A arte de garimpar novos clientes

Um pergunta recorrente em minhas consultorias e treinamentos é como uma Cooperativas de Crédito (CC) pode crescer sua base de forma sustentada, buscando ganhos de escala e melhora no seu posicionamento mercadológico. A resposta é “Depende”. Haja vista que cada microrregião tem seus próprios concorrentes, valores, riquezas, e sem dúvida um tipo muito próprio de colaboradores e “clientes”. Sem esquecer que há outros inúmeros aspectos pessoais e organizacionais que norteiam a gestão local, regional e nacional, seja da “franquia” da bandeira da CC e do próprio cooperativismo.

Assim, é aconselhável que as CC tenham uma visão muito oxigenada da “floresta” para que se possa competir com eficácia no seu agressivo mercado. Caso contrário, sempre será míope a visão de quem se abraça a uma “árvore”. Podemos reforçar este fato com ajuda do psicólogo Maslow: “Se a única ferramenta que você dispõe é um martelo, tudo parece um prego”. Este parágrafo resume o objetivo deste texto, que é de trazer para reflexão pontos de vistas simples, mas distintos dos acadêmicos ou atualmente pré-concebidos.

Decida – Número ou Qualidade!

Então, como, onde, quando as CC devem buscar novos e rentáveis clientes? A resposta é “Calma, vamos refletir”. No afã de buscar apenas números e não qualidade se faz os mais primários dos erros deste mercado.

Primeiramente, alertamos que uma ação de expansão da base, descolada da boa prática comercial, pode até produzir inicialmente “bons” resultados, em especial quando muito pouco de prático foi feito sobre o mercado, ou ainda as benesses ofertadas nas ações de conquista são “encantadoras” e “irrecusáveis”, as quais, muitas vezes, são superiores às concedidas à base atual. Estes flashes de “bons” resultados são apresentados como a “salvação da lavoura”, mas no médio prazo podem ser maléfico ao modelo de negócio.

Temos que ser extremamente reflexivos e desconfiar dos modismos que prometem alavancar rapidamente a carteira de clientes. A imparcial análise destas ações comprovará sua ineficácia. Cuidemos para não ficar entorpecidos com soluções milagrosas de curtíssimo prazo. Isto nunca existirá em nosso mercado. Nele, qualquer novidade comercial precede de se fazer o básico bem feito. Ter paixão pela base atual. Tirar 10 na lição de casa.

São inúmeros os pontos de atenção quanto ao crescimento da base, mas podemos destacar alguns:

Premissa básica – Se a base atual está mal trabalhada. Nada de expansão.

Lembremos que a carteira de clientes é o maior patrimônio de uma CC. Mas é muito mais “vistoso” e hipoteticamente mais fácil colocar no planejamento estratégico o crescimento avantajado da base, como sendo a solução para todos os males. Por outro lado, com muito menor destaque, se foca nos esforços para saturar e manter de forma saudável cada um dos já correntistas.

Assim, esta “confusão” estratégica vem se demonstrando como inconsistente e descolada da realidade comercial, potencializando resultados aquém do esperado no médio e longo prazo. Isto é agravado, pois, os números macros de acompanhamento gerencial só confessarão muito tardiamente este grave equívoco estratégico. Assim, temos muita plástica e pouca substância e robustez. Um queijo suíço. Lembremos que o mercado é soberano, indiferente ao conteúdo do seu planejamento estratégico e não tolera falhas.

Lição de casa

Imaginemos a seguinte cena. Você tem um cliente “X” há três anos, que lhe comprava uma bela cesta de soluções. Ele resolve lhe deixar gradualmente, você não percebe, pois sua CC administra apenas o número bruto de clientes, e não a relação entre o potencial e o demandado de cada cliente. Esta falsa leitura do cenário pode se agravar, haja vista que para uma CC este cliente continuará sendo considerado como “vivo”, pois sua conta corrente ainda “sobrevive” por ter seu Capital Social “aplicado”, ou ainda faz dois ou três movimentos/mês. Uma sequência de fatos nada saudável para qualquer comércio.

