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Cheque especial e a nossa letargia na sua majoração

Têm conceitos que nos são apresentados com tamanha carga de coerência que passam a ficar blindados em nossa mente e, assim, passamos a não observar as discretas mudanças dos preceitos que originalmente o embasaram. Esta constatação não é tão rara como podemos acreditar e facilmente pode transformar um de nossos convictos conceitos em algo potencialmente perigoso.

Atuo intensamente há onze anos no cooperativismo de crédito, após quase três décadas em banco de varejo massificado. E percebo que, em muitas Singulares há conceitos possivelmente edificados há anos quando, para se posicionar como uma proposta saudável frente aos “temidos” bancos de varejo, alardeavam que não iriam cobrar tarifas ou mesmo pacotes de tarifas, e que praticariam juros muito menores que seus maléficos concorrentes. Passou-se uma década e vemos que a quase totalidade das Singulares cobram razoáveis tarifas e pacotes de serviços, bem como praticam taxas competitivas, as quais não podem ser consideradas como baratas como antigamente se pretendia.

Origem do problema: Vejo que um destes conceitos que mais vem trazendo problemas para o Cooperativismo de Crédito é a letargia com que se define a taxa de juros do cheque especial e sua majoração. Vemos que muitas Singulares mantêm uma taxa próxima a 5% a.m. por anos a fio, demonstrando claramente que não se analisa o custo do dinheiro, a inadimplência, ou ganhos potencializados frente a esta linha que é certamente a de maior risco em nosso modelo de negócio.

O Cheque especial é uma linha emergencial que vem sofrendo ano após ano uma deterioração em sua finalidade, algo que é pouco percebido por muitos de nossos gestores. Isto ocorre aparentemente pela sua enorme contribuição no resultado comercial, sem que em muitos casos se analise as suas inúmeras e nervosas entrelinhas, as quais são temas de nossas consultorias.

Verdade atual: o Procon de São Paulo em 06/2015 alerta que as taxas de juros dos bancos vêm se elevando frente à crise, e que a média no crédito parcelado de 12 meses está em 6,15% a.m, sendo que no cheque especial está em 11,16% a.m. Provavelmente temos o conceito que a Caixa e o Banco do Brasil, por serem menos agressivos, seriam um parâmetro a seguir. Vejamos: a Caixa cobra no crédito parcelado 4,27% a.m. e no Cheque Especial 9,52% a.m. Já o BB cobra no crédito parcelado 5,25% a.m. e no Cheque Especial 10,34% a.m. Sua Singular se baliza em qual deles?

Realidade em sua Singular: claro que devemos ser coerentes ao definir a taxa de juros para nossos sócios, mas como reflito em vários artigos “o mercado é soberano”. Percebe-se claramente que até a singela e ainda “barata” Caixa Econômica e seu fiel escudeiro Banco do Brasil já perceberam que precisam hoje definir fortes ações comerciais pensando na sobrevivência advinda dos resultados de suas carteiras. Sabem que esta ação irá suavizar os crescentes custos operacionais e de captação, bem como assim se cria um colchão mínimo para absorver as suas novas e “desconhecidas” provisões, em especial oriundas de créditos baratos, pré-fixados e longos.

Esse cenário de crise, de elevação do desemprego, inflação e descontrole político etc. já seria motivo para todos nós colocarmos nossos planejamentos e planos de ação em baixo do braço e pegarmos uma caneta vermelha para revermos nossas estratégias frente a um mercado muito mais complexo. Temo que para muitos, somente será percebido quando no último trimestre deste ano faltar recursos para remunerar juros ao Capital Social de 100% da Selic ou mesmo perceber que serão relativamente fracas as Sobras a serem apresentadas na AGO.

Pensemos! Em menos de um ano o custo de nossa matéria prima (dinheiro) encareceu na média 50% (Selic). O que faz um empresário quando o custo da mais representativa matéria prima sobe 50% no último ano? Certamente absorvem uma parte, repassando o restante. E nós?

