Adiantamento a depositante – Aprenda domá-lo

Existem dezenas de assuntos de extrema relevância para o Cooperativismo de Crédito, contudo, alguns deles ganham esta notoriedade provavelmente pelo não entendimento da sua real complexidade. Neste texto compartilho com você reflexões sobre um destes descompassos, que cresceu ao ponto de ganhar notoriedade e status indevido de bom serviço na grande maioria das Cooperativas de Crédito, passando a elevar seus riscos e enfraquecendo sua eficácia gerencial.

Falo do Adiantamento a Depositantes – ADP, que é a “permissão” dada ao cliente para que estoure sua conta corrente, ou exceda seu limite de cheque especial, caso o tenha. O fato gerador deste ADP pode ter varias origens, principalmente pelo pagamento de um ou mais cheques “a descoberto” na compensação ou mesmo diretamente na boca do caixa. Outros fatores também podem ocasionar ADP, como: débito de uma prestação, de um título, de seguros etc. Por esta “permissão”, o cliente pagará tarifa punitiva e uma taxa de juros elevada pelo excedente.

Interessante: o Banco Central aceita inexplicavelmente que tenhamos uma tarifa pelo ADP. Também define formalmente classificação específica para estes riscos de crédito, e monitora um índice para acompanhamento desta operação. Por outro lado, ele a desaconselha por considerá-la uma prática lesiva a boa gestão de uma instituição financeira, em razão de ser um crédito sem nenhuma prerrogativa técnica, seja na concessão, no limite e nas garantias. Diante desta constatação, aproveito para fazer um contraponto com a prática do cooperativismo de crédito, haja vista perceber que muitas singulares se esforçam em alimentar este monstrinho, deixando o cooperado se sentir no direito de usar esta prerrogativa. Por que fazemos isto? Principalmente pela crença que este “serviço” é um diferencial mercadológico e uma demonstração do bom atendimento da sua singular. Sem dúvida um erro primário e grosseiro. É um risco desnecessário socorrer o cooperado contumaz usuário de ADP, sem um balizador operacional mínimo.

Compartilhando experiências

Em minhas consultorias, este tema é frequente e exposto de forma desfocada. Rapidamente faço meus clientes da consultoria perceberem o enorme tempo e estresse gasto em cobrá-los e que este procedimento é feito em um horário nobre da agência. Alerto-os ainda que seus gerentes passam o dia acompanhando a efetivação de “tal depósito” para cobrir a conta. Tempo não se estoca. Então, passemos a gastá-lo em saudáveis ações comerciais.

O problema aqui é que esta regra – estouro de conta – não foi acordada com o cliente na abertura da conta corrente. Então por que hoje é comum o ADP em nossa singular se é uma prática excluída na concorrência? Sim. Porque não fomos eficazes quando da primeira ocorrência do ADP deste nosso cliente. Fomos complacentes e coniventes, tanto que ele já adota esta prática no seu piloto automático. Imaginemos então o seguinte cenário. Ele tem conta em 5 bancos. Adivinhe qual cheque irá emitir se não tiver saldo em nenhuma de suas contas bancárias. Isto mesmo! Usará o cheque da nossa singular para honrar seu compromisso, gerando ADP. Muito provavelmente outro banco não lhe permitiria tal prática. Isto é parceria? Ele é um potencial cliente?

Possíveis ações para correção deste cenário

Fica óbvio que somos responsáveis pela existência de ADP em nossa singular, em especial se existirem em quantidade acima do “coerente”. Portanto, nos cabe, de forma serena, orquestrada e discreta ir suavizando a quantidade de sua ocorrência. A redução dos valores envolvidos será uma consequência natural.

