CDI – Amor platônico do martelo por um prego

Se a única ferramenta que se tem é um martelo, tudo parece um prego”. Esta frase do psicólogo americano Maslow ecoa há mais de 50 anos. Ela nos alerta que é mandatório “desabraçarmos” da nossa árvore para vermos a nossa verdadeira floresta – nosso mercado. Mas como esta reflexão pode nos ajudar na gestão eficaz de nossa singular? Veremos neste breve texto algumas das inúmeras amarras que facilmente fazemos com o nosso grande martelo: o CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e refletiremos sobre a coerência ou não do seu uso como forma de engessar a quase totalidade de nossas concessões de crédito ao varejo massificado.

Balizando conhecimentos – Selic & CDI

Antes precisamos rapidamente equalizar alguns conhecimentos e cenários. Vamos lá. A Selic (taxa de juros básica da economia) é a métrica que o governo utiliza para balizar ao mercado de quanto está disposto a pagar para rolar sua dívida pública. Mas sua principal função é ser um instrumento do BACEN (Banco Central) para manter a inflação sob controle. Com a redução da Selic, o BACEN diminui a atratividade das aplicações em títulos da dívida pública. Assim, começa a “sobrar” mais dinheiro no mercado financeiro. A população tem mais acesso ao crédito e consome mais.

Ocorre que a Selic é o forte balizador do nosso martelo: o CDI. Que nada mais é que o instrumento com que as tesourarias dos bancos negociam recursos de curto prazo, alinhados pelo custo que o governo pretende ter ao rolar sua dívida pública. A Selic e o CDI são unha e carne.

Em 10/12/2008, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BACEN manteve a Selic em 13,75% a.a., enquanto os BACEN do mundo todo reduziam drasticamente suas “Selic”. Não tenho a pretensão de competir com a vidente “Mãe Diná”. Contudo, acredito que diante da crise que se aproxima, muito provavelmente teremos Selic com reduções abruptas, podendo chegar a menos de 10% a.a. até o final de 2009. Isto forçosamente fará com que muitas singulares revejam sua dita eficácia comercial baseada em clássicos predicativos, que já não respondem a básicos “por quês?”.

CDI como balizador na captação

A boa prática orienta que os gerentes devem dar aos investidores informações e a opção de aplicar em CDI pré ou pós-fixado para que formem seu julgamento sobre o comportamento do mercado no período do seu investimento. Ou seja, se hoje o CDI paga 13,75% a.a. e o cliente acredita que no final do prazo de seu investimento, de um ano, o CDI estará em 15% a.a., ele deve aplicar em pós-fixado, pois ganhará com a subida da remuneração que acredita que irá ocorrer. Por outro lado, se acredita que daqui a um ano, o CDI estará em 12% a.a., deve aplicar em pré-fixado. Neste caso, sendo verdadeira sua previsão, amarrará sua rentabilidade no momento da aplicação, garantindo uma remuneração superior a que balizaria uma aplicação pós-fixada.

OK: Brevemente aprendemos a orientar nossos clientes a investir. Mas fica uma pergunta. Por que captamos? Para que possamos dar mais dinamismo e autonomia ao nosso ciclo de emprestar bem. Aqui pode residir um problema: como e quanto pagamos em nossas captações? Será que uma aplicação com resgate “automático” deveria receber o mesmo que outra com vencimento pré-definido? Será que uma nova aplicação de um mesmo cliente deveria ser remunerada pelo novo patamar ou como uma nova aplicação? Será que uma aplicação de 360 dias, poderia ter resgate após uma carência de 90 dias (ex.), sem pênaltis? Será que não há formas criativas de captar no varejo à taxas mais atrativas para a singular? Acredito que poderíamos ser ainda mais eficaz na condução eficaz deste tema.

Ao analisarmos a dinâmica de uma singular, me pergunto: Quem vai pagar os custo e rentabilizar seu negócio? Certamente não será a utilização do martelo CDI como sua única métrica. Assim, oriento para que persigam ganhos financeiros nas duas pontas – captação e crédito – como se fossem dois mundos hiper distintos. Sabemos que o segredo do varejo está na perfeita precificação da compra e venda. Acredito que o CDI não é boa métrica na totalidade do crédito massificado.

Tentarei simplificar meu ponto de vista quanto a definição de taxas de juros competitivas. Adotemos como regra básica de uma boa gestão comercial: preço de uma solução tem que ser tão cara quanto as pessoas possam pagar. Portanto é infantil vender uma cadeira por R$ 15,00, só porque quero ganhar 50% sobre meu custo de fabricação (R$ 10,00), quando o mercado está pagando facilmente R$ 35,00 por ela. Podemos vendê-la por R$ 31,00 que ainda sim seremos competitivos. Isto é mercado. E o mais importante. R$ 31,00 é barato na concepção de quem compra. Resumidamente, o CDI pode ser um balizador de custo na minha solução de crédito (compra), mas nunca engessar a grande maioria das taxas de juros no varejo massificado (venda).

