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Agência Física – Quem está certo: Itaú, Bradesco ou as Singulares?

Um pouco de história sempre ajuda a avaliar o presente e prever o futuro. Em 1912, Robert Bosch inventa a injeção eletrônica e ela só entra em série em 1957 na linha do Chevrolet Corvette. Vejamos que, mesmo permitindo mais potência e economia, demorou décadas para que o processo econômico e a credibilidade fossem ajustados para uma linha de produção de carros em série. Contextualizo comentando que meus carros sempre foram cuidados por um mecânico particular que comentava nos idos de 1989 que a injeção eletrônica que vinha no inovador Gol GTI não iria vingar, pois precisava de um computador para analisá-la, algo raríssimo na época e algo muito diferente dos carburadores com os quais ele se criou, manuseava e dominava. Passou uma década para que mudasse sua posição, não sem antes amargar perdas mercadológicas. Hoje, sua oficina é um grande parque de tecnologia, acompanhando as novidades embarcadas nos novos carros, mesmo assim preservou o zelo no atendimento personalizado a seus clientes, o que o manteve no mercado.

Seguindo naturalmente essas mesmas ondas de inovações, vivenciamos as melhorias na tecnologia à disposição dos clientes de bancos de varejo, as quais, gradualmente vêm colocando em xeque alguns princípios que este mercado financeiro usou para crescer até recentemente. Nesse contexto destacamos a utilidade e necessidade das agências físicas e da relevância do gerente comercial para alavancar negócios. Ocorre que neste macro cenário, o Cooperativismo de Crédito é um ator relativamente novo, e que indiscutivelmente será envolvido por esse movimento de atualização tecnológica, mesmo que queira se rotular como um modelo de negócio diferente de banco. Para facilitar sua compreensão e juízo de valor, a seguir, traçaremos algumas inferências sobre o tema.

Inferências sobre o Itaú

Recentemente a mídia noticiou que o Itaú tem como estratégia encerrar 50% de suas agências em 10 anos, sendo 15% delas já serão encerradas no próximo triênio. Seu presidente Roberto Setúbal alegou a seus investidores que não foi agressivo na disputa pelo HSBC porque “acredita muito mais na agência digital do que na agência do tijolo físico”, bem como que:

a) Há três anos os resultados nas suas plataformas tecnológicas de varejo geravam 8% dos resultados, e hoje já contabilizam mais de 36%, sendo que neste período os gerentes comerciais reduziram sua relevância no resultado de 83% para 46%.

b) O principal pilar da sua estratégia digital é abrir agências digitais, que em conceito, ampliam o passivo “internet banking‟ agregando a ele um potencial relacionamento por canais digitais com um gerente distante e desconhecido e sua equipe de apoio, atendendo das 7h às 24h.

c) Os caixas automáticos perderam mais de 50% das operações em sete anos etc.

Acompanho o Itaú desde a década de 1970 quando iniciei minha carreira bancária e percebo que seus clientes são realmente cativos, curtem o relacionamento e apreendem gradualmente a tecnologia como mais um canal que lhe pode ser vantajoso. Tanto que é difícil encontrarmos seus clientes saudáveis desejando encerrar sua conta e saindo à procura de um novo banco. Observo que o Itaú adota sutilmente há décadas uma estratégia de respeito, constância e cuidado no relacionamento com seus bons clientes, presenteando os maus à concorrência. Acredito que atualmente seus melhores clientes “Pessoa Física” e “Empresa” entraram nesta parceria há mais de uma década, quando a tecnologia não era o canal decisivo e era relevante a figura do gerente de relacionamento. Assim, os clientes saudáveis naturalmente crescem e avistam gradualmente na tecnologia um novo canal ao qual, se desejarem, aderem a fim de obter ganhos de tempo ou recursos. Vejo o Itaú como uma zelosa galinha choca que protege com maestria sua boa clientela, esta quase totalmente edificada em cidades cosmopolitas, onde a tecnologia é coerentemente endeusada pelos bancos, pois reduz custos e auxilia na falta de tempo de seus clientes.

Mas não esqueçamos que sua gestão possui intrinsecamente foco em redução de custos operacionais e financeiros, já que o mercado rege o preço da venda. Algo tão certo como foram as suas rápidas incorporações de inúmeros bancos estatais, como a que pude acompanhar em 2000, quando ele comprou o Banco do Estado do Paraná – Banestado. O Itaú é um banco de varejo preferencialmente “distinto” e “cosmopolita”.