Atenção: será temeroso adotar ações radicais para a eliminação de nossos ADP, pois assim seus resultados serão desastrosos, seja na leitura do comércio onde atuamos pelo excesso de cheques devolvidos de nossa singular, ou pelo descontentamento dos clientes contumazes usuários de ADP. Relembremos que eles são meros frutos do meio. Somos nós que os criamos com este vício, e desde “pequeninhos”. Eles tentaram uma vez fazer ADP e nós aceitamos, consequentemente acostumaram. Por que aceitamos? Infelizmente por acreditarmos que geram “boas” receitas, percebem este atendimento diferenciado, e que serão nossos parceiros fieis. Já escutaram tal desculpa?  “Se devolvermos o cheque perderemos o cliente”.

Com base neste cenário, fica notório que precisamos estruturar um astuto plano de ação para atacar este sério problema. Abaixo sugestões detalhadas de ações que poderiam ser aplicadas em qualquer singular que deseja gerenciar eficazmente a redução consistente deste complexo tema:

1) Elevação da tarifa de ADP (por estouro de conta ou do limite, caso haja) de forma gradual nos próximos 12 meses, passado de R$ 12,00 (ex.) para R$ 28,53 (ex.). Tarifas e taxas punitivas podem realmente estarem próximas das mais altas do mercado, que não serão consideradas como tal.

Obs: tarifas e taxas devem sempre transparecer que foram realmente calculadas, e não “chutadas”. Há uma “engenharia” por trás deste assunto e a tratarei brevemente em outro artigo.

2) Elevação da taxa de juros pelo excedente, de forma que seja realmente punitiva. Se hoje pratica 8%a.m., suba-a gradualmente para 18,33% a.m.(ex) durante os próximos 12 meses, acompanhando as mais caras taxas punitivas praticadas pelos bancos atuantes em seu mercado. Assim, devemos esquecer por completo a ideia de balizá-la pela sua taxa de seu cheque especial. Caso você continue utilizando-a, verá que para os clientes contumazes de ADP, os juros pelo excedente em sua singular, ainda é mais baixo que as taxa dos juros normais do cheque especial dos bancos onde seu cliente deve também tem conta. Ou seja, sua taxa punitiva não tem esta conotação na mente do cliente.

Importante: estas taxas e tarifas só estarão elevadíssimas dentro de 12 meses, época em que raramente haverá sua cobrança nestes patamares, pois os esforços para coibir tal prática já foram implementadas e acompanhadas na sua totalidade.

3) Retirar as “receitas” advindas de taxas e tarifas de ADP do resultado da agência para um outro centro contábil centralizador, ou simplesmente passar a monitorar de forma austera a variação do saldo nesta rubrica contábil de cada agência e da singular, adotando políticas coercitivas. Assim, ficará explícita aos gestores, a severidade das ações para redução dos ADP. Também, não mais mascarará a real eficácia comercial da unidade, especialmente daquelas infladas por tarifas punitivas, e trará a tona a real composição da “rentabilidade” do cliente concentrada em taxas/tarifas punitivas.

4) Implementar gradualmente uma política interna – não formal – de que será analisado o aceite de apenas 1 (um) ADP por semestre por cliente(ex), em valor não superior a 10% do seu limite de cheque especial, e este deverá ser necessariamente coberto em um dia útil. O prazo, se ultrapassado, deverá ser formalmente justificado pelo gestor da unidade ao seu superintendente.

Obs: caso o cliente não tendo limite de cheque especial, não se permite ADP, pois seria algo insano. Se ele não fez jus ao crédito no cheque especial, por que dar-lhe um crédito com tamanho risco?

5) Analisar os limites de cheque especial alocados para clientes recorrentes no ADP, analisando caso a caso. Quando oportuno, majora-se estes limites, após ter acordado com o cliente o real motivo desta elevação, bem como alertando-o da impossibilidade futuros pagamentos acima do seu novo limite.

Obs: sendo ele, em conceito um bom cliente, um eventual ADP poderá ser acatado se o cliente informar previamente que haverá a ocorrência e o gerente formalizar o fato a superintendência.

