Capital e Empréstimo – Recall de Clientes Consignados

Há algumas variações no Cooperativo de Crédito que outrora foram pujantes, impulsionadas principalmente pelo crédito escasso, caro e burocrático a pessoa física junto aos bancos. Foram criadas focando unicamente a concessão de crédito pessoal a uma classe de profissionais, com desconto consignado (folha de pagamento). Elas obtêm recursos junto aos poucos funcionários investidores, ao “patrocinador/patrão”, ou no mercado. Doravante as denominaremos “CCconsig”.

Sabemos que há algumas belas CCconsig. Mas, ao reanalisarmos detalhadamente dezenas delas, percebemos que um crescente número já sinalizam dificuldades, mesmo para manter sua posição. Percebemos também que há pontos de possíveis rupturas que precisam ser tecnicamente estudados. O cenário original mudou muito, o que sugere ser razoável repensar este modelo de negócio. O que, um dia, era um belo diferencial, pode sim, já ser um problema. Assim sendo, este artigo compartilha algumas das especificidades deste tema.

Obs: pretendia desenvolver este artigo em meados de 2009. Antecipei-o em função do Decreto 6.574, de 09/2009, que dá as Cooperativas de Crédito a “conquista” de atuar no consignado de servidores públicos. Tenho dúvidas quanto à utilidade desta “conquista”! Mas… voltemos ao foco do texto:

1º) Crescimento da Base

Sabemos que a base de associados e seu potencial de crescimento são fortes balizadores do sucesso de um empreendimento. Contudo, pela pujança do mercado, concorrência, automação, ganho de escala, terceirização, fusões, crises, demissões etc., a base de atuais e potenciais associados destas CCconsig tende gradualmente a se enfraquecer, podendo chegar a um patamar que dificilmente sustentará o negócio. Para termos a real complexidade deste cenário, basta verificarmos a queda dos percentuais anuais de usuários da solução de crédito ofertada por muitas das CCconsig.

Mas cabe aqui uma reflexão oportuna sobre crescimento de base. Há uma tendência das CCconsig, diante a identificação deste cenário pouco saudável, pensarem em abrir seu estatuto para outras classes de trabalhadores, mesmo que sem “afinidade”. Percebemos pífios resultados. Os motivos:

2º) Captação decrescente, caro e raro

Há uma tendência de estas CCconsig terem dificuldade em obter recursos para fazer frente a sua atual demanda por crédito. Esta captação, usualmente está concentrada em poucos investidores, que pedem cada vez maiores remunerações, seja em função do risco que percebem ou pelas ofertas tentadoras dos concorrentes. Vale observar que muitas destas CCconsig não conseguem apresentar “rating”/“certificação” independente ou mesmo garantias para buscar recursos junto a bancos ou coirmãs. Assim, captam ruidosamente caro. Ou se não captam, não atendem satisfatoriamente sua demanda de crédito, obrigando-se a criar políticas seletivas de concessão, não pelo risco, mais sim pela falta de recursos. Assim, seus associados são “forçados” a buscar soluções nos concorrentes.

O princípio básico e saudável de qualquer instituição financeira massificada é que a caixa de água esteja sempre cheia por captações pulverizadas, longas e baratas, e que a sua vazão seja através de créditos de pequena e média monta, bem precificados, curtos, ágeis, de baixo custo administrativo, e diferenciados para aqueles tomadores tradicionais e de risco conhecido.

3º) A garantia quase “segura”

Há três décadas já vivenciava a predileção do banco em dar crédito aos funcionários das empresas para os quais fazia os créditos da folha de pagamento – debitando a empresa. Os débitos mensais dos créditos concedidos eram feitos manualmente em C/C na 1ª hora da manhã do dia do depósito do salário. Ou seja, independente da nomenclatura e da tecnologia empregada – “consignava-se”. Resumindo: sempre foi vantagem para a instituição ter parcerias com a fonte pagadora de salários.

Contudo isto não é garantia de que não há risco, em especial para aquelas CCconsig que só fazem crédito consignado para uma única empresa/entidade pública. Já vimos recentemente estados, prefeituras e empresas atrasarem ou “falirem”. Assim não depositando o pagamento de seus funcionários. Acarretando inadimplência de 100% da base. SIM. Isto é um risco real.