Nossas adicionais crenças para subsídios a este intrigante tema:

a) Nestas mais de quatro décadas estudando e trabalhando neste mercado nunca encontrei qualquer racionalidade técnica na definição da taxa de juros do Cheque Especial e na taxa de juros de linhas parceladas de varejo. Vejo como um jogo de pura percepção comercial.

b) Nenhum cliente irá tomar menos ou mais recursos no cheque especial por que a taxa está 5%.a.m. ou 7%.a.m.

c) Os juros do cheque especial para uma enormidade dos clientes é subentendido como se fosse uma parcela de um financiamento, que todo mês vem, mas que não chega a ser tão caro que o faça deixar de usar, além do que, se o usa é porque já usou as demais linhas mais baratas.

d) Se para nós é dificílimo calcular os juros do cheque especial (em especial seu IOF), imagine para um cliente leigo em matemática financeira, como o é a maioria deles.

e) Para os clientes contumazes usuários do limite do cheque especial, não há mentalmente como saber quanto realmente tem de limite ou se ele está prestes a estourar.

Imagina ou Acredita que:

f) Não vemos nas Singulares a praxe de mercado que define taxas de juros de cheque especial distintas para clientes pessoa física e jurídica, a qual tem um pequeno e lógico deságio.

g) Etc., etc., etc.

Tempos bicudos: veremos nestes tempos mais bicudos uma elevação na inadimplência e forte redução na venda de nossas soluções não “tradicionais ou urgentes”. Também conviveremos com a natural redução na demanda por crédito de varejo massificado, e em especial nos crédito para investimento produtivo. Também veremos uma dissimulada e gradual elevação na captação pelas incertezas para os investimentos.

Este alinhamento de fatos irá gerar um inusitado e complexo cenário a ser toureado por nossos líderes: Queda da qualidade da base X Maior e mais cara captação X Menor demanda por crédito X Maior provisão X Elevação dos demais custos X Menor remuneração do Capital Social X Redução das Sobras X… .

Foi-se o tempo de bonança, fartura de emprego, baixa provisão, custos baixos, ótimas e baratas captações, novas agências, contratação de mais funcionários, bons aportes em Capital Social, ótimas Sobras e Reserva etc. É tempo de cautela, rápido reaprendizado e astúcia na estratégia.

Arte na gestão das taxas: Por mais que queiram dar uma visão pragmática para a definição das taxas de juros no varejo comercial, afirmo que há nela uma forte carga emotiva e de percepção balizadas em mensagens subliminares repassadas aos mais seniores pelo Sr. Mercado. Assim, fico receoso quando, diante de uma perda de receita, vejo gestores elevando limites e taxas de juros de cheque especial. Mesmo que após a exposição destes motivos possam alegar de que é uma linha de altíssimo risco, ou que a taxa realmente está muito defasada, afirmo que será uma ação pontual e de inúmeras fragilidades no médio prazo.

Em nossas consultorias apresentamos mais de uma dezena de pontos de atenção para a definição de uma gestão comercialmente eficaz da cesta de taxa de juros, alocação de limites, política de cobrança etc. As novas respostas não serão simples de ser respondidas, porque as perguntas certas dificilmente serão feitas pela falta de experiência nestes cenários de estresse.

Reflexão Final: acredito que algumas Singulares deveriam repensar a forma que gerenciam suas taxas, em especial as afins as suas linhas de maior risco, como a do cheque especial e dos créditos parcelados massificados. Poderiam ir gradualmente se despindo das crenças tradicionais que as fizeram construir pilares mentais como o que, por exemplo, reza que bancos são mercenários, ou que é impensado a sua Singular ter cheque especial acima de 5% a.m. ou 7% a.m., ou que os créditos parcelados massificados devem ter taxas oscilando entre 2% a.m. e 3% a.m.. Ou ainda que é pouco relevante em seu resultado o ioiô da Selic com forte tendência de crescimento, a qual, só neste ano já encareceu 50% o custo de sua matéria prima (dinheiro).

É temeroso mantermos em nosso modelo de negócio a cultura de que devemos ter taxas de juros baratas, em especial para as soluções massificadas de crédito. Devemos buscar que sejam competitivas, e atentar para que elas nunca sejam o nosso maior diferencial, pois afirmo que este posicionamento é comercialmente frágil e temeroso. Na crise, revisemos nossas crenças comerciais e sigamos com parcimônia os ensinamentos comerciais dos melhores e mais agressivos bancos.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 16/06/2015