Bradesco – Seria a Casas Bahia dos bancos?

No início da década de 1980, estudávamos na faculdade as incursões do Sr. Samuel Klein e Sílvio Santos, como casos de sucesso comercial frente a nosso complexo mercado. Com garra, astúcia e uma proposta simples, eles avançaram e construíram grandes empresas que ainda hoje se portam de forma competitiva, mesmo que assumindo novos arranjos empresariais. E, junto a eles, se viu crescer o Bradesco, que é sem dúvida o banco que melhor entende e atende a enorme parcela do povo brasileiro rotulada de classe média remediada, aqui incluindo os milhões de empreendedores e empresários que dela derivam.

Em 1997, quando da primeira edição de meu livro Repensando Banco de Varejo, já analisava com atenção o posicionamento dos inúmeros bancos de varejo da época, e sempre me surpreendia com a astúcia comercial adotada por esse competitivo banco. Desde então, percebo que ele sempre “bebe água limpa” ao avançar como pioneiro por regiões onde se gera um aglomerado populacional, que, além de infraestrutura, precisa de um agente financeiro para apoiar seu desenvolvimento. Em contrapartida, o banco reivindica a obtenção de recursos diluídos e baratos, além de receitas relevantes com tarifas e serviços agregados. Portanto, ele tem o mérito de lucrar muito ao se envolver e atender a essa grande massa de clientes, que gradualmente incluirá clientes de sucesso que tendem a se manter “fiéis” a seu primeiro banco e parceiro de décadas, incluindo aqui as empresas de bem-sucedidos empresários oriundos desse universo e os pequenos empreendedores que optam pelo sistema de tributação simplificado MEI – Micro Empreendedor Individual.

Assim, reconhecendo a enorme qualidade desse banco, compartilho algumas nuances estratégicas que acredito que podem passar despercebidas por muitos de nós que acreditamos saber jogar esse complexo “jogo de fazer banco” para uma classe da sociedade tão numerosa e distinta.

Foco no que é desejado: Ao navegarmos no internet banking vemos que tudo é facilmente entendido naquilo que é elementar para a decisão de seus clientes. Ou seja, esse público naturalmente tem um fluxo financeiro sempre justo pelas demandas modernas da vida em sociedade, e, para tanto, suas decisões de compra de bens e serviços, incluindo os bancos, estão muito mais atreladas ao valor da parcela que irão pagar do que à própria taxa de juros ou ao fato de haver ou não seguro prestamista ou outra tarifa qualquer.

E quanto ao investimento, essa população demonstra sua simplicidade ao querer guardar suas reservas apenas em investimentos seguros, mesmo que minimamente rentáveis, do que efetivamente investir. Ressaltamos que nesse banco há a opção de aplicação do saldo positivo da conta em um fundo de resgate automático para cobertura de movimentações da conta, o qual remunera bruto irrisórios 5% do DI. Essa estratégia, além de ser um “agrado” a esses clientes, por acharem que não ganhariam nada se esse dinheiro ficasse parado na conta, certamente ajuda a instituição a reduzir os custos com o compulsório e barateia seu funding geral.

Empacotando a obviedade no crédito massificado: Esse banco, de forma sábia, define que seus clientes tenham prazos longos para que possam tomar um recurso interessante em linhas pré-aprovadas, ao mesmo tempo em que podem ter seu endividamento totalmente comprometido com ele, pois, tão logo paguem poucas parcelas, esse montante fica novamente disponível ao cliente. De outro lado, é possível ver em seu site que as simulações desses limites pré-aprovados de créditos parcelados apresentam na primeira tela unicamente o valor desejado e o valor das parcelas no prazo de 1 a 48 meses, justamente para que o cliente ajuste sua realidade à prestação e seu orçamento quanto à liquidez. Nessa simulação, o valor do IOF será acrescido do valor pedido e incluído no valor a ser financiado. Algo que agrada ao cliente e muito mais ao banco.

