A Estética da Ética

Li recentemente um interessante artigo postado no Boletim de Responsabilidade Social e Ambiental do Sistema Financeiro do BACEN da Alessandra Von Borowski Dodl intitulado “A difícil tarefa de coordenar um processo ético”. Nele, além de um breve relato sobre o microcrédito, descreve a preocupação de uma entidade de classe quanto às atitudes comerciais “antiéticas” de alguns bancos privados entrantes neste mercado. São consideradas “agressivas” as ações que focam a conquista das carteiras já formadas, através da contratação dos melhores promotores de microcrédito destas instituições públicas (usualmente funcionários de OSCIP´s parceiras).

Atuo há mais de 30 anos no mercado financeiro massificado, nos últimos cinco anos como consultor. Acompanho a agressividade deste mercado, e apesar de reconhecer as ações acima descritas, questiono se poderíamos considerar uma atitude antiética o ato de buscar no mercado os melhores profissionais (com eles seus contatos), para conseguir nossos objetivos comerciais. Assim, particularmente vejo como natural este assédio da concorrência. Ficaria muito mais preocupado se meus melhores profissionais não fossem assediados, o que sinaliza que não estou sabendo contratar ou pagando acima do mercado.

Cabe aqui uma analogia: como seria o desempenho de nosso time do coração não pudesse contratar os melhores dos concorrentes, e só jogasse com o potencial futuro dos seus jogadores juniores? Nada emocionante/atrativo e certamente um desempenho sofrível.

Reconheço que os bancos privados só atuam no microcrédito por força de lei, pois é uma operação cara, muito regulamentada, com alta inadimplência, tarifas e juros baixos, público alvo ainda sem potencial para rentabilizar minimamente uma C/C etc. Mesmo assim, os bancos privados, visando reduzir seus pênaltis legais, ampliam rapidamente estas suas carteiras da maneira mais prática e rápida possível, como a contratação de promotores de microcréditos bem sucedidos. Certamente que esta ação irá se transformar também em “brilhantes cases” de Responsabilidade Social, seja para a mídia ou balanço.

Fica uma dúvida. Os bancos privados “invasores” aqui contextualizados acreditam que suas ações foram antiéticas? Certamente que não. Além do que, internamente tem fortes políticas capacitando seus funcionários para atitudes “éticas”, inclusive destacando-as em seu balanço social e apresentando certificados neste quesito. Isto nos leva a crer que, como todo e qualquer conceito que tenta explicitar uma conduta/atitude humana, tal qual do que seja “Ética”, depende de inúmeros fatores, inclusive de ser estar ou não do lado mais forte.

A assertividade de conceitos básicos

Sempre é delicado questionar o tema Ética. Se defendê-lo é fácil, praticá-lo integralmente é extremamente complexo. Sem ter a pretensão de definir algo como verdadeiro, tentarei explicitar alguns cenários para reflexões do leitor. De forma objetiva, devemos buscar menos definições e julgamentos do que seja ético ou ações éticas, e passarmos a ter atitudes que nos permitam fazer nosso melhor, baseando-nos nos valores e preceitos da sociedade onde estamos inseridos. É mister ter cuidado, pois a evolução de nossa sociedade é cúmplice da fragilidade destes conceitos subjetivos.

O que foi ético para nossos avós, já pode estar parcialmente minado por você e pode não o ser mais para seus filhos e netos. Pense: como os índios nos julgam quanto à ética? (de quem nestes 500 anos tomamos a terra, dizimamos seu povo e destruímos sua cultura). Ou como entender o dinamismo do que seja ético para a igreja católica? (que há pouco mais de um século queimava pessoas desafetas). Por fim, seria seu pai antiético somente por ter trabalhado a vida toda na área comercial de uma empresa de cigarros (ex.)? Reflita!

Entendo que o conceito de ética não precede de reconhecermos que há uma confusão semântica entre dois outros conceitos aparentemente corriqueiros: “Fidelização”: que é consequência de atitudes que não estão edificadas por explicações lógicas, mas sim pelo sentimento da EMOÇÃO.   Ex: família – filhos, time de futebol, religião,… Não há força racional que nos faça mudar estas nossas opções. O problema se agrava ao confundirmos fidelização com outro conceito básico: “Relacionamento Comercial”. Que nada mais é que uma paga justa por um tempo justo. Algo simples, racional e esperado. Que é a troca profissional e comercial por outro patrão; fornecedor; produto; serviço etc.

Alguém vendendo seu produto/serviço para quem melhor remunerá-lo e/ou lhe der melhor longevidade e segurança. Neste caso – os promotores de créditos – sempre disponíveis no mercado – vendem sua expertise, seu relacionamento comercial e sua força de trabalho aos bancos privados. Algo muito natural.

