As imperfeições jurídicas das taxas de juros atreladas ao DI

A visão de futuro não nos é clara, apesar de tentarmos adivinhá-la com base em inferências técnicas ou em cenários passados. E é essa incerteza que fez com que, diante de um passado de mercado pujante, comprador e líquido, muitas Singulares optassem por atrelar indexadores em suas taxas de juros de créditos mais longos, estas passando a ser taxas pós-fixadas, onde uma parte dos juros é fixo e outra indexada ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário).

Assim sendo, a adoção de juros pós-fixados nos créditos de média e longa duração visa suavizar o impacto da oscilação futura do custo médio do dinheiro emprestado (funding), que, em conceito, tem como base o CDI, o qual segue a SELIC.

A utilidade da adoção de taxa pós-fixada nos créditos mais longos fica clara quando vivenciamos o atual cenário de oscilação da SELIC, com destaque a sua abrupta queda de 30% em menos de seis meses. Isso faz com que as parcelas e o saldo devedor de nossos clientes caiam quando da queda do DI/SELIC e venham a subir quando esse índice subir, deixando nosso ganho real restrito a taxa de juros fixos, caso não consigamos reduzir nosso custo de captação atrelado ao DI/SELIC.

Apesar dessa enorme coerência econômica e financeira, o uso do DI como parte flexível dos juros em taxa pós-fixada passa por um momento de profunda reflexão quanto a sua coerência legal. Com base nisso, veremos nesse artigo de forma breve e clara algumas ponderações, sem esgotá-las ou considerar que esse artigo é nossa crença definitiva.

A interpretação legal do uso do DI em taxa pós-fixada: o uso do DI como um componente de custo de taxa de juros pós-fixada, que é somada a uma taxa de juros fixa, vem recebendo cada vez mais “críticas” de alguns agentes do judiciário que a consideram inaplicável com base na Súmula 176 do STJ. Argumentam que é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID-CETIP, pois o DI já tem em sua composição uma parte que corrige a “inflação” e outra que remunera o aplicador que detêm esse título. Assim sendo, entendem que sobre o devedor são aplicadas duas taxas de juros distintas: a fixa (pré-fixada) e a que está embutida na taxa de juros pós-fixada, relativa ao ganho real da instituição. Isso, pois, a outra parte da “taxa de juros pós-fixada” (DI) tem a função de apenas corrigir a “inflação”, não sendo, portanto, considerada como ganho da instituição financeira.

Fica a incógnita: para esse grupo do judiciário, qual seria um índice oficial que deveríamos utilizar e que fosse o mais ajustado às nossas soluções de crédito de médio e longo prazo? Seria a TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo, que é oficial e utilizada pelo BNDES e assim como as instituições financeiras tradicionais soma nos custos do crédito uma taxa de juros fixa somada a outra composta e pós-fixada? Sim, pois a TJLP carrega em seu bojo um juro “extra”, já que é calculada com base em dois parâmetros: uma meta de inflação oficial pro rata para os doze meses seguintes e um prêmio de risco, além de adotar nos créditos também uma taxa fixa pré-fixada. Como se vê, há similitude entre o uso do DI e a TJLP, a qual é considerada legal pelo judiciário. Não nos parece prudente que o judiciário nos oriente a usar como indexador a discreta TR que compõe a remuneração da Poupança, a qual também tem uma taxa fixa adicional que representa ganho de capital ao aplicador. Mas não seria de estranhar que nos orientassem a usar um índice oficial que não tenha uma composição interna de correção de “inflação” e ganhos, como é o caso do INPC, IPCA, IGPM?

Em alguns momentos, nos parece que o problema poderia ser que esses profissionais não acatariam o uso do CDI por instituições financeiras, pois isso poderia não permitir total transparência e segurança ao devedor, já que é um índice “quase próprio” dessas instituições e, portanto, não oficial.  Nesse caso, poderíamos imaginar que eventualmente essa lógica mental do judiciário pudesse aceitar a aplicação do indexador SELIC definida pelo Banco Central, como sendo a parte variável da taxa, retirando assim qualquer viés não oficial. Seria o ideal, mas acreditamos que esse argumento precisaria de uma melhor estruturação e engajamento de mais setores de nosso modelo de negócio.

Sugestão paliativa – TJLP: parece-nos claro que dificilmente teremos frente a esse grupo do judiciário acesso a algum índice não oficial que possa minimamente ter uma variação próxima do custo futuro de nosso dinheiro que emprestamos. Como sugestão paliativa, apesar de sabermos da sua descontinuidade, deveríamos ponderar o uso da TJLP no lugar do DI, evitando assim futuros desalinhamentos jurídicos. Essa opção iria requerer um grande esforço de nossos líderes e representantes políticos, pois a TJLP é fruto de uma Medida Provisória de 1994, que a definia como o custo básico principalmente dos financiamentos concedidos pelo BNDES. Portanto, aparentemente, não aberta às demais instituições financeiras.

Mas, como vimos acima, a TJLP tem uma estrutura muito próxima do DI por também trazer internamente uma taxa de juros real agregada de uma “correção monetária”, ambas somando também uma taxa de juros pré-fixada. Assim, imaginando que é possível o uso da TJLP por nós, não devemos descartar o uso a partir de 01/01/2018 da TLP (Taxa de Longo Prazo), que será a sucessora da TJLP em um movimento de cinco anos para sua total implementação. A TLP será composta pela variação do IPCA, somada a uma taxa pré-fixada, tendendo gradualmente a ser mais próxima do DI/SELIC, permitindo, assim, eliminar ou reduzir drasticamente as despesas do governo com subsídios nos créditos oficiais. Acreditamos que a TLP poderá ser indiretamente muito útil a nós, caso precisemos deixar de usar futuramente o DI.

Usar ou não taxa pós-fixada com DI? Pelo elevado número de Singulares que adotam a prática de taxa de juros pós-fixada e pelo enorme vulto de longo prazo liberado nessas carteiras, podemos considerar que é ainda baixo o volume de litígios quanto à aplicação do DI nessas taxas. Contudo, nossos líderes devem decidir por mantê-la ou não, após ponderar os riscos de se conceder crédito de médio e longo prazo sem uma moderada segurança quanto ao custo futuro desse longínquo funding, sem esquecer de levar em conta nessa decisão os eventuais futuros impactos jurídicos frente a necessidade de sermos exemplos frente aos princípios que norteiam a ética e a governança.

Reflexões Finais: para evitar descompassos legais poderíamos mudar o DI para TJLP, elevando suavemente nossas taxas fixas, ou mesmo adotar doravante a taxa pós-fixada em DI apenas em créditos de médio e longo prazo de ótimos clientes, reduzindo, assim, esse volume e mitigando eventuais percalços, ou ainda usar apenas a taxa pré-fixada, atrelando a ela esse risco quanto ao futuro.

É um enorme risco conceder créditos de médio e longo prazo sem ter uma segurança quanto à composição futura do custo desse funding. E esse risco talvez seja muito maior que a manutenção do uso da taxa pós-fixada com DI.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 14/09/2017