CDI a 8% a.a. – Como métrica de competitividade:

Realmente aproveitem este texto para exercitarem como seria a eficácia comercial de sua singular se o cenário atual fosse de uma Selic de 8% a.a., agravado por muita competitividade. Isto certamente os obrigaria a buscar cobrir 100% de sua folha de pagamento com tarifas saudáveis, bem como conceder créditos no varejo massificado como o grosso do mercado já o faz. Utilizando taxas precificadas conforme o risco do cliente e a real necessidade de rentabilidade da singular. Por fim, teriam que buscar captações mais diluídas, baratas e em prazos médios superiores aos créditos.

A meu ver, um bom gestor deve acreditar e, desde já, se precaver com um cenário de Selic de 8% a.a.. Caso ela chegue, seria infantil culpá-la por estragos em sua gestão. Há um lado muito saudável neste treino comportamental. Independente do que venha a ocorrer, teremos executivos em condições de superar de forma serena e orquestrada qualquer nova crise. Nunca nos esqueçamos de gerir uma singular como se fosse um ser vivo. Não se pode descuidar de nenhum detalhe, mesmo que pequeno. Imaginem o estrago que faz um cisco nos olhos de um gigante.

CDI como métrica de taxas de juros

Outra visão tradicional que se utiliza do balizador CDI – nosso martelo – é a que toda captação deve ser pós-fixada, e que esta deve nortear a grande maioria das definições da taxa de crédito, amarrando assim estas duas pontas, inclusive no prazo. Realmente isto traz uma coerência técnica quanto aos aspectos de uma engenharia financeira mas dificilmente é obtido na prática. Se a perseguirmos a ferro e fogo, engessaremos nossa carteira de crédito e subjugaremos outras dezenas de importantíssimas verdades mercadológicas. Vale ressaltar que o dinamismo do mercado de crédito do varejo massificado é muito mais dinâmico, eclético e subjetivo que o da captação.

Lembremo-nos. Estamos no varejo financeiro brasileiro. Não sejamos nós a recriar a roda. Em São Paulo se vende banana por dúzia. No Paraná por quilo. Juros no varejo massificado é taxa pré-definida (ex. 3,31% a.m.). Não há tempo e recursos para implementar uma cultura de crédito distinta da usualmente praticada e utilizada pela grande massa de nossos clientes. Precifique na taxa sua insegurança quanto a possível variação do CDI nos próximos 24 meses (ou mais),e venda crédito de forma “sexy”, como uma excelente solução para seus potenciais compradores. Oriento meus clientes que a taxa de juros deve ser tratada como mais um detalhe, e que há outros tópicos relevantes: discrição, valor da parcela, pré-aprovação, limites generosos e retroalimentados etc.

Dois tipos de tomadores. Apenas um apaixonado pelo CDI

Sempre busco simplificar minhas teorias para que todos a entendam. Há algum tempo, desmembrei os tomadores de crédito em dois grupos. O primeiro, “Tomadores de Consumo”, são a grande massa da população das classes sociais médias e remediadas, que não dispõe de reservas/poupança. São ansiosos e reconhecem que dependem fortemente do crédito para ascensão social e para antecipar consumo. Detêm uma vida social intensa e veem no consumo um ato de presentear-se. O futuro é algo vago que vão construindo como consequência e que até “pode esperar”. Tem na taxa de juros pré-fixada ao mês a uma única forma de comparação dos juros e querem ter certeza que a prestação “coube” no bolso. São estes “Tomadores de Consumo” que irão sustentar qualquer projeto comercial eficaz e duradouro de sua singular.

O segundo grupo é dos “Tomadores Investidores”. É um grupo pequeno, mas suas mentes funcionam balizadas a investimentos, e só tomam crédito atrelado a esta visão (carro, casa, equipamentos, reformas, etc.). São clientes tradicionalmente investidores, muito bem informados e que fazem leilão de taxas no crédito por desfrutarem de excesso de oferta “bonificadas”. Eles realmente entendem o que é CDI, e o aprovam como indexador de seu crédito, pois é o mesmo índice que está corrigindo suas aplicações. Isto facilita a estes “Tomadores Investidores” o raciocínio lógico quanto a segurança, custo de oportunidade e outros ganhos. O bom valor que estes clientes mantêm aplicado, é seu colchão de segurança, seja para uma eventualidade ou para aproveitar “galinhas mortas”, onde conseguem fazer muito mais riqueza que ganhando 1% a.m. ou pagando juros “subsidiados”. Ou seja, tomam crédito barato com foco em acumular muito mais dinheiro. Este grupo pode ser necessário para singulares com excesso de liquidez. Contudo, pelo montante desta carteira, pode estar escondendo a real necessidade de atender eficazmente o grupo dos “Tomadores de Consumo”. A mola mestre da sua singular.