Inferências sobre o Bradesco

Um banco de varejo massificado que entende a população batalhadora/empreendedora da nossa sociedade, junto da qual, respeitando a sua origem muitas vezes humilde, constrói parcerias que no tempo passam a ser fortes edificações que só serão vistas, avaliadas e valorizadas por estes dois lados. Este discreto modus operandi não permite que o restante do mercado compreenda a segurança e a sutileza dessa parceria que o Bradesco constrói lentamente com seus bons clientes.

Com prudência fecham agências menores ou deficitárias, tanto que nos últimos cinco anos o número de agências está estável em 4.600. Contudo, o Bradesco abre novas agências em bairros que se emanciparam do velho centro das médias e grandes cidades. São agências vistosas para a localidade, posicionadas em lugares de fácil acesso e de boa visibilidade, e que têm custos operacionais reduzidos frente ao potencial comercial. Chegam primeiro e “bebem água limpa”. Essas agências “pioneiras” atendem muito bem aos empreendedores locais e são munidas de uma bateria mínima de caixas humanos e automáticos para atender a todos os clientes do banco e aos usuários de bancos parceiros, já que nestas regiões em desenvolvimento há muita economia informal e pequenos comércios, onde o dinheiro em espécie ainda circula em demasia.

O Bradesco realmente sabe jogar nosso jogo de varejo massificado. Prova disso é a forma como ele agiu quando teve o Banco Postal à sua disposição, em uma economia relativamente pujante (2001 a 2011) quanto, permitindo à “bancarização” de uma parte da população residual ainda rentável aos bancos de varejo massificado. Por anos encaminhou milhões de pessoas ainda sem conta corrente para a abertura de conta nas agências dos Correios, as quais serviram como seu despachante de documentos. Essa massa de clientes usa naturalmente o Bradesco, com destaque para seus canais automatizados, como se fosse originalmente cliente de uma agência física.

Sua estratégia ao comprar o HSBC deve ter sido justificada por acreditar ser ainda vantajoso obter, por incorporação, um grande lote de clientes ditos “qualificados” numa das últimas boas chances de adquirir por incorporação, além de se posicionar como o maior banco brasileiro privado. Acredito que um dos seus critérios de análise foi a constatação de que uma grande parcela dos clientes HSBC não tinha conta no Bradesco, algo que não deve ter ocorrido com essa consulta pelo Itaú. Assim, mesmo que julguemos que os clientes saudáveis do HSBC não se identificam com o Bradesco, eles irão se ajustando ao novo banco por não terem opção direta ou por saberem do enorme estresse que é mudar de banco. Lembrando que os bancos Bradesco e HSBC usualmente competem em um mesmo cenário, e o comprador – Bradesco, com foco na nova base de clientes, deve buscar rapidamente uma rentabilidade que justifique aos seus investidores este investimento de cinco bilhões de reais. Devemos observar, por praxe, seguindo a lógica de quem compra manda, que, muito provavelmente as agências que estiverem próximas serão fusionadas e os processos internos e os tecnológicos deverão ser direcionados para os ambientes já existentes do Bradesco.

Inferências sobre Bancos Públicos e os poucos outros bancos de varejo massificados

Não restam dúvidas de que são bancos sólidos, mas por não ser estável o comportamento de sua liderança em função de aspectos políticos, trocas constantes de líderes e de focos comerciais, bônus não coerentes com a longevidade etc. tendem a ter sobressaltos, agredindo a lógica internalizada pela “Santa Constância” que, como sabem, considero a padroeira do nosso modelo de negócio. Portanto, entre estes bancos privados, pelos erros quanto à falta de constância comercial, terão dificuldade em ganhar um rótulo forte e saudável do mercado, ao mesmo tempo em que terão dificuldades em reter bons profissionais e clientes. Diante dos previsíveis estresses de falta de resultados, irão tentar reverter esse panorama se apegando a gestão agressiva por custos no curto prazo, agravando ainda mais seu cenário, e, assim, apenas reforçando o que é óbvio – seus interesses pessoais de curto prazo. Esses gestores que não são fiéis a “Santa Constância”, em especial os de bancos de privados, rapidamente veem no fechamento de agências com redução de pessoal uma forma rápida de reduzir custos ou reverter resultados desfavoráveis, não atacando a origem dos problemas que usualmente esta na volatilidade da estrutura de poder da sua instituição.

Inferência sobre o Cooperativismo de Crédito

A abertura de agências em nosso modelo de negócio vinha sendo feita com base na necessidade de atender a amplitude estatutária, mostrar pujança e atender a algum eventual aspecto político local. Com o agravamento do mercado, vê-se nestes últimos anos uma menor velocidade na abertura de agências e uma maior consciência de que muitas de nossas agências têm dificuldades em se apresentarem como viáveis comercialmente, mesmo após todo apoio da Singular. Contudo, temos que considerar que a ideia de fechá-la passa antes por um aspecto político e até social, seja da área que ela atende, seja até pelo próprio desemprego. Assim, uma decisão simples e prática para um banco privado pode se tornar lenta, complexa e cara para o Cooperativismo de Crédito, algo ainda mais complexo que o fechamento de uma agência de banco público.