Mas agora imaginemos um cliente, “Y”. Ele tem um potencial para uma vasta cesta de soluções, mas nos últimos cinco anos apenas lhe usa como financeira ou como porto seguro e rentável para seus investimentos. Ele será considerado como um bom e ativo cliente, inclusive quantificado nas apresentações das assembleias, e pouco ou quase nada será feito para buscar uma perfeita parceria, pois não se sabe o seu potencial de consumo. Não sabendo o que realmente “cabe” no cliente, as raras e singelas ações comerciais são apenas ações refratárias às demandas formais do cliente. Devemos buscar junto a este cliente um “bom atendimento” que, na prática, só ocorre quando os interesses são harmonizados com base em uma política de ganha-ganha. E isto tem preço.

Agora vamos para o novo cliente, “W”, que abriu a conta ontem. Onde foi registrado o real potencial deste cliente, e em que “time” isto será conseguido? Quem definiu seu potencial sabe mesmo? Quem será cobrado por obter estes patamares? Quais ações serão tomadas se não for atingido o potencial no prazo previsto? A forma de novas conquistas será revista? Etc.

Resumindo. Aquilo que não se pode medir, não se deve implementar. Bons clientes você tem na base. No mercado, a garimpagem não é para principiantes e/ou afoitos. Contudo, se a conquista de novos clientes estiver ocorrendo de forma espontânea ou muito fácil, fique esperto. A grande maioria são “tranqueiras”, e provavelmente irão verbalizar em algumas semanas um interesse “louco” por crédito, além de, é claro, prometer também a compra destes e daqueles serviços e produtos. Se isto ocorrer, logo os cancelarão.

Não acreditem nos novos clientes muito fáceis de conquistar, que dizem que aceitam seu convite porque o concorrente lhe atende de forma insatisfatória. Certamente são “tranqueiras”, pouco rentável e/ou estão se “afogando” em crédito. Lembremos que, ainda por um bom tempo, não teremos o milagroso cadastro positivo, que permitirá saber a posição de crédito do cliente PF em todas as entidades financeiras nacionais. Isto nos permite a seguinte reflexão. As informações sempre chegam na mesma velocidade, qualidade, astúcia com que são procuradas. As boas saltarão do limbo, serão valorizadas e facilmente “formalizadas”. As más, são difíceis de serem garimpadas e se surgirem, podem já estar mitigadas.

Por fim, o mais importante nesta abordagem é que o presidente, diretores e os gestores da CC devem saber de forma “online” qual é o real potencial de sua base de clientes, de um segmento ou de um cliente, bem como onde, como e quanto pode ainda crescer. O perfeito trato da base atual é a melhor escola para ações de expansão e fermento natural desta expansão. Isto é um belo ciclo virtuoso. Sem qualidade sobre a base, os números brutos apenas distorcem realidades e agridem gravemente o modelo de negócio das CC.

Gerentes de Expansão?

Há 15 anos um banco médio, adotou o modelo de gerentes de expansão, visando elevar sua carteira de clientes. Eles saíam para “conquistar” contas baseados em agendamentos feitos por telemarketing, com origem em listas “compradas” no mercado. Na prática, eram quase um “boy” de luxo. Contavam o que seu banco prometia e buscavam as documentações e assinaturas. Após este processo, um outro gerente fixo da sua agência seria designado para ser seu atendente. No início esta ação ainda tinha relativo sucesso, pois havia uma gordura de potenciais clientes ainda sem banco, em especial os tomadores, bem como a legislação não inibia tão veemente estas ações de telemarketing. Com o passar dos anos, este cenário se fechou. Há oito anos, outro banco médio recorreu a mesma tática, chamando-os de hunters (“caçadores” de conta). No início deste ano, demitiu seus últimos 400 “caçadores”. Estes dois bancos sinalizam modesto crescimentos e competitividade.

O que isso nos ensina? Que este modelo de expansão caducou. Vejamos. Os líderes de mercado não adotam tal prática e focam no crescimento orgânico.