6) Clientes recorrentes de ADP, não merecedores da majoração de limite acima citada (apenas sua manutenção), serão alertados das novas regras e seus respectivos prazos de implementações. Com destaque de que não será mais possível o ADP.

7) Clientes recorrentes em ADP e com perfil temeroso de crédito serão chamados de imediato para regularizarem a situação e se necessário repactuarem a totalidade de suas dívidas em um único processo parcelado, retirando seu limite do cheque especial, cheques físicos, e cartões de crédito, assim afastando-o da prática temerária do ADP, evitando reais prejuízos. Deve-se, antes de chamá-lo, “enquadrá-lo” uma linha de crédito “convidativa” e “descomplicada” específica para este tipo de situação, permitindo que estes clientes percebam vantagens e parceria na proposta.

8) Eliminar ou mesmo reduzir drasticamente a importância destes indicadores que medem o valor tolerado de ADP de uma singular. Pelo exposto no texto, alerto que estes indicadores passam a ser frágeis ferramentas de gestão. Lembro ainda, que estes indicadores usam o depósito a vista para o cálculo de índice máximo de ADP, e sabemos que o depósito a vista é dinâmico e atípico, podendo encobrir o real risco de uma unidade.

Cuidado: os focos destes indicadores são em valores totais e não na quantidade de ocorrência de ADP geral da unidade e por cliente, demonstrando pouca utilidade para a gestão do ADP.

9) Havendo rateio das sobras baseada em taxas de juros e tarifas pagas, os valores pagos como punitivos, não devem ser computados ao associado recorrente do ADP. Se hoje os consideramos, estamos premiando duplamente o erro, pois o beneficiamos sobremaneira nas sobras devolvendo parte das tarifas e taxas pagas com efeito punitivo.

Carta de suporte para o fim do ADP

Para apoiar as ações acima, deve-se confeccionar uma carta timbrada da singular e que tenha como destaque no campo “assunto”: o nome e a C/C do cliente recorrente de ADP. Esta carta será endereçada ao gestor da agência, e será bem guardada em sua gaveta. Esta ação requer discrição e autoridade. Assim, este gerente convidará cada um destes clientes recorrentes de ADP, a irem a agência em horário combinado (e tranquilo) tratar de assunto de seu interesse.

Atenção: deve-se evitar tratar ou adiantar o assunto na “praia” do cliente, pois perde-se autoridade. Por telefone, apenas será feito o convite para que venha a agência. Já com o cliente na mesa, o gerente mostrará a carta de forma discreta, conduzindo a conversa, com tom de parceria, de modo a transparecer que realmente está empenhado em dar uma ótima e definitiva solução ao cliente. Também, reforçará que está ação foi determinada pela superintendência, e que estará impossibilitado de autorizar novos ADP. De forma indireta, declarará ao cliente que esta situação chegou a um ponto crítico.

Esta carta terá quatro parágrafos. O primeiro pede ao gerente que entre em contato com o cliente “problema” e pessoalmente oriente-o das novas medidas disciplinadoras, e que explique a ele o teor dos 3 parágrafos destacados na redação. Esta ação terá alto impacto e veracidade, pois mostrar-se-á a carta ao cliente com seu nome em destaque.

Os outros três parágrafos rezam que: o BACEN considera desaconselhável a manutenção do cliente em ADP, por desqualificar a carteira de crédito da singular. Outro parágrafo dirá que o estatuto da singular não permite tal prática. E por fim, um parágrafo mencionando que o contrato de trabalho dos colaboradores considera falta grave a conivência com a manutenção de práticas lesivas de “concessão de crédito”.

Alguns outros aspectos operacionais desta carta:

Obs: se desejarem um modelo desta carta, ou que analise o modelo que vierem a criar, basta solicitar via e-mail.

ADP & Comitê de Crédito

Qual é a eficácia do comitê de crédito frente ao ADP. Vejamos este exemplo: Após aprovado pelo comitê de crédito, dá-se um limite de Cheque Especial de R$ 1.000,00 para um determinado cliente. E um dia qualquer ele estoura o limite em R$ 400,00 (ex), pelo pagamento de um cheque, gerando ADP.