Mas, de forma pontual, devemos ser cautelosos com aberturas de agências em escala em cidades médias e grandes, pois, além disso estar na contramão das decisões dos bancos de varejo, é mandatório auditarmos após um ou dois anos de abertura da unidade se ela efetivamente atingiu sua viabilidade projetada, para que ações efetivas sejam tomadas e ajustemos nossa experiência frente a esta ação comercial. Também orientamos verificar com mais tecnicismo e vivência se realmente há espaço para crescermos nesses médios e grandes centros, pois estamos chegando atrasados e é frágil qualquer crença pessoal, estatística ou mesmo preceitos diante de um mercado maduro, sutil e nada acadêmico. Observando também que nesses agressivos mercados o nível de astúcia dos clientes é mais complexo do que vivenciamos em nossas agências de cidades menores, e que para atuar em centros cosmopolitas muitas vezes usamos nossa experiência regional e o mesmo parâmetro de ações que aplicamos nas pequenas praças, onde aprendemos a fazer “banco”.

Importante: vemos fragilidade também na crença de que nestes cenários cosmopolitas há uma grande massa de clientes esperando para conhecer nossa proposta, e assim abrir uma conta conosco, por acreditarmos que estes clientes consideram que os bancos concorrentes na praça não os atendem de forma eficaz. Na média, veremos clientes saudáveis e rentáveis nos procurando, mas temo que uma parte seja composta de “espertos” e “oportunistas”, em especial clientes empresariais, que podem nos deixar sérias sequelas, ainda mais se for imposto a estas novas agências forte pressão de metas e crescentes números brutos. Sugiro a releitura do artigo de 08/2013 “Singulares e a nossa baixa eficácia nos centros urbanos?”.

Percebamos que somos parecidos como os bancos de varejo. Com a pequena diferença de que eles estão gradativamente saindo do formato tradicional de agências e nós, em muitos casos, estamos acreditando neste modelo, em especial nos centros maiores. Lembremos que nossa experiência é exitosa em pequenos centros onde o tempo e a cultura de atendimento ainda se alinham ao modelo tradicional de agência, mas a maturação da tecnologia, como portabilidade de salários, compartilhamento dos caixas automáticos, compensações mais eficazes de títulos, novas formas de pagamento etc. pode, em breve, fazer com que os grandes bancos não precisem mais de agências em pequenas cidades para assediar e atender com maestria nossos atuais clientes.

Há algo para aprendermos com esse movimento e não temos muito tempo para internalizá-lo eficazmente. Aconselho prudência às Singulares que originalmente atendem as pequenas cidades, ou uma ou outra cidade média onde possa ter sido constituída ou está em sua área de ação, para que primeiro busquem serem realmente eficazes nessas praças de origem. Para tanto, devem esquecer a análise traiçoeira de evolução de números ano após ano, que neste momento pouco pode balizar a análise frente as riquezas das cidades onde atua. Acredito que só esse inequívoco projeto de buscar se eficaz no óbvio comercial na área de origem já seria um desafio para mais de cinco anos, e assim, não teria estrutura e recursos para avançar sobre mercados mais maduros e maiores. Além do que, essa ação agressiva em grandes praças tende a deixar menos protegidas as carteiras de clientes e as praças conquistadas lentamente durante anos a fio.

Até concordamos que precisamos estar em médios e grandes centros para nossa marca ser reconhecida, mas não podemos fazê-lo com esforços não concentrados de várias Singulares de diversas bandeiras e tecnologias, muitas delas focando seus segmentos ou nichos de origem ou competindo entre si, instalando agências próximas das coirmãs e não dos bancos tradicionais.

Concordamos também que muitas Singulares, especialmente as dependentes do agronegócio, apoiado pela valorização do dólar, ou de segmentos específicos mais elitizados, detêm um crescente excesso de liquidez que poderia ser aplicado em créditos massificados nos grandes centros, visando maximizar seu uso. Já a necessidade de termos caixas eletrônicos para saques em grandes centros não deveria ser uma das alegações, pois já existem redes nacionais de saque já conveniadas em muitas bandeiras do cooperativismo de crédito. Por fim, não deveria ser considerada uma alegação o fato de se ter agências para pagamento de títulos emitidos pela Singular, pois a facilidade da compensação e a remissão quando vencido um título nos sites das Singulares já são ótimas soluções. Sobre este tema pedimos extrema atenção, pois já percebemos que algumas destas nossas agências estão se tornando Centrais de Arrecadação.