Outra característica interessante é que nesse crédito a taxa de juros é muito elevada e praticamente a mesma para 6 ou 48 meses, algo que tecnicamente pode ser entendido como equivocado, já que o risco se agrava com o tempo. Assim, o cliente não tem uma opção de escolha lógica quanto à taxa, passando a não ponderá-la fortemente em sua decisão. Dessa forma, ele foca apenas no alongamento do prazo, o que lhe permite “respirar” frente as suas imperfeições de caixa de curto e médio prazo.

Aqui, o mais importante é observar que somos seletivos e ficamos satisfeitos quando nos deparamos com a possibilidade de facilmente escolhermos entre duas ou mais opções. Isso nos dá a falsa sensação de que fomos nós que decidimos e que ninguém nos induziu a uma compra indesejada. Algo determinante no varejo.

Veja que, por esse longo prazo, o cliente pagará pacote de serviços, seguro prestamista, aprenderá gradualmente os novos canais automatizados de atendimento e, por fim, terá pouca força para tentar trocar de banco.

Essa massa de clientes sabe que os outros bancos não são tão melhores, sabe que a portabilidade não resolve o seu problema real de recorrente desalinhamento financeiro, sabe que seria estressante aprender a usar e navegar nesse outro grande banco, etc. E se ele optar por mudar pode se deparar com um grande problema: o novo banco não o conhece tão bem assim, e muito provavelmente não manterá bons limites e prazos e dificilmente terá a mesma “capilaridade” para usar ou movimentar dinheiro em espécie ou mesmo utilizar meios de pagamentos eletrônicos. Apesar de caro e complexo, esse é um enorme e essencial diferencial para esse público e que gradualmente está sendo desdenhado pelos concorrentes.

Emoldurando níveis de informações: Outro aspecto interessante é que, usualmente, no final dos extratos de cheque especial, vê-se a taxa de juros (e o CET – Custo Efetivo Total). Já nesse banco, apesar de cobrar taxas acima de 14% a.m. dessa grande massa, esse dado não é presente no extrato básico da conta corrente. Conhecer a taxa do cheque especial em seu internet banking é um ato de pesquisa: precisa-se acessar a aba “Empréstimos”, depois, “Limite de cheque especial”, e, por fim, “Consultar condições contratuais”. Entretanto, apesar de complexo, esse banco mantém a lisura de permitir o acesso a essas informações relevantes.

Árduo foco na simplicidade? A simplicidade e astúcia comercial desse banco é sutil, mas muito efetiva. Ao sairmos de seu internet banking somos automaticamente direcionados a uma de suas inúmeras empresas massificadas – www.shopfacil.com.br – na qual vende tudo aquilo que é sonho de consumo dessa classe média remediada que ele tão bem entende e financia.

Reflexões Finais: Nota-se que os movimentos comerciais desse grande banco focam na simplicidade e utilidade. E isso é percebido nos nomes e na comunicação de suas soluções, na forma de agregar sonhos/sorteios sempre que possível, na simpatia e no plano longínquo de carreira de seus profissionais, na localização de suas agências pioneiras e daquelas já sedimentadas, na rapidez que acompanha a tecnologia e disponibiliza formas automatizadas, seguras, baratas e amigáveis de atendimento, entre tantas outras coisas.

Poderia aqui exemplificar outras inúmeras ações que estudo desse conceituado banco que se esforça como poucos para entender e atender de forma simples essa enorme massa da população que precisa de parceiros simples e óbvios para crescer. Vê-se que ele adere a modismos e academicismos se esses efetivamente agregarem valor a sua vencedora proposta de simplicidade.

Na sua intensa luta diária, essa enorme massa de clientes sabe que tem pouquíssimas boas soluções bancárias a sua disposição no mercado e que, apesar de caro, esse banco a atende. Portanto, é um parceiro leal.

A nós, cooperativistas de crédito, fica a lição de aprender com esse grande líder como se constrói a longevidade nesse competitivo mercado.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 22/05/2018