Pergunta-se: houve alguma análise do risco deste crédito excedente por parte do comitê de crédito? Quais garantias foram dadas para esta operação? Houve alguma gestão da captação ou de funding suportando esta demanda? Alguém bancou sozinho este “crédito”? Qual a utilidade do comitê, se diante de um risco eminente ele não opinou? Percebamos: realmente a prática indiscriminada de ADP coloca em cheque mais uma vez a eficácia do tradicional comitê de crédito.

Outros aspectos relevantes da geração de ADP

Há dezenas de justificativas do cliente para o seu “estouro”, mas há algumas que são mais nefastas por ocorrerem em ciclos mensais, e contam com a total conivência dos executivos/gestores da singular. São os ADP criados todos os meses, alguns dias antes do nosso cliente receber através de crédito em conta: salário, comissão, repasses ou mesmo sua produção (renda) de cooperativas de profissionais liberais. Esqueçamos o passado. Devemos doravante ter em mente que é do cliente, e somente dele, o monitoramento sensato da sua C/C, bem como a gestão financeira saudável de sua vida. Nós prestamos serviços e seremos sempre parceiros e não meros secretários a disposição 30 dias no mês para avisá-lo, logo cedo, se algo está anormal ao básico da movimentação de sua C/C.

Outro aspecto é que muitas vezes alocamos limites de cheque especial de R$ 1.000,00(ex) para um cliente com potencial para R$ 5.000,00 (ex.), seja por limitações de nosso PL, pela nossa política de crédito etc. Se este cliente vier a estourar este pequeno limite, causando ADP, usualmente elevamos gradualmente seu limite, ultrapassando seu potencial. Ou seja, a majoração do limite não se deu pelo acompanhamento das reais necessidades do cliente e da realidade financeira da cooperativa. O próprio cliente causou um “disparador” e para resolver este problema de ADP, elevamos seu limite. Isto não é gestão de crédito. É de fato uma grave ingerência do cliente na política da Singular. Há algo de errado.

Também é crítico quando analisamos os prejuízos já contabilizados da singular, sem ter o histórico de cada um deles. É muito provável que haja prejuízos contabilizados como crédito parcelado inadimplente, mas que na sua origem foram ADP maus geridos, renegociados por mero ajuste processual. Assim, nunca teremos ADP como origem de prejuízos.

Há uma realidade escondida quando se analisa o ADP. São sempre os mesmos clientes, já descartados pela concorrência quanto a esta prática. De um grupo de 1.000 clientes, temos lá uns 15 “pescoços” que pagam de forma serena as taxas e tarifas punitivas, e muitas vezes, somente estes valores é que os fazem “rentáveis”. Ou seja, está comprovado que estas tarifas e taxas não os educam. Já passou a ser vício ao ponto de aceitá-las como um débito usual de sua conta. Nós é que construímos esta visão distorcida neste cliente.

Conclusão

ADP não é linha de crédito. Se vierem a admiti-lo, tenham consciência que este ação é um deslize de gestão, e, portanto deverá ser algo eventual é muito bem monitorado para que não gere prejuízos. Concomitante a esta permissão para geração do ADP, devemos enfatizá-lo ao cliente como sendo uma distinção raríssima da nossa singular pela parceria já existente. Contudo, será um erro se permitirmos o ADP na expectativa de um futuro potencial.

O tema ADP irá requer ainda mais atenção das singulares de livre-admissão, ou àquelas que desejem trabalhar com um público desconhecido.

Tenha certeza que será árduo o esforço para as mudanças aqui elencadas, contudo permitirá a liberação da sua força de venda para relacionamentos duradouros e rentáveis.

Este tema não se esgota aqui, e acredito que este conteúdo balize uma ação contundente.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 24/06/2009