Apoiamos o conceito de que nossa proposta de valor é real frente aos concorrentes em praças médias e grandes, em especial se a Singular distribuir generosos valores aos sócios, quando das Sobras, e remunerar acima da inflação seu Capital Social. Mas temos dúvidas se estaria correta a estratégia de avançarmos somente agora sobre este maduro mercado através da inauguração de várias agências com a mesma estrutura e proposta comercial que já era a usada há mais de uma década. Será que essa estratégia comercial teria como hipótese a crença de que nesse competitivo mercado conseguiríamos os mais saudáveis e antigos clientes dos bancos concorrentes, já que estes se sentem esquecidos ou obrigados a usar a tecnologia pelos bancos em que mantinham contas há décadas? Sejamos cautelosos em inaugurar agências em médios e grandes centros, pois para nós, cooperativistas de crédito, a decisão por fechar uma agência em qualquer mercado é muito mais impactante, inclusive nos aspectos políticos, do que se fosse um banco público ou privado.

Tecnologia pela tecnologia

Devemos estar abertos para a tecnologia, mas sem nunca esquecer que uma grande parte de nossos saudáveis clientes ainda está de namoro com ela, e esperam consumir nossos serviços por enquanto no modelo tradicional de agência. Sugiro que saibamos observar este lento movimento em cada um de nossos micromercados, sem estressar nossos bons clientes, em especial aqueles residentes nas pequenas cidades onde sua Singular atua. Lembrando que eles são inteligentes, mas simples como é a cultura da cidade onde vivem. Portanto, talvez muito diferentes dos clientes de grandes e médias cidades ou do nível tecnológico que vivem muitos de nossos líderes já imersos no mundo da computação. Há uma enormidade de nossos bons clientes que têm tempo para ir à agência e que acreditam nas pessoas que com eles negociam nas agências e nos líderes da sua Singular. Algo nada comum em centros médios ou grandes.

Defendemos a nossa opção pelo uso da tecnologia de ponta para nossos controles, mas com ressalvas a “forçar” seu uso a todos os nossos bons clientes, pois deveríamos disponibilizá-la a aqueles que assim a desejarem. Digo isso, apesar de reconhecer que há mais de duas décadas a tecnologia permite gradualmente a um “banco” edificar o rótulo de confiável e de fornecedor de bons serviços. Resumidamente, quem determina a velocidade da mudança tecnológica à disposição dos consumidores são nossos melhores clientes e bons potenciais disponíveis em cada um de nossos micromercados, e não o nível do estado da técnica do mais atualizado dos bancos concorrentes, que habitualmente é usado e vira parâmetro de utilidade por alguns de nossos líderes mais tecnológicos.

Lembremos que cada vez mais os bancos de varejo líderes “esquecem” de concorrer em nossos micromercados. Isso ocorre, muito provavelmente, por dois motivos: ou por custo e escala ou porque seus executivos tendem a decidir como se a totalidade de seus clientes vivessem em médios e grandes centros, e tivessem a afinidade que eles têm com a tecnologia e o mesmo conhecimento de banco. Sem o resgate da obviedade comercial de nosso modelo de negócio, não teremos futuro e muito menos dinheiro para investir em tecnologia, que ainda será por um bom tempo mais uma trilha e não um trilho.

Reflexões Finais: devemos ser seletivos ao perseguir nos próximos anos as ações que busquem manter apenas nossas agências comercialmente efetivas, salvo as eminentemente políticas. Desta feita, devemos estar preparados, inclusive politicamente, para o fechamento de agências que potencialmente seriam eficazes, mas não apresentaram o resultado esperado em um determinado período, mesmo contando com a ajuda intensa da Matriz. Algo complexo e quase inimaginável por muitos de nossos líderes, ainda mais se a agência tiver sido inaugurada há pouco tempo.

Pelo exposto neste artigo, mantemos nossas ressalvas em avançar em médios e grandes centros através da abertura de novas agências, salvo se for politicamente indispensável ou a Singular já:

Foquemos o óbvio e não nos distraiamos com ações de maior visibilidade. Lição de casa nunca foi algo glamoroso, mas previne previsíveis intempéries futuras. É tempo de contenção de custos e manutenção dos ganhos e territórios mercadológicos. Recuar é uma ótima estratégia para reagrupar a tropa, redefinir prioridades e então, quando oportuno, atacar mais forte, melhor e mais unido.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho Consultoria e Treinamento para o Cooperativismo de Crédito – Postado em 27/01/2016