seu carro tem carburador. O ajuste fino de um carburador é uma arte dominada por poucos a qual requer enorme experiência, mãos de ourives e ouvidos de maestro. Portanto, uma arte dificilmente ensinada em faculdades. Há experiência, aqui aplaudida, também será um rico diferencial para superar a volta da alta inflação, a qual já ronda nossos quintais. Pensávamos que uma alta inflação fosse uma peça de museu de artilharia, onde alguns poucos saudosistas as visitam tentando entender como aquelas atrocidades foram possíveis. Sensação essa que senti ao visitar o campo de concentração de Dachau em Munique.

Mas qual é o maior problema que poderemos ter frente à sorrateira e inóspita inflação, que já mostra suas garras em nosso cotidiano e traz uma irracional destruição de valores entre os detentores de capital e a força de trabalho, além de minar os gastos e benefícios governamentais? A resposta não nos parece lógica. Acreditamos que o maior problema que as instituições terão ao enfrentar este estressante cenário que se aproxima, será a falta de habilidade de muito de nossos jovens líderes na gestão desta dita “nova” crise, agravada pelo excesso de informação disponível.

O que consideramos falta de habilidade em gerir crises como essa advinda da alta inflação? Se você, que nos lê, tem hoje mais de 50 anos, tinha, então, 30 anos no início do Plano Real, e foi impactado por uma década pelos horrores da inflação, seja como empresário ou trabalhador. Entrei em um grande banco de varejo em 1974, e por vinte anos convivi profissionalmente com a alta inflação e afirmo categoricamente que a forma de fazer negócios é totalmente distinta da atual.

A concessão de crédito é extremamente seletiva, chegando a ser desinteressante pela relação de riscos e pelos ganhos generosos pagos pelos títulos públicos de nosso governo, extremamente endividado. Ou seja, o menor risco do mercado é o governo. Se ele quebrar, o restante já quebrou.

Pelos enormes juros pagos pelo governo para girar sua dívida, as captações em “DI” ficam muito atrativas e facilitadas. São aplicações com ganhos expressivos e sem risco aos investidores, algo de difícil compreensão para quem não viveu épocas de inflação elevada. Os fáceis esforços nas captações permitem doar mais recursos ao insaciável governo e, assim, cria-se um redemoinho que mina qualquer tipo de razoável planejamento estratégico e que inibe a eficiência comercial, desmotivando o investimento produtivo. Contudo, os serviços perdem relevância quando passam a ser uma moeda de troca, seja pelo valor deteriorado frente ao seu poder de compra original, seja pelo ressurgimento do floating onde os recursos devidos ao cliente têm sua entrega retardada propositalmente, visando a maiores ganhos pela geração de funding e/ou concentração financeira.

Onde mora o perigo: Nossos brilhantes jovens com até 50 anos, que hoje nos ajudam de forma magistral, não viveram como pais de família, empresários ou mesmo líderes executivos algo tão inglório como uma elevada inflação ou mesmo a hiperinflação. Muitos deles já não têm como se consultar com executivos mais seniores, os quais poderiam lhes alertar sobre as mais estranhas ciladas desse modelo de destruição de valores monetários e sociais. Assim, provavelmente irão tentar lidar com a alta inflação através de soluções acadêmicas ou ações intempestivas balizadas por embriagantes gamas de informações obtidas na internet. Certamente encontrarão meias verdades que serão pouco úteis para nortear sua gestão frente a uma alta inflação. Pedimos especial cautela aos dados lá encontrados. Eles nem de longe têm a lógica racional da sazonalidade dos indicadores obtidos em épocas de bonança, como vivemos nesses 20 anos de Plano Real.

Dragão cuspindo fogo: Este foi o “mascote” usado corriqueiramente pela mídia até 1994, quando tentava demonstrar os efeitos nocivos da alta inflação. E, afirmo que esses foram anos de muita luta e poucas conquistas. É hiper desconfortável ter esse monstro diariamente a nosso lado, mas essa é a figura mitológica que mais se aproxima do enorme estresse causado pela alta inflação.

Reflexão Final: nós, que ainda estamos na ativa apesar de nossos jovens 50 anos ou mais, devemos começar a nos reunir com nossos profissionais mais jovens que desejam ser ajudados, visando demonstrar a eles as dificuldades que irão enfrentar. E assim, juntos, de forma prudencial conduziremos a Instituição para que saia forte e pouco chamuscada desta fase econômica que pode demorar mais de uma década. Afinal, pessimismo estratégico pode potencializar ótimos ataques.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/10/2014