Vejo inúmeros depoimentos veementes do que seja ético. Fico com dúvidas se há necessidade de rotular ou de julgar de forma tão clara este conceito. Contudo percebo esta preocupação é muito mais comum em profissionais da academia ou daqueles que estão mais “seguros”, não concorrendo mais no agressivo mercado comercial. Na prática, seja na vida social, comercial ou política, a palavra ética tem seu julgamento priorizado pelo contexto momentâneo, e em especial pela nação, região e casta social em que se vive. Portanto, o que existe de “ético” e o que respeitamos como “ético” são preceitos e pré-conceitos aceitáveis e mutáveis de nosso micromundo, mesmo que informais e/ou ilícitos perante alguma lei. Você ou seus filhos já assistiram ao filme “Tropa de Elite”? Alugado ou original?

Ética Comercial ou Concorrencial

Ética é algo conceitualmente brilhante, mas sua total aplicabilidade depende de um cenário perfeito, sem concorrência; capital financeiro; política; religião… Mesmo que tentemos dar-lhes nomes mais pomposos como Ética Concorrencial; Ética Médica;… mantemos os mesmos equívocos e criamos um novo problema: como pode algo existir para detalhar condutas éticas de um mercado ou grupo de profissionais, se eles estão inseridos em uma sociedade maior que já tem estes preceitos como dogmas ditos éticos? Ética de Nicho?!

Ao analisarmos uma abordagem puramente comercial, e sem ferir os preceitos da legislação gostaria de compartilhar que: até hoje, nunca encontrei uma única empresa privada, através de seus dirigentes ou acionistas, que tenha investido em algo social que não possa, de alguma forma, refletir em competitividade comercial, mesmo que seja para colocar uma linha em destaque em seu balanço social. Já para as empresas públicas – Ação Social é algo implícito na sua missão, haja vista ser criada por, pela e para a sociedade.

Contudo, se estas entidades públicas vierem a “invadir” ou “descobrir” áreas lucrativas, onde a concorrência é livre, devem reconhecer e aceitar as regra do jogo comercial, mudando de atitude e ganhando agressividade. Isto lhes permitirá ganhar músculos para atacar ao invés de se defender de algo dito “inesperado”, fruto de uma ação concorrencial taxada como “antiética”. Devem ficar atentas, pois sempre haverá novas e criativas ações “inesperadas” dos concorrentes, e tão mais “agressivas”, quanto maior for a lucratividade deste mercado.

O mercado segue o lucro e este não perdoa quem não o busca com eficácia comercial, em especial os acionistas e demais investidores. Esta afirmação dificilmente será explicitada pelos líderes de mercado, mas certamente é aceita e diariamente praticada. Sem exceção, o mercado tem seus próprios valores, verdades e práticas, independente de estarem ou não descritas em teses acadêmicas. A prática comercial sempre nos surpreende, mas nos ensina que pela complexidade deste cenário, seria infantil jogar dama com peças de xadrez.

Palestra inacabada sobre ética

Há um ano palestrei sobre técnicas de vendas de produtos financeiros massificados em um grande evento. Logo após, houve uma palestra sobre ética. Esta palestrante, antes de subir ao palco, em particular, comentou que alguns pontos de minha fala não foram éticos. Ouvi atentamente a palestra de ótimo embasamento teórico, e percebi que ela se auto intitulava uma pessoa 100% ética. Para minha surpresa, pensei estar pela primeira vez, diante de alguém que, além de literalmente pregar princípios éticos, passava ser exemplo vivo desta qualidade quase divina. Mas qual foi minha surpresa, ao lhe fazer algumas poucas perguntas ao final do evento, após parabenizá-la pela eloquência e domínio do assunto.

Perguntei-lhe se tinha o hábito de ir a restaurantes com a família e amigos, e se já consertou algum pneu furado? A resposta foi Sim, e, na sequência, perguntei se havia pedido Nota Fiscal para 100% destes serviços? Não, foi a resposta. Perguntei se já comprou uma água de coco na praia ou se já deu esmola na rua? Respondeu que Sim. Perguntei o que de real e efetivo ela fez para eliminar aquela informalidade ou aquele deslocamento social? A resposta foi evasiva. Por fim, perguntei se ela poderia me mostrar a NF que emitiu dos honorários que acabará de receber da palestra que recém encerrou sobre ética. Nada de Nota Fiscal.

Ou seja, mesmo ela, uma quase diva da ética, não pratica nem 70% o que apregoa. Não existe meio ético, mesmo que aleguemos falha de governo, políticos, militares,… Nós somos partes atuantes de nossa sociedade. Mudá-la, exige atitudes, muito mais que conceitos. Toda e qualquer palestra sobre ética tende a ser sempre inacabada.

Fica a pergunta: qual é a estética da ÉTICA?

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 08/04/2008

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