A explicação mais plausível é que o relacionamento comercial de um bom cliente com uma Instituição Financeira não admite um início tão “solto”. Também que estamos tratando da movimentação financeira do cidadão, e que já há um banco o atendendo. Isto nos faz reconhecer que para o cliente a troca de banco sempre é desconfortável, seja pelo recadastramento de débitos automáticos, aprendizado de processos de autoatendimento, estresse com tarifas e taxas, qualidade de atendimento real, novas senhas, transferências de eventuais “dívidas”, acompanhamento de limites e das renovações etc. Ou seja, um cliente rentável só deixa seu atual banco se “figurativamente” este colocar os “dois pés” no seu peito. Por fim, percebemos que o cliente já “aprendeu” que todas as IF são iguais, e que neste momento o banco “B” propõe vantagens, mas que em breve tudo se iguala a sua atual instituição (“comoditização”). Então. Trocar para que?

Cliente indica Cliente

Noto que alguns gestores ainda acreditam que seus clientes estariam dispostos a indicar sua instituição financeira para pessoas de seu relacionamento. Ação chamada pelo nome pomposo de “Member get Member”. Nestas duas décadas o que observou na prática são ações intempestivas e caríssimas pelos “prêmios” dados aos clientes “mercenários” que indicaram novos clientes, os quais se mostraram “tranqueiras” no médio prazo.

Outro fato desabonador é que esta ação não tem mais espaço pelo “esgotamento” do finito rol de bons contatos de seus clientes, os quais já estão sendo atendidos por outras IF. Certamente há outras explicações para a pouca eficácia desta ação. Uma delas seria a baixa “representatividade” do gerente de conta para os correntistas. Outra seria nosso receio de indicar prestadores de serviços e, se este vir a “falhar”, isto macular nosso relacionamento com o colega indicado. Importante é que, mesmo nas CC, há uma enorme chance de pífios resultados, independente da crença de que seus “clientes” são engajados no modelo cooperativista e de que participariam em massa desta ação.

Este cenário fica explicitado na pesquisa de 04/2007 da The Gallup Organization, que revela que apenas 17% dos usuários de serviços financeiros do país estão engajados a seu banco e mantêm uma atitude leal à marca. São muito poucos para pedir que além de concentrarem suas soluções com o banco, ainda sejam “indicadores” de novas contas.

Faço duas reflexões finais ao encerrar o tema: Gerente de Expansão. A primeira. Se adotarem tal prática, que haja real monitoração da demanda por serviços e produtos destes novos clientes “indicados”, comparativamente com sua base atual. Com destaque para seus níveis de problemas, suas rentabilidades e o tempo médio de permanência na instituição. A segunda. É uma decorrência natural dos gestores que adotam este modelo de expansão. Tendem a orientar formalmente seus funcionários para que indiquem “x” novos clientes. Muito cuidado. É uma ação intempestiva e traz mais desconforto que resultados práticos. Não devemos solicitar, medir, definir como meta tal missão a um funcionário se não for coerente com seu cargo e missão. Podemos sim, de uma forma lúdica, indicá-la como uma boa prática. Lembrando que já temos em nossas unidades gerentes de contas e titulares de unidades que ganham, para garimpar novas e rentáveis contas, além de reter e rentabilizar sua base.

Conclusão

A lição de casa é clara. Tudo leva a crer que a base não foi bem trabalhada. Primeiro tirar um belo 10 no “arroz, feijão e ovo frito”; depois buscar novos pratos. Foco no foco – explorar e reter 100% do que já conquistou, com atenção à riqueza da “entidade família” implícita na sua base. Quando sua base e posição mercadológica estiverem bem defendidas, avance de forma astuta, serena através de ações piloto sobre os “mais rentáveis” clientes do concorrente, e não sobre os “melhores”. Em breve tratarei deste intrigante tema.

Por fim, não acredite ou implemente modismos do seu mercado ou de outro, sem grandes ponderações, mesmo que sejam singelas teorias acadêmicas. Por que? Porque seus clientes não querem ter sobressaltos. Escolheram sua CC pela coerência no posicionamento histórico e ações. Eles aceitam mudanças, mas só aquelas que lhes agregarem valor, não causarem estresse e forem precedidas de ajustes após passarem por severa bateria de testes. O cliente e seu dinheiro não podem sofrer ações de maré, trancos, sustos etc.

Santa Constância é a padroeira das cooperativas de crédito.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 11/05/2007