O cenário da atual onda

Uma discreta banca de doces de rua vendia muito bem enquanto estava sozinha e hoje há inúmeros concorrentes a seu lado, todos lutando pelo mesmo mercado com menores rentabilidades. Guardada as devidas proporções, esta é a tendência do mercado de crédito massificado brasileiro, onde os clientes eram atendidos por poucas e arrojadas empresas financeiras e hoje há generosas ofertas de créditos surgidas dos mais diversos segmentos.

Para facilitar a compreensão deste contexto é importante entender que o mercado de crédito massificado só ganhou destaque há muito pouco tempo. Poderíamos até dizer que está debutando. Até 15 anos atrás – 1992 – vivíamos altas taxas de inflação e uma delirante ciranda financeira patrocinada pela necessidade do governo se financiar, pagando altos juros e sem risco real. Neste antigo cenário, os profissionais das carteiras de investimentos eram muito valorizados nas instituições financeiras, pois suas metas eram captar o máximo para emprestar ao governo. Por conseguinte, os clientes que tinham recursos eram tratados como os únicos realmente interessantes e rentáveis (Clientes VIP).

Isto nos remete a seguinte reflexão: por que ainda hoje muitos bancos continuam segmentando seus clientes apenas pelos volumes de investimentos e renda comprovada, desprezando os quesitos rentabilidade, vendas cruzadas, aderência e longevidade, comuns nos clientes tomadores de crédito?

Aspectos históricos podem ajudar nesta resposta. Foram décadas de destaque aos investidores e ao financiamento do governo e eram poucos os profissionais na área de crédito, que era considerada um mal necessário diante das necessidades legais de concessão de crédito. Estes profissionais tinham baixo destaque e empregabilidade, agravado pelo pequeno número de empresas financeiras que atuavam de forma massificada. Contavam, ainda, com baixa automação e compartilhamento de dados de risco.

Neste cenário desfavorável, os minguados tomadores que se aventuravam em conseguir crédito tinham a sua disposição poucas e engessadas linhas, baixos limites, muita burocracia, altas taxas, necessidade de garantias reais e/ou avais, além de passar pelo constrangimento de explicar a um ou mais funcionários o motivo desta necessidade. Tanto que ainda hoje, de forma equivocada, uma pequena parcela da sociedade e dos gestores dos bancos considera o cliente tomador como um cidadão de segunda linha. Por sorte, esta realidade está sucumbindo diante da pujança do mercado de crédito.

O surgimento da nova onda

Nestes últimos 15 anos, verificamos uma substancial melhora quanto ao cenário do crédito massificado, graças à qualificação destes profissionais, ganho de eficácia das ferramentas de “escoragem”, barateamento da tecnologia, capilaridade da rede de distribuição entre outras.

Entretanto algumas reflexões são necessárias. O cenário já sinaliza que há pouco espaço para novas concessões de crédito massificado junto às classes A e B, formais ou não, aproximando-se do seu saudável grau de saturação. Também que, em breve, algo próximo tende a ocorrer junto às classes formais C e D, haja vista que só recentemente este nicho foi explorado de forma maciça pelas financeiras, lojas de departamentos, cooperativas de créditos e bancos massificados, através de políticas mais populares e do crédito consignado. É importante ressaltar que, pelo seu enorme contingente e a rapidez com que foi explorado, há dificuldades em mensurar seu real potencial, o que posterga sua gestão de forma estruturada, madura e sustentável.

Estas reflexões destacam de forma clara a última onda para o crédito massificado nacional – classe C e D informal e seu empreendedorismo, já sendo possível observamos algumas ações de razoável êxito por algumas instituições financeiras massificadas.

Pegando a nova onda

Sabemos que a campanha neste novo e último nicho será árdua, arriscada e requererá agilidade e alto grau de atenção, mas comparativamente, também é arriscado manter-se no atual mercado onde há sinais claros de saturação, excesso de concorrente e alto grau de informação por parte dos tomadores de crédito.