Obs: algumas Cooperativas de Crédito, que atuam com conta corrente, se aproximam das CCconsig quanto ao risco, pois aguardam mensalmente os repasses vindos de uma Cooperativa de Serviços de classe, relativos as “produções” de seus associados, para liquidar ou balizar futuros créditos.

4º) Mais subsídios para reflexões

4.1) Não há fidelidade da base de tomadores de consignados a sua CCconsig, haja vista a enorme facilidade de outras ofertas, em especial pelo leilão explícito de taxas e prazos feito pelas empresas que ofertam acintosamente consignados. Lembrando que já há governos de “estados” obrigando estas instituições a cadastrarem diariamente suas taxas no site oficial. E somente neste canal, será permitido aos funcionários obterem consignado optando pela instituição que cadastrou a menor taxa (ou as três menores). Qual será o impacto na CCconsig se não tiver taxa para competir nos próximos dois meses? Para agravar: Os concorrentes não pedem para aderir/integralizar capital social.

4.2) Muitas destas CCconsig trabalham dentro da sede do empregador e recebem “benefícios” diretos e indiretos que mascaram sua eficácia administrativa e comercial, como o não pagamento de aluguel, luz, água, internet etc., ou por desfrutarem de funcionários, malotes e carros “cedidos”.

4.3) Observa-se neste modelo de CCconsig uma enorme dependência política, através de padrinhos e patrocinadores. Se estes perdem o poder, seja por aposentadoria, demissão, incorporação etc., a instituição ressente e pode vir a sucumbir, pois não tem músculos mercadológicos para competir.

Obs: já presenciei que, a simples mudança da diretoria de RH de uma “entidade patronal”, colocou em xeque a perpetuação de uma CCconsig .

4.4) Empresas privadas podem vir criar sua própria CCconsig, e divulgá-la como uma relevante parte de sua política de RH. Mas o objetivo real pode ter sido a criação de um rentável porto para suas aplicações financeiras (ou dos dirigentes), ou mesmo uma opção barata e “ágil” de crédito.

4.5) Se nada for feito, há uma tendência de observarmos uma queda na demanda de funcionários da “empresa”, por crédito, via CCconsig. Acarretando uma carteira cada vez mais “inchada” e “bichada” com associados inadimplentes ou excessivamente tomados no mercado.

4.6) Nas épocas de Selic alta, o ganho líquido obtido pelo spread era relevante, e isto favorecia resultados “eficazes” as CCconsig. Mas se a Selic voltar a patamares de 10% a.a. ou menor, as sobras ficaram hiper comprometidas, pois o modelo CCconsig não tem flexibilidades para obter receitas em outras fontes. Cenário agravado pela inevitável elevação dos custos administrativos.

4.7) O conceito de integralização “ explicita ” de capital social em uma CCconsig deve ser revisto, pois tende a estar “desalinhado” e já não aceito facilmente pelos associados. Hoje, vendê-lo como uma “poupança” ou mesmo “lastro” para quem só quer tomar crédito, é algo incongruente.

4.8) Em uma CCconsig há uma desnecessária exposição da realidade financeira do associado, diante de seus colegas de trabalho, lotados na CCconsig, Algo inexistente nas infinitas “boas ofertas” online dos concorrentes.

Relembrando: a discrição é um excelente diferencial no crédito.

4.9) Mesmo tendo CCconsig, a “empresa”, diante de uma crise ou necessidade de redução de custos, poderá optar pela “venda/permuta” da carteira de funcionários para um banco. Este irá realmente ser agressivo em taxas, prazos e outras regalias, ao ponto de, até transparecer que “perde” dinheiro. Qual é a chance disto acontecer? Qual o poder de uma CCconsig neste cenário?

Conclusão: é o fim da reserva de mercado das Cooperativas de Crédito focadas só em consignados. Bem como é alto o risco mercadológico de se ter como único diferencial – taxa baixa, ainda mais se “engessada” em um público dito “cativo” – mas nada fiel.

A necessidade real de seu associado é concentrar todas as suas transações em uma única e competente instituição. Assim, perpetuará a CCconsig que mudar rapidamente seu modelo de negócio, para ofertar, com eficácia, soluções iguais ou melhores que as encontradas em um banco de varejo massificado. Esta é a única proposta aprovada como solução eficaz pelos bons clientes.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 04/11/2008