CDI no crédito – “Um tiro no pé”?

Buscando manter a “paridade” entre o custo da captação e sua aplicação é usual verificarmos a concessão de créditos de varejo massificado com juros definidos, parte pré-fixada e parte pela variação mensal do CDI. Mas, reflitamos: qual deveria ser o valor da prestação a ser analisada quanto ao comprometimento de renda? Ou qual é o risco real de perda de receita nas prestações, caso venha a concretizar uma drástica redução no CDI nos próximos dois anos? Vejamos este cenário didático. Uma prestação de R$1.000,00, que tenha uma taxa de juros definida como CDI + 1% a.m. fixo. No mês anterior o CDI era de 1,1% a.m. e passou agora a 0,8% a.m. Ou seja, os juros devidos desta parcela passam de R$ 21,00 (2,1% a.m.) para R$ 18,00 (1,8% a.m.). Assim, a cooperativa perderia R$ 3,00 em cada uma destas parcelas. Imaginemos que esta carteira tenha 1 milhão de reais. Teríamos uma perda “oculta” de R$ 3.000,00/mês, ou R$ 36.000,00/ano.

Claro. Esta prática era interessante quando havia uma alta gradual da Selic e continua atrativa aos “Tomadores Investidores”. Mas acredito que doravante pouco agregará à eficácia comercial da singular, haja vista a cultura mercadológica do crédito de varejo massificado. Não sejamos nós a ensinar a massa de como é que se toma crédito no varejo massificado, atrelado a algo confuso e desconhecido como o CDI. Longe do “feijão, arroz e ovo frito”. A taxa “pós-fixada” é algo “desconfortável” ao “Tomador de Consumo”, pois não lhe permite comparação junto às outras opções de crédito a sua disposição e por lhe obrigar a assumir algo que pode fugir de seu orçamento. Temos que considerar ainda que nosso quadro funcional será “obrigado” a explicar-lhes o que é o CDI, passando a ideia de ser algo seguro e estável, o que não o é.

Vale ressaltar que ao atrelar o crédito ao CDI, a singular busca primordialmente resguardar seu interesse, pois realmente é uma variável que pode inclusive vir a encarecer mês a mês a prestação de qualquer um de seus clientes. Lembremo-nos do estresse que foi o leasing de veículos atrelados a variação cambial, quando as prestações quadriplicaram de valor em menos de um ano.

Reforço que o mercado é soberano e pouco se importa com o que acham os gestores da singular. Em especial aqueles que pensam como investidores ou “Tomadores Investidores”. Suas mentes foram forjadas até 1992, quando ainda havia a ciranda financeira e o investidor era rei. Já o tomador – um vulto desregrado – um ser de segunda linha. Novos tempos. São estes “desregrados” que irão perpetuar nossa singular. Muitos de nossos executivos pensam como investidores puros. Para eles, uma taxa de juros não atrelada ao CDI ou pré-fixada um décimo percentual acima do que recebem usualmente na aplicação, já é uma aberração. Uma afronta a lei da usura. Eles realmente não são métricas para a definição de taxas de juros para o varejo massificado. Devem urgentemente trocar seus processadores e se apaixonarem pelos “Tomadores de Consumo”.

Conclusão

Sim, é importante casar as variáveis da captação com o crédito concedido, mas quanto mais avançamos para o mercado de crédito de varejo massificado, mais difícil fica ajustar esta equação sem perda de competitividade junto aos “Tomadores de Consumo”. Então, não sejamos nós a redefinir o varejo brasileiro. Passemos a precificar melhor este risco, cobrando-o de forma dissimulada em nossas taxas pré-fixadas. Se decidirmos manter algumas taxas atreladas ao CDI, que as façamos de forma mais “sexy” possível e para clientes que realmente tenham real aderência a nossa singular e não a “taxeiros” e/ou “oportunistas” de plantão.

Por fim, reforço: a taxa de juros é um mero detalhe e deve ser vendida como algo competitivo e não a mais baixa do mercado. Será temeroso continuarmos a tirar pedido de crédito somente diante de uma demanda real e abertamente explicitada de nosso cliente. Devemos passar a vender-lhes pró-ativamente crédito como uma ótima solução. Só assim, agregaremos ótimos valores a todos.

Fica em sua mente o fim do romance do martelo e o prego. Vamos fazer ótimos negócios. Cabe aos executivos entregar ainda mais resultados consistentes, atrelados a uma política de altíssima aderência, longevidade e ótima rentabilidade líquida. O resto se ajeita no caminho.

Que 2009 nos una no fortalecimento do cooperativismo de crédito.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 27/12/2008