O potencial deste novo nicho – C e D informal estão nos milhões de clientes ainda não atendidos pelas soluções tradicionais de crédito e no fato de que estão ávidos por antecipar a melhoria das suas qualidades de vida, inclusive através do desenvolvimento do empreendedorismo informal.

Mas como atuar com eficácia junto a esta recente clientela se não existe grandes séries históricas, comprovações claras de renda e são recentes os estudos científicos que demonstram suas peculiaridades do comportamento junto ao crédito? A resposta está suportada principalmente pela evolução da qualidade destes profissionais e pelo crescimento dinâmico dos sistemas estatísticos de predileção deste novo nicho.

Este risco inicial pode ser ainda mais mitigado adotando-se maior astúcia na elaboração do cadastro, salário variável para quem concede bem o crédito, maior taxa e principalmente na criação de produtos de crédito parcelado com maleabilidades típicas da informalidade, onde eventuais atrasos ou antecipações são pré-acordados e autogeridos de forma automatizada pelos tomadores. Outras fontes para mitigar este risco passam pela estruturação da área de cobrança (proativa, respeitosa e criativa), além do aprendizado com quem já atua com sucesso neste segmento: microcrédito, financeiras populares, correspondentes bancários, crédito consignado, lojas de varejo, vendedores de porta em porta etc.

A favor da empresa financeira que decidir por este nicho há algumas vantagens. A clientela de baixa renda, em especial a informal, não têm claro entendimento se uma taxa de juros ou quantidade de prestação á alta ou baixa. Buscam avidamente uma solução financeira para um real problema de subsistência ou presentear a si ou sua família adquirindo um bem maior que sua capacidade de compra à vista. Portanto são conduzidos pela ansiedade e emoção. Se a prestação couber no orçamento mensal estimado tomará o crédito. Resumidamente, o que realmente procuram são bons e constantes parceiros que acreditem em seus sonhos de dias melhores.

Assim, é importante que as empresas financeiras desenvolvam neste público a percepção de “bancarização”, algo simples e alinhada a suas necessidades. Isto destaca a sensação de parceria da instituição com seus projetos de vida.

Estes cuidados fortalecem sobremaneira a sua autoestima, condição básica para o sucesso deste cliente. Consequentemente tende-se a tê-lo como tomador vitalício, potencializando sua rentabilidade e fidelidade. Uma consequência indireta desta parceria comercial é o crescimento sustentado da base, pois resgata a eficaz propaganda boca a boca (depoimento), poderosíssima neste nicho.

Surfando nessa onda

Por onde começar? Recordemo-nos de Maslow: “Se a única ferramenta é o martelo, tudo parece ser um prego”. Os gestores da empresa financeira devem-se despir da condição de classe média, em especial a de investidor, indo literalmente conviver (viver+com) com este novo nicho para entender o que querem, quando, como, onde e quanto está disposto a pagar.

A busca deste “com+viver” pode ser subsidiada através de pesquisa mercadológica, a qual só deve ser conduzida por quem conhece um pouco desta realidade. Só assim terá condições de definir quais hipóteses serão testadas, as formas de coletas, os critérios de análises e quais são as coerentes conclusões. Outro subsídio é através da realização de pilotos, buscando ajustes finos junto a esta clientela, observando principalmente as características das microrregionais. É importante atentar que não se verifica junto à classe de baixa renda informal, o que ocorre com as classes mais abastadas, as quais recebem facilmente informações sobre o comportamento da sua classe em outros grandes centros, o que tende a rapidamente unificar seus hábitos de consumo por marcas de âmbito nacional.

Este dinâmico assunto não se esgota aqui. Reforço que o sucesso precede da parceria entre o conhecimento acadêmico/tecnológico & astúcia/vivência neste mercado. Também que, sem preconceito, revisemos nossas verdades sobre tomadores de crédito, ajustando-as a classe C e D informal e seu empreendedorismo. A última onda rentável do crédito massificado brasileiro.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 04/04/2007

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