A miopia de um grande número

Nestes últimos cinco anos me empenho em fortalecer o Cooperativismo de Crédito, através de meus textos, consultorias e treinamentos, compartilhando as melhores práticas comerciais junto a centenas de excelentes profissionais deste segmento. Portanto, não poderia me furtar ao registro de algumas miopias de gestão criadas por “grandes” números, as quais veem mascarando a realidade mercadológica de inúmeras singulares.

1) Número de Associados – Baixa razoabilidade

As singulares tendem a considerar associados todos aqueles que mantêm o mínimo legal de capital social, independente do nível de aderência a Cooperativa de Crédito (CC). Isto faz com que divulguem números inflados quanto à quantidade de associados existentes. Este “grande” número de associados pode até ser “útil” junto a Mídia; Órgãos oficiais (BC, IBGE,…); Associações Classistas; Centrais; Assembleias Gerais, Planejamentos Estratégicos, ou para “balizar” o crescimento da base de clientes da singular e de suas agências. Porém, é temeroso utilizá-lo como alicerce de ações comerciais, pois esconde realidades mercadológicas latentes e nem sempre saudáveis.

Neste cenário, também se observa uma “atenção” e/ou “divulgação” exacerbada em outros grandes números; seja pelo seu “uso” mais imediato, seja pela “facilidade” no monitoramento, ou por ser “politicamente” confortáveis. Destaco: Número de novos associados, PL, Capital Social; Recursos Administrados; Volume de crédito; Sobras … .  Entretanto, mesmo que possam ser um dos inúmeros balizadores de eficácia, podem não se suportarem tecnicamente e esconderem sérias imperfeições e tendências.

Se reconhecemos que a única unidade de lucro ou prejuízo da CC é a individualidade de cada um de seus clientes, por que não damos atenção a esta realidade? Tudo leva a crer que tendemos a fazer o que é menos trabalhoso ou que nos dá mais destaque, e não o necessário e lógico, pois este trará a tona complexos cenários e muito trabalho. Mantendo esta desatenção aos detalhes que os grandes números carregam (como o número bruto de associados) poderemos até ter resultados no curto prazo. Mas no médio e longo prazo faltará substância para a competitividade e perpetuação da CC.

2) Composição da base – Pode não ser a desejada

A experiência prática demonstra que, em média, apenas 33% dos associados adotam a CC como sua instituição financeira e ali concentram suas aplicações, crédito e serviços. Outros 33% a utilizam apenas como uma financeira, não tendo real aderência, e tão pouco comungam com os preceitos do cooperativismo. Estes, quando tomam credito, são “orientados” a demandar uma boa gama de “soluções”: produtos de baixa atratividade; serviços (taxas e tarifas); integralizar compulsoriamente o capital social; etc. Isto os torna o mais representativo grupo na construção das sobras. Já os 33% restantes são associados inativos, de risco ou com movimentações pífias diante do seu potencial. Esta realidade percentual pode alterar um pouco de singular para singular.

É natural que haja discordância dos percentuais apresentados, pois agridem nosso preceito de que a grande maioria dos clientes está hiper ativa em nossa singular. Aconselho a fazer uma análise imparcial e profissional da verdadeira composição e aderência do seu quadro social. Isto permitirá uma real auditoria comercial em sua base, favorecendo identificar se, em sua singular, estão “instalados” os três grupos de percentuais acima descritos. Ou mesmo, terá subsídios para demonstrar meu equívoco. Independente dos resultados é relevante conhecer e monitorar estes percentuais, para que não haja surpresas quando, em breve, sua CC precisar “alavancar” bruscamente resultados utilizando unicamente o verdadeiro valor remanescente em sua base.

Fica latente o equivoco de se utilizar grandes e inflados números para balizar ações comerciais. Este risco se agrava na proporção direta da crença da singular, que está indo “muito bem”, unicamente pelo crescimento bruto do número de: clientes, Sobras; PL, Recursos Administrados etc. Grandes números sempre ocultam sérias imperfeições.

3) Quantos são verdadeiramente os clientes ativos?

O conceito técnico do que seja um cliente ativo, depende unicamente de reconhecer e acompanhar o potencial de demanda de um cliente e confrontar com a realidade quanto ao uso. Destes indicadores individuais é que se pode obter o real quilate de sua base.

Reforço muito este tema nos treinamentos, e também apresento os equívocos da adoção de um balizador único de quantidade de movimentação da C/C e/ou da demanda de um rol de produtos/serviços específicos.

Reconheço que algumas CC, para usos internos pontuais, criam um conceito próprio de associados ativos. Porém, com frequência, estes se distanciam dos preceitos técnicos e coerentes de uma boa gestão. Tendendo assim, explicitar um forte viés “favorável” à singular, mantendo superestimada a quantidade de “bons” associados.

4) Quantos. Quem e Por que deixam a Singular?

Certamente é esperado, e até saudável, o ciclo de entrada e saída de novos clientes. O acompanhamento deste movimento é sinal de elevada eficácia da gestão comercial. Contudo, em muitas singulares não encontramos atenção ao monitoramento deste tema.

Um dos motivos deste cenário é ainda a mediana expertise para lidar com temas “novos”, seja pela “mocidade” deste modelo de negócio ou pelo fortíssimo crescimento observado nos últimos anos, que faz estes grandes números subjugarem temas “menores”. Ou seja, não deixa muito espaço para preocupações com “detalhes”, tal qual identificar os motivos das saídas de bons clientes da singular. Este contexto pode ficar ainda mais nebuloso pela “complexidade” do cliente em retirar seu último vínculo com a CC (seu Capital Social). Só na assembleia ele deixará de ser formalmente um correntista “ativo”.

Importante: parece óbvio adotar ações visando reter a base rentável. Contudo, nada ou quase nada deste assunto é tratado no Planejamento Estratégico. Não se define ações; percentuais aceitáveis; políticas de retenção, formas de acompanhamento, etc. Já quando o assunto é crescimento bruto da base, há muitos para opinar; definir; divulgar etc. Resumindo: A eficácia requer total e real conhecimento da base. O resto é consequência.

Conclusão

Reconheço que o foco original da tecnologia nas CC foi dar-lhes segurança para operar e que ela ainda é escassa no suporte a modalidade de gestão descrita neste texto. Mas não é hora somente de achar problemas/motivos para não atuarmos fortemente diante de um problema tão real – Gestão da base. Temos que buscar soluções, e estas precedem de simplicidade, criatividade, boa vontade, atitude e equipe.

A exposição de fatos acima alerta para a miopia contextualizada pelo número macro de associados, e que muito provavelmente deva estar ocorrendo em sua singular. Também, que cada instituição deve, com humildade, reconhecer a sua realidade e a abrangência deste problema, antes de iniciar qualquer medida corretiva. Contudo, seria uma insensatez agir sobre o tema apenas no Planejamento Estratégico – 2009. A hora é agora.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/06/2008