A pouca coerência na distribuição das Sobras

Sabemos que a rotina é algo confortável, mas que no médio e longo prazo nos é perniciosa e coloca em xeque o futuro de nossa Singular. Nestes onze anos de consultorias junto ao cooperativismo de crédito vimos muitas coisas sendo aplicadas como ideais para as quais já não existem mais os fatores ambientais que as justificaram.

Imagino que você conheça inúmeras fábulas que explicitam como a rotina tende a ser maléfica, mas vamos apenas explicitar um caso exemplar que, diferente das fábulas, pode estar acometendo sua Singular, e para o qual pedimos sua atenção.

Saldo médio na distribuição das Sobras: é usual usarmos o saldo médio nas distribuições das Sobras para clientes com depósito a prazo e depósito a vista no ano que antecedeu a AGO. Mas por que a totalidade das Singulares usam juros pagos para distribuir bônus pelo crédito tomado?

Senão, vejamos. Fizemos a pergunta acima em nosso “2º Fórum de Líderes do Cooperativismo de Crédito”, realizado há alguns dias em Foz do Iguaçu – PR, para 100 executivos das mais variadas bandeiras. Após um curto silêncio, verificamos que, por rotina ou pura cópia de outras Singulares, todos na plateia adotaram a mesma lógica, pagando bônus das Sobras no item crédito por juros pagos e não por saldo médio. Inexplicavelmente não seguiram a lógica de saldo médio que todos adotavam para o depósito a prazo e a vista. Então, paro aqui minha reflexão e faço a você uma pergunta: Para você, qual seria a resposta defensável que daria a seu presidente, caso ele pedisse para você justificar a manutenção do critério de juros pagos (e não saldo médio) aos tomadores de crédito quando da distribuição das Sobras? Responda apenas ao final deste artigo. Vamos refletir.

Usando o saldo médio dos valores tomados: Temos dois fortes argumentos para usar o saldo médio dos valores tomados como balizador na distribuição das Sobras:

1ª) Linhas Massificadas: clientes que utilizam linhas massificadas com elevadas taxas de juros, como cheque especial, financiamento do saldo do cartão de crédito, créditos pré-aprovados etc, têm, em conceito, taxas bem elevadas, pois estas explicitam seus riscos e a menor reciprocidade, rápida e sistêmica análise e inexistência de garantia;

2ª) Linhas “Estruturadas”: clientes com taxas menores, conceitualmente, são clientes mais conhecidos, confiáveis, com maior relacionamento comercial, tomam créditos mais expressivos e com prazos mais longos, mais líquidos e adimplentes, formadores de opinião, usualmente visitados, podem e oferecem facilmente garantias reais ou bons avais etc. Ou seja, para que estes tomadores de crédito de linhas “estruturadas” participem com ganhos relevantes nas Sobras pelos juros pagos, devem, em conceito, tomar 5 ou mais vezes mais recursos do que um contumaz usuário de cheque especial (ex), haja vista a enorme discrepância de taxas.

Importante: Estes clientes de créditos mais “estruturados” dão valor as Sobras, reconhecem o bônus direto do IOF, além do que suas taxas são muito mais baixas, e por isso qualquer percentual de devolução nas Sobras passa a ser representativo na taxa paga.

Assim, no nosso ponto de vista, é inexplicável o motivo das Singulares adotarem saldo médio para depósito a prazo e a vista, mas juros pagos para os créditos tomados. Há muito tempo ouvi de um grande conhecedor do nosso modelo de negócio que esta adoção por juros pagos no crédito como balizador de uma parte das Sobras era devido a inexistência de tecnologia para determinar o saldo médio devedor de um cliente durante o ano anterior a AGO. Mas ele mesmo admitia que se temos como calcular os juros pagos, facilmente podemos encontrar o saldo médio devedor do cliente no ano que antecedeu a AGO.

A tributação futura sobre Sobras: Por mais controverso que possa parecer, em nosso entendimento as Sobras distribuídas são ganhos de capital ao associado, tal qual é tributado os juros ao capital pago em 31/12 pelo Imposto de Renda. Assim, os líderes do cooperativismo de crédito não devem acreditar que não haja fortes sinais de que muito em breve seremos tributados quando da distribuição das Sobras para nossos correntistas. Entendemos que essa tributação tende a ser breve, pois:

Artigo “Engenharia Reversa nas Sobras”: Aconselhamos a sua releitura, já que permite uma melhor contextualização das reflexões macro aqui contidas e uma ótima distribuição das Sobras.

Reflexão final: a rotina nos faz complacentes com o presente e fracos frente ao futuro. Não é porque não fomos questionados que o que fazemos há anos está certo ou é defensável. Precisamos sempre de parceiros que nos façam as perguntas certas no tempo certo. Refletimos, aprendemos, ajustamos nossos focos e assim, de forma recorrente, crescemos sempre.

Sobre o aspecto estatutário, comercial e de risco, consideramos mais coerente e saudável a distribuição de 100% das Sobras aos clientes tomadores pelo saldo médio, como já o fazemos para os depósitos a prazo e a vista. Esta mudança conceitual requer uma reengenharia numérica, mental e novas argumentações das Sobras frente aos sócios e nossos profissionais.

Por fim, antes de afirmar que estamos equivocados, pedimos que a intrigante abordagem deste artigo seja tema a ser amplamente discutido junto aos líderes de sua Singular, pois, com o passar dos anos, nos parece que serão cada vez mais frágeis os argumentos na defesa da manutenção da distribuição das Sobras ao crédito pelos juros pagos (e não saldo médio).

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito
www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 10/03/2015